O início de Se eu Fechar os Olhos Agora, romance do jornalista e escritor Edney Silvestre, dá a impressão de ser um livro infanto-juvenil, por apresentar os dois protagonistas, Eduardo e Paulo, garotos de 12 anos de idade, no momento em que fazem mais uma de suas travessuras, matando aula para nadar em um lago. Depois, o livro dá uma guinada, e o leitor se vê enredado em uma trama policial: os garotos encontram, nas imediações do lago, uma mulher morta a facadas. Por fim, os dois personagens são envolvidos por essa descoberta e, aos poucos, entram no mundo dos adultos. Ou seja, o que era um infanto-juvenil e tornou-se um policial, acaba se transformando em um romance de formação. E dos bons.
Embora seja seu romance de estreia, o fluminense Edney Silvestre, 55, já publicou, entre outros, o livro de entrevistas Os Contestadores e reuniu suas crônicas em Outros Tempos e Dias de Cachorro Louco, este último com base em suas experiências em 12 anos como correspondente do jornal O Globo e da Rede Globo em Nova York. Edney foi o primeiro jornalista brasileiro a chegar ao World Trade Center, no 11 de setembro de 2001. Seu apreço pela literatura pode ser constatado no programa Espaço Aberto Literatura, do canal de TV a cabo GloboNews, em que faz longas entrevistas com escritores.
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Em sua primeira obra de ficção, ele ambientou a história na pequena cidade onde nasceu, Valença, no Estado do Rio de Janeiro – que era então Guanabara. Embora emaranhado, o enredo não se torna em momento algum confuso. A trama se desenvolve no início da década de 1960 e é bem-sucedida, tanto no sentido de um retrato de época como, também, em tornar a leitura ágil. Os garotos vão tomando consciência do mundo com a mesma intensidade da narrativa.
Brasileiros – Como surgiu a ideia de escrever Se Eu Fechar os Olhos Agora?
Edney Silvestre – Eu deveria ter uns 9, 10 anos quando ouvi pela primeira vez a história. Era uma “conversa de adultos”, em que se comentava um crime ligando mãe, filha e o amante das duas. Não me recordo quando a trama me voltou à memória, mas sei que ficou na minha cabeça por mais de uma década, sem que eu soubesse como narrá-la. Fiz várias tentativas frustradas, até que, num quarto de hotel, ouvi a voz de Paulo me contando o que se recordava. “Se eu fechar os olhos agora”, dizia, “ainda posso sentir o sangue dela grudado nos meus dedos. E era assim, grudava nos meus dedos como grudava nos cabelos louros dela…”. Daí em diante, o romance foi se estruturando até chegar ao prelo.
Seis anos depois.
Brasileiros – Você se baseou em alguém para compor a personagem? Em algum fato real?
E.S. – Anita, a personagem principal, já surgiu morta na minha imaginação. Desde o lançamento do livro, já soube de alguns leitores e jornalistas que veem semelhanças com fatos reais, acontecidos no interior do Estado do Rio de Janeiro, assim como mulheres assassinadas em outras obras de ficção. Quem conta a história é um dos meninos, quarenta anos depois.
Brasileiros – Por que escolheu um dos meninos para ser o narrador da história?
E.S. – Porque era preciso mostrar aquele olhar inocente e esperançoso que, quando garotos, temos diante do mundo. A passagem deles ao mundo adulto, cheio de dores e decepções, é como a que muitos de nós fizemos, e outros milhões de jovens estão fazendo e, também, farão. Só por meio da dor do conhecimento se chega à idade adulta.
Brasileiros – A trama de Se eu Fechar os Olhos Agora remete ao gênero policial, mas o livro também é um romance de formação. Como você mesclou
gêneros tão díspares?
E.S. – Minha intenção era criar “memórias inventadas”, usando minhas próprias experiências na travessia do mundo infantil para o adulto. Queria, igualmente, mostrar um Brasil raramente referido na ficção recente, o Brasil de nossa formação histórica, do fim da escravidão e Proclamação da República ao início da industrialização e seus efeitos sobre as vidas de gente comum. Anita, a mulher assassinada, não pode ser entendida sem se compreender o que se passou – e se passa – em nosso País.
Brasileiros – Comentar a política e a sociedade de outra época é uma saída para fazer críticas indiretas aos tempos atuais?
E.S. – Para poder entender o atual momento político e social brasileiro, para compreendermos os atos corruptos de muitos políticos, as falcatruas, a violência que vitima mulheres e crianças, para penetrarmos no que é o absurdo sentido de privilégio de nossas elites precisamos compreender como nossa sociedade se formou. O romance é um dos caminhos para isso.
Brasileiros – Como você vê o momento atual da literatura brasileira?
E.S. – Temos neste momento, no mínimo, uma dezena de autores excepcionais em língua portuguesa. O número de livrarias cresce. Há cada vez mais livros de ficção e não ficção de escritores nacionais publicados anualmente. Os adolescentes leem mais do que jamais leram. Aqui e no restante do mundo. Estamos no bom caminho.
Brasileiros – Depois de publicar seu primeiro livro de ficção, já pensa em outros?
E.S. – Estou escrevendo o que, talvez, seja meu próximo romance. Um dos personagens é o mesmo de Se eu Fechar os Olhos Agora. Vou fazendo anotações enquanto espero em aeroportos, em quartos de hotel, em voos como o recente, de Brasília para Curitiba. Só espero que esse processo não me tome seis anos, como foi o caso deste primeiro romance.
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