Don’t cry for us Argentina

Pelo menos numa coisa sou diferente da maioria dos meus colegas publicitários brasileiros: não tenho nenhuma implicância com a Argentina nem com os argentinos. Pelo contrário. Acho Buenos Aires uma linda cidade, considero o Hotel Alvear um dos melhores do mundo, gosto do bife de chorizo, dos vinhos Catena Zapata, das canções de Aníbal Troilo, Astor Piazzolla e Fito Paez, do humor dos Les Luthiers e do futebol de Maradona, Verón, Mascherano, Messi e Tevez.

Só não torço pela Argentina quando ela joga contra o Brasil, mas, quando os hermanos jogam melhor e vencem, reconheço a sua superioridade e nem fico muito chateado. No entanto, neste momento, apesar de minha admiração pela Argentina e pelos argentinos, discordo frontalmente de alguns colegas, publicitários brasileiros, que acham que a publicidade argentina anda melhor que a publicidade brasileira. Isso ainda não é verdade.
[nggallery id=15496]

A publicidade argentina foi, sim, melhor que a brasileira nos anos 50 e 60 do século passado. Mas, a partir de 1960, a geração profissional anterior à minha solidificou o negócio da publicidade no Brasil e criou condições para que, a partir dos anos 70, a nossa geração não só superasse os argentinos, como colocasse a publicidade brasileira entre as melhores do mundo.

Para isso contamos, inclusive, com a colaboração de alguns magníficos profissionais argentinos que perceberam o que estava acontecendo e vieram para cá. Casos, por exemplo, dos brilhantes diretores de arte Armando Mihanovich e Aníbal Gustavino e do excepcional diretor de comerciais Andrés Bukowinski.

Na verdade, o que acontece nos dias de hoje é que a publicidade mundial vive uma enorme crise criativa e de identidade, e a publicidade brasileira vive, além dessas duas, uma lamentável crise de auto-estima.

Coisa que pode ser entendida se misturarmos um retrospecto do passado com dados do presente e especulações sobre o futuro.

A publicidade no Brasil começou nos anos 1940 e 1950 através das agências norte-americanas. A Thompson e a McCann foram as pioneiras.

Nos anos 1960, a publicidade brasileira foi tremendamente influenciada pela geração Doyle/Dane/Bernbach. Implantou as duplas de criação, formadas por redator e diretor de arte. E recebeu também algumas influências da boa publicidade inglesa.

Essas influências, somadas a elementos da nossa cultura popular, criaram um jeito brasileiro de fazer publicidade. O Brasil é um país atípico. Oficialmente, está localizado na América do Sul, mas, na realidade, é um continente separado. Fala uma língua diferente da dos outros sul-americanos, o português do Brasil, e tem diferentes costumes.

O maior patrimônio brasileiro foi e continuará sendo a mistura das raças, que gerou o fabuloso fenômeno da miscigenação. O Brasil é certamente o último lugar do mundo onde você pode encontrar mulheres bonitas nos pontos de ônibus. Na maioria dos países, os bonitos estão onde estão os ricos: no Meatpack District, em Nova York, na Rodeo Drive, em Los Angeles, na Place des Vosges, em Paris.

No Brasil, a miscigenação democratizou a beleza, e, graças a isso, podemos encontrar lindas mulheres nos pontos de ônibus dos subúrbios. Mas a miscigenação fez bem mais do que isso. Criou um povo bem-humorado, musical, sensual, romântico e irreverente. Capaz de rir de si próprio, mesmo nos momentos mais difíceis.

Essas adoráveis características do nosso povo criaram a nossa publicidade. Os brasileiros são extremamente receptivos à comunicação comercial. Só os ingleses chegam perto de nós nesse quesito. Por isso mesmo é que só no Brasil e na Inglaterra publicitários se transformam em celebridades. Na minha opinião, muitas vezes de maneira exagerada.

O recém-lançado livro do inglês Mark Tungate, Adland: A Global History of Advertising, analisa esse fato em detalhes. Recomendo a leitura. A melhor publicidade brasileira não é certamente aquela que é premiada nos festivais internacionais. Essa é apenas a nossa publicidade mais traduzível para o inglês, língua oficial desses eventos.

A melhor publicidade brasileira é aquela que tem absoluta cor local e, muitas vezes, chega a ser impossível de traduzir. A publicidade brasileira começou a ser reconhecida no mundo no início dos anos 1970. São dessa época os primeiros Clios em Nova York e Leões em Cannes.

O primeiro Leão de Ouro foi ganho em 1974 por um filme para o Conselho Nacional de Propaganda a respeito do problema do preconceito, no mercado de trabalho, em relação aos homens de mais de 40 anos. Fato que, infelizmente, parece ter sido reavivado nos dias de hoje.

Mas, antes disso, o País já havia conquistado alguns prêmios, como o Leão de Prata do clássico filme Menino Sorrindo, para a campanha “Beba com Moderação”, da Seagram.

O segundo Leão de Ouro brasileiro foi conquistado em 1975 com um comercial revolucionário para a época, censurado pelos militares depois de duas semanas de veiculação. Era um filme de segurança no trânsito assinado pelo Banco Bamerindus e protagonizado pela atriz Irene Ravache.

No filme, Irene interpretava uma mulher que falava com seu psicanalista a respeito de sua frustração com o marido, que corria demais no trânsito porque tinha um problema. O tal problema era explicitado através de uma forte insinuação da personagem de que o marido era um impotente sexual. Esse raciocínio se completava com uma locução final em off: “O homem que corre demais no trânsito tem um problema. Se você não tem um problema, então por que você corre? Ou será que você tem um problema?”.

O filme teve forte repercussão, gerou comentários, começou a transformar a população em “repressora” dos irresponsáveis no trânsito, que eram chamados de impotentes, mas acabou saindo do ar, censurado pelos moralistas de plantão.

Curiosamente, 32 anos depois, neste ano de 2007, alguns profissionais menos informados comentam com espanto e admiração o comercial Little Dick, atualmente em veiculação na Austrália, no qual mulheres fazem sinais afirmando que homens irresponsáveis no trânsito normalmente tem um órgão sexual pequeno.

Deixando desinformação e questões anatômicas de lado e voltando ao nosso retrospecto, é também dos anos 1970 a mais famosa campanha de publicidade brasileira: o Garoto Bombril. Lançada em 1978, incluído no Guinness Book of Records desde 1995, com 344 filmes realizados até hoje, Bombril é um fenômeno único, mérito principal do ator Carlos Moreno, que implantou a linguagem coloquial na publicidade do Brasil e influenciou a publicidade mundial.

Ainda sobre os anos 1970, vale observar que naquela época as condições de produção cinematográfica no Brasil eram muito ruins no geral. Mas esse problema acabou se transformando numa solução. Tivemos de aprender a pensar simples e, como o simples na publicidade normalmente é melhor, aprendemos a fazer um bom trabalho.

Nos anos 1980, a publicidade brasileira viveu sua fase mais exuberante. As condições de produção melhoraram um pouco, a busca obsessiva por idéias simples continuou e grandes trabalhos foram feitos.

Naquela década, a publicidade brasileira disputava com a publicidade inglesa, que também vivia uma fase exuberante, o título de a melhor publicidade do mundo. E muitas vezes ganhava. Detalhe: naquele momento, os ingleses já possuíam condições de produção sensacionais, e diretores como o hoje Sir Alan Parker e o badaladíssimo Sir Ridley Scott colocavam seus talentos a serviço da publicidade do seu país. Novamente recomendo a leitura de Adland.

São dos anos 80, por exemplo, os dois únicos comerciais não criados originalmente em inglês do livro The 100 Best TV Commercials: …And Why They Worked, publicado em 1999 pela pesquisadora Bernice Kanner: Primeiro Sutiã, da Valisère, e Hitler, da Folha de S.Paulo.

Já nos anos 1990 a publicidade no mundo inteiro piorou, e os festivais de publicidade começaram a se desfigurar. Deixaram de lado a sua função principal, que é premiar e documentar o que de melhor foi feito, e se transformaram em verdadeiros caça-níqueis. Na verdade, caça-milhões. E assim surgiu em larga escala a tal da publicidade fantasma, criada só para festivais, jamais julgada pelo consumidor, que é quem, no final, realmente interessa, feita para alimentar o ego (às vezes, até ingênuo) de profissionais e agências e as contas bancárias dos organizadores dos festivais.

Foi também no início dos anos 90 que começou a obsessão por anúncios 100% visuais. Criados com a desculpa de que poderiam ser mais efetivos num mundo globalizado, na verdade, e na maioria das vezes, esses anúncios são feitos porque dispensam traduções quando inscritos nos festivais. Nos últimos anos, repetiram-se à exaustão, multiplicaram trocadilhos visuais tão medíocres quanto os outrora justamente criticados trocadilhos verbais e pasteurizaram boa parte da publicidade feita no Brasil e no mundo.

O mais importante publicitário norte-americano em atividade, o brilhante Lee Clow, da TBWA\Chiat\Day, autor do antológico comercial 1984, que lançou o Apple Macintosh, falou desses temas (festivais e obsessão visual) com profundidade e irritação numa entrevista publicada pelo Advertising Age de junho deste ano. Também recomendo a leitura. (Assim como sugiro a leitura do artigo “A imagem não diz não”, escrito por Bernardo Carvalho na Folha de S.Paulo de 17 de julho de 2007.)

Nos anos 1990, um outro fato ocorreu que merece ser analisado: a tecnologia invadiu para valer todo o mundo da publicidade, com acesso a novos equipamentos e mídias. Essa invasão teve seu lado ótimo e seu lado péssimo.

Se, de um lado, scanners e Photoshops facilitam o dia-a-dia, de outro, muitas vezes, transformam profissionais de criação em meros reprodutores do já existente. Pesquisam uma imagem nos bancos de imagem, escaneiam aquela imagem para o layout e, assim, acabam reproduzindo o velho em vez de criarem o novo. Uma pena. O mesmo ocorre com as novas mídias, obviamente fascinantes e irreversíveis como a internet, mas não excludentes das existentes anteriormente, como alguns afoitos pensam.

Num país como o Brasil, por exemplo, onde milhões ainda sonham entrar para o universo de consumo, a televisão aberta continuará sendo fundamental para diversos produtos durante anos e anos.

Aliás, não só no Brasil: estudo recente da The Nielsen Company divulgado nos Estados Unidos afirma que a TV aberta não perde audiência com o crescente número de internautas que assistem a vídeos em banda larga e que cenas on-line não vão substituir as da TV.

Fato semelhante ocorre na TV digital, que alguns por aqui imaginam ser uma realidade para depois de amanhã, quando mesmo nos Estados Unidos, com sua economia poderosa, essa implantação tem se mostrado caríssima, difícil e lenta. (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, fez em 2006, no MaxiMídia, uma palestra interessantíssima sobre o tema.)

Também sobre a televisão aberta, outras bobagens têm sido repetidas como verdades absolutas, responsáveis pela má fase criativa vivida pela propaganda no Brasil e no mundo. Alguns se queixam das grades de programação, implantadas no Brasil pela Rede Globo, com breaks de tamanho estabelecido e sem secundagem quebrada.

Trabalhamos, na maioria dos casos, com comerciais de 30 segundos, coisa que não é obrigatória em alguns países, como a Argentina. Pois bem: é óbvio que, em alguns casos, particularmente quando é necessário criar emoção, uma secundagem maior se torna necessária.

Os dois comerciais que estão no livro dos 100 Melhores (Valisère e Folha) têm, cada um, 60 segundos de duração. E o melhor e mais reconhecido comercial brasileiro de todos os tempos (só não está no livro dos 100 Melhores porque foi criado já nos anos 2000), o filme A Semana, da revista Época, o único comercial brasileiro a ganhar simultaneamente o Leão de Ouro em Cannes e o Grand Prix do Clio, tem 180 segundos.

Mais do que reconhecidos e premiados, esses três comerciais foram fenômenos de mercado, cumpriram suas funções principais de promoção de vendas e construção de imagem e atingiram uma ambição ainda mais nobre, que é entrar para a cultura popular do país onde foram feitos. Mas suas secundagens maiores que as habituais – e, no caso, necessárias – não significam uma obrigatoriedade para que possamos criar e produzir comerciais fora de série.

A propaganda brasileira e mundial, nos seus melhores momentos, já fez verdadeiras obras-primas em 30, 15 ou até mesmo 10 segundos.

Não é o comercial que precisa ser grande; é a idéia que tem de ser gigantesca.

Quanto às grades de programação e suas disciplinas, nada contra. Tudo a favor. São projetos assim profissionais, como os da Rede Globo e da Editora Abril (só para citar dois), que garantiram uma mídia brasileira independente e responsável, que gera resultados para os anunciantes e possibilita a feitura de uma publicidade da mais alta qualidade.

Compreendo que a publicidade argentina ou de outros países se utilize da indisciplina comercial dos seus veículos, das adoráveis novidades, como o YouTube, e do deslumbramento de alguns para parecer mais inventiva e talentosa. Mas é uma inventividade por enquanto só reconhecida durante as semanas dos festivais, não na vida real.

Qualquer um que passar dois ou três dias em Buenos Aires acompanhando toda a mídia veiculada (vale qualquer tipo de veículo) pode constatar isso. Não estou afirmando que a publicidade argentina não tem melhorado. Tem e muito. Particularmente na mídia eletrônica, na qual as condições de produção argentinas sempre foram e continuam sendo muito boas.

Muitos não sabem, mas a Argentina chegou a ter nos anos 60 do século passado o maior laboratório cinematográfico do mundo. E sua escola de cinema é, indiscutivelmente, talentosa. Particularmente do ponto de vista da forma. Neste momento, quando a publicidade mundial burramente valoriza a forma em detrimento do conteúdo, isso trabalha ingenuamente a favor.

Somando-se a esse fato a presença de alguns novos e interessantes talentos criativos, a coisa vai melhor ainda. Tudo muito bom e muito respeitável. Mas com o discurso e a análise errados.

Pensar que a melhoria da publicidade argentina se deva à desorganização econômico-financeira da atividade e que esse seja o caminho para o futuro é, no mínimo, ingênuo e, muitas vezes, oportunista e mal-intencionado. Pensar que a forma deve substituir o conteúdo na publicidade é simplesmente amadorístico.

A grande questão da publicidade no Brasil, na Argentina e no mundo inteiro é a revalorização da grande idéia, o aproveitamento pertinente das atuais boas condições de produção e a criação de caminhos consistentes para que esse trabalho seja reconhecido e bem remunerado.

Os comissionamentos das agências têm sido cada vez mais colocados em xeque (com ou sem razão) – mas substitutos verdadeiramente justos para ambas as partes (agências e anunciantes) não têm surgido.

Novos formatos de agência são propostos e discutidos, mas a maioria deles embute a idéia de trabalhar de graça ou por uma visibilidade momentânea que possa gerar algum negócio futuro.

Por outro lado, ciclicamente surgem modismos ou tendências (palavra inventada para emprestar dignidade ao gesto da imitação) no negócio da publicidade.

Hoje, por exemplo, fala-se muito das hot-shops (agência enxuta, focada na criação) como uma tendência. Agências como a holandesa StrawberryFrog, a inglesa Mother e as argentinas Santo, Madre e El Cielo são citadas como exemplos revolucionários.

Falta de informação novamente: a tal história das hot-shops é antiga. Foi moda no início dos anos 1970, e uma agência nesses moldes, tendo inclusive o nome Hot-Shop, chegou a ser montada no Brasil e foi dirigida pelo magnífico diretor de arte Pierre Rousselet. Infelizmente, não vingou. Assim como foi moda na publicidade mundial o papo das megaagências, discurso baseado em vantagens financeiras, idealizado por Martin Sorrel e ancorado pelos irmãos Saatchi, que dominou parte da mídia que cobriu a publicidade mundial nos anos 1980.

Esses são apenas dois exemplos; existem muitos outros, mas a verdade é que, aconteça o que acontecer, sejam quais forem os formatos das agências, as necessidades dos anunciantes e as alternativas de mídia, o que vai continuar prevalecendo no negócio da comunicação é a presença da grande idéia.

Nós, brasileiros, se recuperarmos a nossa identidade (a melhor maneira de ser absolutamente internacional é ser totalmente local), recuperaremos a nossa auto-estima.

Assim como os nossos hermanos argentinos vão crescer e muito, principalmente quando perceberem que precisam transformar seu bom trabalho em bom negócio. Para agências e anunciantes. Torço pra que isso aconteça e não vejo motivos para pensar diferente.

Nossas identidades (brasileiros e argentinos), se de um lado se contrastam, de outro se completam. E nossas opiniões sobre nós mesmos às vezes até se parecem.

Tenho o exemplo vivo disso dentro da minha casa, em duas camisetas que estão enquadradas e penduradas com o maior carinho nas paredes do meu escritório.

Uma da Seleção Brasileira, que ganhei do Pelé no final dos anos 1970, com a dedicatória “Para o 10 da publicidade, do 10 do futebol”. E a outra da Seleção Argentina, que ganhei do Maradona em 1996, com a dedicatória “Para el diez de la publicidad, del diez del fútbol”.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.