Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três

Todo leilão de gado que se preze começa com atraso por um simples motivo: é preciso deixar os eventuais compradores um pouco mais soltinhos para fazer apostas, digamos, irreverentes. Não podia ser diferente com É o Amor, o primeiro evento do gênero organizado em nome de Zezé di Camargo e seus amigos, voltado para a venda de exemplares nelore – não propriamente os animais, e sim para as carcaças, o sêmen, o peso. Quem faz lance nesse leilão não leva uma vaca para casa, mas vira sócio do cantor sertanejo. Por volta das 21 horas de uma terça-feira do mês passado, os convidados foram chegando ao Citibank Hall, em São Paulo, conforme pedia o convite. A eles eram oferecidos doses de uísque Chivas 12 anos, taças de prosecco Salton ou vinho 33 e cerveja. Copo vazio era item raro, raríssimo.

Já passava das 22 horas, quando Disparada, na voz de Jair Rodrigues – “Prepare o seu coração, pras coisas que eu vou contar, eu venho lá do sertão…” -, invadiu por instantes o grande salão. Cerca de 800 pessoas, então, se ajeitaram em suas cadeiras. A música, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, vencedora com A Banda, de Chico Buarque, do segundo Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, na TV Record, continua na liderança entre os boiadeiros. Ela indica, em todo leilão de gado (e só de gado), que o show, finalmente, vai começar.
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Antes mesmo do início do desfile dos animais, o aroma do lugar parecia desconhecido. Mas logo foi possível identificar o que se sentia no ar: uma mistura de perfumes importados com toques de estrume. Pudera. De um lado, o lugar reunia a nata da sociedade goiana, mato-grossense e do interior paulista. Do outro, 25 fêmeas e prenhezes orgulhosas de seus chifres, à espera de homens e mulheres que assumissem alguns milhares de reais mensais para basicamente cuidar de suas dietas e de uma beleza de alta rentabilidade.

Havia uma promessa de que alguns famosos apareceriam por lá para endossar o investimento de Zezé di Camargo, cantor e compositor goiano, que há 18 anos também é criador de gado nelore e estava ali em busca de sócios. “O investimento é muito alto”, justificou ele, tendo sempre um segurança a seu lado. Passaram por lá o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o vice-governador de Goiás, José Eliton, o meia santista Elano, a atleta Maurren Maggi, e os apresentadores Cesar Filho e Otávio Mesquita.

A lista, porém, era enorme e incluía nomes literalmente de peso, como o ex-jogador e hoje empresário Ronaldo, no centro de uma polêmica envolvendo o seu amigo e sócio Marcus Buaiz, marido de Wanessa Camargo, e o apresentador e comediante Rafinha Bastos. Rápido flashback: Rafinha disse, ao vivo na Band, que comeria a cantora e o filho que ela espera. Marcus e Ronaldo não gostaram da piada e, seja como for, o comediante politicamente incorreto acabou pedindo demissão da televisão. A isca perfeita para atrair jornalistas de vários quilates que, a cada aparição surpresa, se acotovelam por uma imagem. “Parece que um Porsche estacionou. Deve ser o Ronaldo”, era o burburinho da vez. Mas não, não era. Era mais um fazendeiro.

Nenhum dos repórteres parecia estar, de fato, interessado nas vacas. Nem elas neles, que só queriam ruminar e fazer coco no mesmo palco onde, em dias mais gloriosos, já pisaram estrelas descalças, como Vanessa da Mata e Maria Bethânia. Por mais que as primeiras-damas da pecuária quisessem se exibir em seus vestidos justos de renda ou strass combinando com sapatos também de renda, a atenção dos fotógrafos estava em outro lugar. “Essa é modelo e atriz. Olha só como posa bem para uma câmera”, insistia o tratador Misael Góes Souza sobre Alcânfora, 7 anos, a número 1 em avaliação de carcaça e de propriedade do cantor Leonardo. “Can! Can!“, pedia ele ao animal para que ela olhasse para a lente. Ele não resistiu: “Posso tirar uma foto com ela? Viu como posa?”. Sim, pode Misael.

Enquanto o tratador queria aparecer, alguns neloristas pediam discrição. “Ah, por favor, não quero tirar fotos. Meu marido é que é sócio do Zezé”, esquivou-se Alzira da Fonseca, mulher de Eurípedes Barsanulfo da Fonseca. Ela também não queria conversa quando o assunto esbarrava na quantidade do rebanho. Aliás, a resposta padrão para esse tipo de pergunta era a seguinte: “Isso não importa. O relevante é o peso, o sêmen, a carcaça”. Hélio Correa Assunção respondeu assim quando questionado sobre números, mas pediu para enfatizar que ele é um dos poucos criadores de nelores pintados. “Além de carne e leite, eles dão tapetes muito bonitos.” Segundo ele, são mais bonitos e raros. Ainda frisa que leilão de nelore é tudo igual, mas que de pintados só ele realiza. Todo ano, em Bela Vista (Mato Grosso do Sul).

Não é muito difícil entender por que o gado nelore gera tanto amor nas pessoas. “A raça oferece maior liquidez e glamour”, explicou o criador Gustavo Lombardi. O que seria esse glamour? “Algo que não é tangível”, encerrou a conversa. Zezé di Camargo, usando seu indefectível par de botas de píton, foi além e disse que as vacas são tratadas “a pão de ló”. “Você sabe, animal bem tratado responde melhor que homem. É uma paixão. Eu nem sabia que eles podiam envolver negócios tão altos.”

Lilian Bianchi, fazendeira de Nova Granada, interior de São Paulo, é tão apaixonada por vacas nelore que arriscou dizer que, se não fossem naturais da Índia, poderia fácil dizer que é uma raça brasileira, de tanto que os animais deram certo por aqui. Ela concordou, porém, com Zezé di Camargo sobre os custos. “Só para trazê-los da fazenda para um evento como este são necessários, no mínimo, três caminhões. Um só para o feno”, completou.

O evento seguiu com vacas e lances. Os apresentadores exaltados, como qualquer leiloeiro, uma hora, anunciaram prêmios para os empresários presentes, como Ivan Zurita, presidente da Nestlé Brasil e da Agrozurita, que, além de levar para casa um par de botas feito com pele de avestruz e couro de crocodilo, deu o maior lance da noite: R$ 440 mil. Ao final, um susto dos bons para o cantor sertanejo Zezé di Camargo. Ele esperava que o evento, um dos 500 anuais da raça, rendesse, mas não tanto. Previa R$ 3 milhões. Faturou R$ 5 milhões. Para celebrar, enquanto as vacas desfilavam com ar entediado, as celebridades neloristas saboreavam, entre outros pratos, escondido de filé mignon com mousseline de batatas.


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