A intenção do diretor Richard Brooks (1912-1992) ao filmar “Sementes da Violência” (1955) era das melhores. Queria tratar com seriedade e responsabilidade um grave problema que a imprensa americana lidava com sensacionalismo: a delinqüência juvenil nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Para psiquiatras como Gerson Legman e Fredric Wertham, os culpados pela criminalidade de menores e a dificuldade em estabelecer limites para eles eram o cinema e as revistas em quadrinhos que, supostamente, faziam apologia ao crime. O filme causou polêmica porque Brooks, ao adaptar o romance de Evan Hunter, focou a causa em outro problema: as crianças que cresceram sem a autoridade dos pais, mortos ou ausentes por muitos anos devido ao conflito.
O longa-metragem trazia outro elemento inesperadamente explosivo: o rock and roll. Começava e terminava ao som de “Rock Around The Clock”, de Bill Halley and His Comets – em parte, a má reputação do gênero veio do filme. No Brasil, “Sementes da Violência” provocou uma reação curiosa: quebradeiras em salas de cinema de todo país, por adolescentes impressionados com o grau de rebeldia e agressividade dos personagens e por causa da música. “Aquilo (o rock) deu um nó em nossa cabeça”, contou Tom Zé, em entrevista ao autor deste texto, para a “Revista da Bahia”, em 1999. Tanto que lhe deu vontade de fazer suas primeiras composições. Não foi diferente em sua cidade, Irará, interior da Bahia, onde várias cadeiras foram destruídas pela garotada. Em Salvador, em 1956, na primeira exibição do filme, no Cine Guarani, Raul Seixas, que estava na platéia, ficou tão ensandecido ao ponto de vandalizar o cinema com seus amigos – notícias de episódios assim correram o país e estimularam gestos semelhantes.
Na ousada trama para a década de 1950, Richard Dadier (Glenn Ford em um desempenho inesquecível, digna de Oscar) é um veterano de guerra expulso do exército e recém-contratado pela escola North Manual, no subúrbio de Nova Iorque (EUA), para ensinar inglês. Idealista, encara bravamente as gangues que dominam a instituição e ameaçam as mulheres que lá trabalham – a tentativa de estupro de uma delas na biblioteca é chocante. Ele pensa em desistir várias vezes, mas segue em frente, mesmo com o desinteresse dos colegas, que chamam os estudantes de animais. Um dos maiores problemas do mestre é lidar com o jovem irlandês Artie West (Vic Morrow), líder dos rebeldes envolvido com bebedeiras e roubo de automóveis – que inclui carros de distribuição de jornais, que ele vende em um esquema criminoso. Dadier prova que, mesmo pagando um alto preço, a responsabilidade de educar fala mais alto, até mesmo quando sua esposa grávida é aterrorizada por West.
O drama, de produção barata, todo feito em estúdio, foi muito discutido também ao retratar um período de políticas de inclusão de grupos marginalizados, como negros e latino-americanos. Deixa claro que criminosos estão em todas as classes sociais e raças e devem ser punidos por seus atos. Mas havia outro tema a ser enfocado com veemência. Meses antes de seu lançamento, saiu um livro que causou um terremoto nos Estados Unidos: “The Seduction of The Innocent”, em que Fredric Wertham apresentava escabrosos casos de menores assassinos atendidos por ele em sua clínica na cidade de Nova York, cujas causas eram as revistas em quadrinhos. Apesar do questionamento sobre a tese feito por alguns colegas renomados de Wertham, o efeito de seu estudo se revelou desastroso para o mercado americano de quadrinhos e, depois, para os gibis em todo o mundo.
Enquanto o autor dava entrevistas a jornais e programas de TV, sociedades e associações de donas de casa demonstraram impressionante capacidade de mobilização contra os comics. Imediatamente promoveram discussões públicas que tentaram elucidar as mensagens subliminares denunciadas pelo conceituado psiquiatra. Com a pressão da mídia, organizaram boicotes a bancas, supermercados e lojas de conveniência que vendiam comics. Muitas escreveram milhares de cartas para pressionar políticos e autoridades a tomarem alguma atitude contra os editores de comics.
Ao mesmo tempo, os pequenos diários, de alcance restrito, dirigidos à família americana, publicaram exaustivamente, durante todo o primeiro semestre de 1954, vários artigos sobre o problema. A cruzada, enfim, estabeleceu-se em praça pública. Os jornais americanos passaram a publicar fotos de manifestações de mães que transformaram em rotina a queima de milhões de revistas em quadrinhos em fogueiras pelas ruas, praças, pátios de escolas e fundos de quintal. A destruição dos gibis pelo fogo quase sempre era assistida por uma plateia atônita, formada por crianças e adolescentes obrigados pelos pais a acompanharem a destruição de suas coleções como forma de aprenderem a “lição”.
Por fim, o Congresso americano decidiu adotar uma postura mais rígida sobre o assunto. Na verdade, o livro de Wertham reacendeu uma discussão que havia feito algum barulho até o ano anterior, 1953. Desde 1950, os senadores estavam de olhos nos editores de quadrinhos por causa de seus artigos. Chegaram a criar uma subcomissão para investigar o aumento da delinqüência juvenil nos EUA e falou-se em averiguar se o fenômeno tinha algo a ver com o consumo de quadrinhos. Sem resultados práticos, a subcomissão foi deixada de lado até ser reativada em 1o de junho de 1953. Quando o livro de Wertham saiu, a averiguação avançara pouco. Com a pressão provocada pelas denúncias do psiquiatra, os senadores se viram obrigados a acelerar o processo, além de agir com mais rigor, colocando os comics à frente do problema.
“Sementes da Violência” chega a citar os quadrinhos positivamente, como um meio interessante de atrair o interesse dos adolescentes para a educação escolar. O filme não envelheceu. Apesar do tom de cartilha em alguns momentos, como no longo alerta feito no início por um narrador sobre os males que afetavam os jovens, a história continua vigorosa. Quem rouba a cena é Sidney Poitier, que faz um líder rebelde que acaba por se redimir – no filme, ele tem convincentes 17 anos, na vida real, 28. Doze anos depois, ele faria um filme semelhante, uma espécie de continuação, “Ao Mestre com Carinho”, em que interpreta um professor – dessa vez, numa história mais doce e redentora num subúrbio pobre de Londres.
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