E a crise chegou: urubuzada em festa

Eu não falei? Não faz tempo que eu estou avisando? Viu como eu tinha razão?

Fico imaginando a alegria no poleiro dos urubus com o noticiário dos jornais de domingo, mostrando com fatos e números que a crise chegou, finalmente, causando estragos por aqui: em dezembro, os trabalhadores da indústria paulista perderam entre 100 mil e 120 mil vagas com carteira assinada, segundo a pesquisa de nível de emprego da Fiesp.

Lembrei-me da figura de um velho sitiante em Porangaba, profeta de mau agouro, anunciando as desgraças enquanto pitava um cigarro de palha no alpendre da sua casa.

Vai cair um toró de derrubar galpão! Olha a nuvem preta chegando! Vai dar enchente, recolhe os animais!

Ou então, se o céu estava limpo:

Este ano vai dar uma seca brava! É melhor nem fazer lavoura! Vai queimar todo o pasto!

Bem, como ele sempre anunciava as mesmas coisas, de vez em quando acertava. Ou caia um temporal ou a estiagem se prolongava no inverno.

E ele não perdoava:

Eu não avisei?

É mais ou menos o que acontece quando surge uma crise no horizonte. O ritual segue sempre o mesmo roteiro. Primeiro o noticiário é dominado por previsões sombrias, antecipando e maximizando problemas que podem acontecer. Depois, líderes empresariais correm ao governo para pedir dinheiro barato e redução de taxas e impostos, enquanto propõem redução de salários aos trabalhadores, com suspensão temporária de direitos.

Não foi diferente desta vez. Claro que não se trata de singela marolinha como o presidente Lula gracejou diante dos primeiros sinais de uma grave crise econômica derretendo os mercados, que teve epicentro nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo. Mas também não chegou por aqui ainda o tsunami que abalou a economia dos países mais ricos, quebrando bancos e empresas.

De acordo com estudo feito pela OCDE em 35 países, o Brasil ainda é o país que melhor tem resistido à crise e onde os efeitos foram menos graves. O governo tomou uma série de medidas para desonerar a produção e esta semana tem encontro maracado com as centrais sindicais para defender o mais importante: os empregos.

Enquanto em outros países mais desenvolvidos discute-se o tamanho da recessão, por aqui ninguém fala em crescimento negativo, mas qual deve ser a taxa de crescimento em 2009, variando entre 2 e 4% – bem abaixo do PIB registrado nos últimos anos, mas ainda assim positivo.

Não cabe ao presidente da República alarmar a população além da conta nem vender ilusões baratas, mas não se pode esperar do governo outra atitude a não ser se empenhar o tempo todo para manter a roda girando e cumprir a sua parte – única forma de se contrapor à urubuzada formada por analistas, colunistas e líderes empresariais, que ficam no alpendre das casas grandes só anunciando desgraças, que acabam se auto-realizando.

Só num ponto, governo e oposição, empresários e trabalhadores, urubus e gaivotas, estão todos de acordo: já passou da hora do Banco Central promover uma vigorosa queda dos juros, pois a inflação está em queda e a cada dia surgem novos sinais de desaceleração em diferentes setores da economia.

Não pode passar desta quarta-feira, quando o Copom se reune pela primeira vez, desde 1996, quando foi criado, para definir a taxa de juros sob forte pressão pela queda no nível de emprego com a infação em declínio.

O vice-presidente, meu valente amigo José Alencar, que vem pregando no deserto ao pedir a redução da taxa de juros desde o início do governo, desta vez provavelmente poderá sentar no alpendre de uma das suas fazendas e comemorar:

Eu não avisei?

Em tempo: acabei de ler agora na manchete do iG que, em todo o país, o número de empregos perdidos em dezembro foi de exatos 654.946 postos de trabalho com carteira assinada. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho (Caged) este é o pior resultado da série histórica que começou em 1999.

Apesar do resultado negativo nos últimos dois meses do ano, o saldo foi positivo em 2008, com a criação de 1.452.204 vagas.

De 2003 a 2008, foram criados 7.790.972 novos empegos com carteira assinada.


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