A incrível oportunidade que os festivais de cinema oferecem – trazer obras que dificilmente entrariam em circuito – é o maior trunfo desse tipo de evento. A Mostra de Tiradentes traz um sabor especial a essa característica ao contemplar apenas filmes brasileiros, que (infelizmente) sofrem mais ainda no quesito “distribuição”, o que faz com que algumas produções fiquem realmente restritas ao circuito de festivais.
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Outro ponto a se destacar na Mostra é a grande atenção dada aos curtas-metragens, de espaço pouquíssimo privilegiado nas salas de cinema, e aos novos realizadores, constituindo-se assim numa grande vitrine para quem ainda engatinha no mundo da sétima arte. Os últimos dias em Tiradentes foram mais voltados para os filmes que procuram de alguma maneira seu lugar ao sol. No domingo (24), dia em que a programação ainda contemplou grandes pré-estreias e debates, a sessão de curtas não desanimou e lotou a sala.
Recheados de gente também estavam os debates sobre os filmes exibidos no dia anterior, sábado (23), sobre os filmes Os inquilinos e Cabeça a prêmio. Sérgio Bianchi, diretor de Os inquilinos, é o único cineasta presente na programação com mais de três longas no currículo, o que comprova a constante renovação do cinema brasileiro. Acompanhado da roteirista Beatriz Bracher, do crítico e acadêmico João Luiz Vieira e do mediador Francisco César Filho, Bianchi deixou de lado o ligeiro mau humor para conversar agradavelmente com o público. A discussão sobre o roteiro do filme foi o que chamou mais a atenção, já que a trama foi baseada em um conto de Vagner Geovani Ferrer, aluno de um supletivo de periferia onde Beatriz dava aulas. Aliás, a maturidade alcançada por Bianchi neste filme com relação aos outros se deve principalmente ao roteiro (ou a Beatriz), que trouxe um pouco de humanidade às produções anteriores do diretor, fartas em pessimismo.
A sala continuou cheia com a conversa sobre a estreia do ator Marco Ricca na direção, Cabeça a prêmio. O “jovem” cineasta, perfeitamente confortável, não deixou a peteca cair em nenhum momento, e tirou risos da plateia com seu carisma. Ele contou que resolveu se aventurar como diretor após perceber que havia se tornado um ator chato, que queria meter o bedelho em tudo o que fazia, além de confessar que prefere continuar na carreira da atuação. Marçal Aquino (autor do livro no qual se apoia o filme), Beto Brant (diretor parceiro de Ricca em outras produções, inclusive em adaptações de Marçal) e a escolha dos atores famosos para estrelarem o longa pontuaram o debate, que foi seguido por mais uma sessão de curtas, por um espetáculo teatral na praça da cidade conduzido pela Trupe Circo, e pelo encerramento da homenagem a Karim Aïnouz, com o filme O céu de Suely (2006).
Pela noite, o gaúcho Gustavo Spolidoro – famoso pelo primeiro (e até agora único) longa do Brasil rodado sem cortes, Ainda orangotangos (2007) – apresentou o cotidiano de um adolescente no interior do Rio Grande do Sul no documentário Morro do Céu. Bruno Storti, o tímido protagonista do filme, estava acompanhando o diretor. Um tanto perturbador, o esperado Natimorto veio na sequência, e contou com a presença de Lourenço Mutarelli para apresentá-lo, já que o diretor Paulo Machline não pôde comparecer. Mutarelli, velho conhecido dos quadrinhos e mais recentemente do cinema com a adaptação de O cheiro do ralo (Heitor Dhalia, 2006), é autor do livro de mesmo nome que inspirou o filme, e também atua no papel principal, ao lado de Simone Spoladore. Pela primeira vez, a chuva deu uma trégua para o Cine-Praça, onde a exibição do documentário Mamonas pra sempre, de Cláudio Kahns, foi assistido e aclamado por mais de duas mil pessoas. Os famosos e os duendes da morte, de Esmir Filho, grande vencedor do Festival do Rio do ano passado, fechou o fim de semana com muita delicadeza ao abordar (mais uma vez no dia) a juventude contemporânea, a qual foi captada perfeitamente pelo diretor.
A segunda-feira (25) começou com chuva e a cidade mais vazia. Abrindo as atividades, reuniu-se o Fórum dos Festivais, entidade que representa os mais de 200 festivais de cinema que se realizam anualmente no Brasil. Fazendo um balanço de seus dez anos de atividade e traçando metas futuras, o fórum sublinhou 2010 como um ano promissor, que já começa com parcerias e convites firmados em Tiradentes, ao contrário do complicado ano de 2009, marcado por dificuldades diversas, como as relacionadas aos editais.
O bate-papo sobre Natimorto não podia ter sido diferente com a presença do descolado Lourenço Mutarelli, que começou o debate chamando o ator Matheus Nachtergaele de Matheus Mastercard, devido à impossibilidade de pronunciar seu nome. A defesa do personagem pelo autor que o encarna guiou a conversa, onde o crítico Ricardo Calil teve uma brilhante participação, chegando a ouvir reclamações bem humoradas de Mutarelli, o qual comentou que odiava ser desmascarado.
Três sessões de curtas preencheram o dia, trazendo produções de todos os cantos do Brasil e de diversas temáticas e estéticas: filmes experimentais, ficções, documentários. Os destaques ficaram por conta do doce Sweet Karolynne (Ana Bárbara Ramos) – que traz a história verdadeira e insólita da menina que cria galinhas e galos como bichinhos de estimação e depois não se importa que a mãe os mate para o almoço, além de seu inusitado pai cover de Elvis Presley (absolutamente imperdível!) – e O divino, de repente (Fábio Yamaji), com a legenda em animação dos repentes de Divino. Porém, a grande atração do dia ficou com o longa Terras, de Maya Da-Rin, o qual deu início à Mostra Aurora, que ganha grande ênfase do festival apresentando o primeiro longa-metragem de jovens realizadores.
No dia seguinte, Maya Da-Rin falou sobre seu filme em um debate que contou com a hábil análise do crítico e cineasta Eduardo Valente da discussão que envolve o filme: a fronteira entre Brasil-Peru-Colômbia e suas implicações para as pessoas que ali vivem – um belo debut para Maya. Os curtas do dia anterior também ganharam um seminário, que encheu o palco de diretores que falaram de suas criações. Pela tarde, a Associação Brasileira de Preservação do Audiovisual (ABPA) se reuniu para discutir seus rumos pela primeira vez fora de Ouro Preto, cidade onde foi criada, legitimando mais ainda a sua atuação na luta pela restauração e salvaguarda dos filmes brasileiros. Os curtas mais uma vez tomaram a programação, cedendo espaço no fim do dia para mais um filme da mostra Aurora: Estrada para Ythaca, feito em oito mãos por Guto Parente, Pedro Diógenes, Luiz Pretti e Ricardo Pretti, que são também os personagens principais do longa.
Assim, Tiradentes continua incensada de cinema pela semana, dando o ensejo para tudo e todos verem e serem vistos – alguns, em caráter exclusivo e único.
Visite o site da Mostra e confira a programação: www.mostratiradentes.com.br
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