É a política, Dilma!

Ao completar 15 meses no cargo, com a economia estável e conquistas na área social, é na articulação política que a presidente Dilma Rousseff enfrenta o grande desafio do seu governo: como conciliar os interesses do País com os apetites de sua imensa base aliada, sem criar uma crise política permanente? O presidencialismo de coalizão do toma lá dá cá inaugurado por José Sarney, primeiro presidente civil após o golpe de 1964, está com o prazo de validade vencido. Com amplo apoio popular, Dilma tem a faca e o queijo na mão para dar uma cara própria a seu governo e inaugurar um novo ciclo político.

Charge de Paulo Caruso

“Nós só não podemos errar na política”, repetia o ex-presidente Lula a seus principais colaboradores nos dias que antecederam a primeira posse, em janeiro de 2003. Então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, que nem sonhava em suceder Lula oito anos depois, deve ter ouvido muitas vezes essa recomendação.

O País vivia uma profunda crise econômica e social, desacreditado lá fora e com infindáveis problemas internos, demandas seculares na área social que simplesmente não podiam ser atendidas todas ao mesmo tempo. Ao receber a faixa presidencial de Lula, em janeiro do ano passado, Dilma herdou um País completamente diferente, mais forte e mais justo. O Brasil tinha passado de devedor a credor do FMI, iniciado o processo de distribuição de renda, tirado mais de 30 milhões de brasileiros da miséria, aumentado a renda dos trabalhadores e multiplicado os empregos, reconquistado a autoestima.

Só em um ponto o País não havia mudado: exatamente na política, causa de todas as crises, tanto do governo Lula como no governo Dilma. Depois de rejeitar uma aliança com o PMDB em seu primeiro mandato, a crise do mensalão levou o então presidente a montar essa oceânica base aliada que Dilma herdou e está na raiz dos problemas que a presidente enfrenta agora. Sabemos que é muito difícil governar o Brasil sem o PMDB e é quase impossível governar com ele. Que fazer?

Como nenhum partido reúne condições de governar o Brasil sozinho, é evidente que qualquer governo precisa montar alianças para se eleger e construir maioria no Congresso Nacional. O problema é que não dá mais, em nome da governabilidade, para utilizar os mesmos métodos do varejão de cargos e verbas, causa principal de todos os escândalos passados, presentes – e, se nada for feito, futuros.
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Dilma parecia mais cansada e preocupada que propriamente feliz na noite da sua vitória, em outubro de 2010, quando chegou sozinha ao Palácio da Alvorada, já tarde da noite, para a confraternização com a família e os convidados de Lula, entre eles os líderes e presidentes dos principais partidos aliados. A certa altura, eles formaram uma roda em torno da presidente eleita e ouviram de Lula: “A partir de agora, vocês se entendam com a presidente Dilma”. Pela cara que fez, Dilma sabia bem o que a esperava no governo.
Com certeza, a realidade mostrou-se para Dilma ainda mais madrasta do que poderia imaginar. Passou seu primeiro ano de mandato administrando uma crise política atrás da outra, demitindo e nomeando ministros em série, um processo que até hoje não terminou. O primeiro deles, por ironia do destino, acabou sendo Antonio Palocci, ministro-chefe da Casa Civil, que era considerado o pau da barraca da sustentação política do governo Dilma. Em seu lugar, Dilma escalou a dupla Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti, que até hoje não deram conta do recado e vivem dando trombadas com parlamentares, líderes governistas e outros ministros.

Em certos momentos mais delicados, Dilma teve de improvisar no papel de bombeiro e articulador político, o secretário-geral Gilberto Carvalho, que faz o meio de campo do governo com o antecessor Lula e os movimentos sociais, mas ele também acabou não dando conta da tarefa, e sumiu do cenário. O que Dilma não poderia prever em seus piores pesadelos era ficar sem a retaguarda de Lula, fora de combate desde o final de outubro do ano passado, em tratamento de um câncer na laringe. Mesmo longe do Palácio do Planalto, Lula continuava fazendo o meio de campo com os aliados, ouvindo suas queixas e dando tempo para Dilma encontrar soluções.

Sem ele, a presidente não suportou a pressão vinda de todos os lados. Na cerimônia de troca de ministros do Ministério da Pesca, no começo de março, acabou não segurando o choro no meio do discurso. Nada a ver com quem entrava ou saía do cargo: na véspera, ela estivera três horas com Lula em São Bernardo do Campo e certamente ficara sensibilizada ao encontrar o companheiro mais magro e ainda com dificuldades para falar, consequência da radioterapia.

Os dois têm uma profunda relação de amizade e admiração mútua, tanto no campo político como no pessoal. Tocam de ouvido a mesma música, fazem tabelinhas sem um olhar para o outro, completam-se na articulação do projeto político implantado em 2003. Estão plenamente de acordo sobre as causas das atuais dificuldades no Congresso Nacional e o que é preciso fazer daqui para a frente.

“O momento é de transformação. O País vive uma nova realidade econômica e social. Por isso, é fundamental a renovação e a instituição de novos métodos e práticas políticas.” Quem disse isso, Lula ou Dilma? Segundo o relato do novo líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), foi o ex-presidente, durante sua visita a Lula no Hospital Sírio-Libanês, mas poderia perfeitamente ter sido Dilma, a julgar pelas atitudes que vem tomando nestes primeiros dias de outono.

Na mesma linha, em 27 de outubro do ano passado, depois de mais uma crise ministerial, eu já propunha essa guinada em artigo publicado no blog Balaio do Kotscho (r7.com/rk), sob o título Dilma precisa inaugurar um novo ciclo político: “É enorme, eu sei, o desafio colocado para a presidente Dilma Rousseff, que nunca sonhou em ser presidente, mas os últimos dias, semanas e meses demonstraram à exaustão que não é possível eternizar esse sistema político viciado, emendando uma crise na outra. Não há escolha: é mudar ou mudar e dar início a um novo ciclo político. Quem pode dar o sinal e o exemplo é a presidente da República”.

Com tantas mudanças positivas na economia e na área social, como pregava Lula nove anos atrás, agora só não podemos errar mais na política.

*Ricardo Kotscho é jornalista desde 1964. Atuou em diversos veículos da imprensa brasileira e foi secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República no Governo Lula, entre 2003 e 2004. É autor de 19 livros, entre eles, A Prática da Reportagem (Editora Ática) e Do Golpe ao Planalto – uma vida de repórter (Cia. Das Letras). É repórter especial da Brasileiros.


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