ELA NÃO DISSE
Segundo Maria Helena Alvim, A fofa “Gosto das cores, das flores, das estrelas, do verde das árvores, gosto de observar. A beleza da vida se esconde por ali, e por mais uma infinidade de lugares, basta saber e, principalmente, basta querer enxergar.” (Anônimo) A edificante “Cuide-se como se você fosse de ouro. Ponha-se você mesma de vez em quando numa redoma e poupe-se.” (Anônimo) Com motivos “Eu gosto do impossível, tenho medo do provável, dou risada do ridículo e choro porque tenho vontade, mas nem sempre tenho motivos!” A importada “Qualquer pessoa pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para incluir os espinhos.” Traduzido da frase: “Anyone can love a rose it takes a great heart to include the thorns”. (Anônimo) A brega “Todos os dias, quando acordo, vou correndo tirar a poeira da palavra ‘amor’.” (Anônimo) As irônicas “Clarice Lispector disse: |
Não adianta reclamar, subir nas tamancas. As frases de autoajuda tomaram de assalto as redes sociais e vai ser assim. Para sempre. É uma necessidade, parece. E que mal há nisso? De nada vale ameaçar de bloqueio quem o posta porque, no fim, acabará sozinho, sem amigos. Ou recorre a autoanálise e aprende a conviver com essa realidade virtual ou faz como a redatora publicitária Maria Helena Alvim, de São Paulo, que criou no Facebook a bem-humorada página Clarice Não Disse. Apaixonada por literatura e conhecedora da obra de Clarice Lispector (1920-1977), ela percebeu que muitas das citações filosóficas e de autoajuda atribuídas à escritora não tinham sido criadas por ela – ao lado de Arnaldo Jabor e Luis Fernando Veríssimo, Clarice é campeã em textos apócrifos.
Maria Helena explica que a ideia nasceu da quantidade diária de mensagens “absurdamente” atribuídas a ela. “Não precisa nem conhecer profundamente a obra. É só ter lido alguma coisa para perceber que certas citações não são de seu estilo.” Ela diz na descrição da página: “Foi fofo? Foi claro? Foi fácil de entender? Clarice não disse”. Porque Clarice não é mesmo fácil de entender, é preciso ressaltar. “Mais fácil encontrar mais perguntas do que respostas nos textos dela. E um dia me veio esse nome e me deu vontade de criar a página. E a coisa acabou rendendo.” De agosto de 2012, quando estreou, até o final de abril deste ano, já eram mais de 17 mil pessoas curtindo.
A página surgiu, conta ela, como um “identificador de sandices”. Mas foi se transformando também em uma página de humor. “Principalmente humor literário.” E criou público assim. “Hoje, tudo que Clarice não disse pode ser assunto da página. E quanto mais absurdo, mais engraçado fica. Ainda mais com a foto do perfil, com aquela cara de ‘não achei graça’ que ela tinha.”
A redatora identificou vários “estilos” clariceanos. A escritora supostamente escreveu autoajuda, disse frases da sabedoria popular. “É também muito usada para valorizar textos de autores não tão consagrados.” Até a Fiat caiu em uma dessas falsas atribuições, pagando aos herdeiros os direitos por um texto que, na verdade, era de outro autor. Maria Helena se refere ao processo que Edson Marques abriu contra a agência Leo Burnett e a Fiat, por terem feito um comercial com seu poema Mude, atribuído a Clarice Lispector. Até um filho da escritora, Paulo Gurgel Valente, “acreditou” e recebeu US$ 40 mil em direitos autorais.
Não faltam mensagens de incentivo pela iniciativa da redatora. Como a da leitora Francis Bragança dos Anjos, que deixou esse recado no seu mural: “Fico muito feliz em poder curtir essa página, pois ela reflete a minha surpresa cada vez que via estampado seu nome, em palavras que ela jamais pronunciaria! Parabéns pela iniciativa!”. O cartunista Pablo Carranza escreveu para mostrar um quadrinho que ele tinha feito sobre o assunto: na cena, Clarice levanta da tumba porque não aguenta mais ter textos de Pedro Bial atribuídos a ela. “Virei fã de Pablo e compartilho as coisas dele.”
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