É preciso inovar

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Não fossem as inovações
ocorridas nos últimos anos, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis jamais teria participado do seminário Inovação: Investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, realizado pela Seminários Brasileiros em outubro último. Nicolelis estava em Durham, na Carolina do Norte (EUA), mas conversou com o público em São Paulo. Professor da Duke University, ele, que já participou presencialmente de outros eventos promovidos pela editora, colaborou desta vez por meio de transmissão remota, via internet, diretamente do campus da universidade.

Nesse encontro, defendeu a im­portância de dois pilares imprescindíveis para consolidar o desenvolvimento da economia nacional: uma revolução na educação pública e um expressivo aumento nos investimentos em ciência e tecnologia. Sua defesa pela educação como agente transformador dos potenciais da sociedade é embasada em experiência pessoal: a criação do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra, em Natal (RN), que funciona na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e atende anualmente 1.500 jovens da rede pública, transformando a realidade desses estudantes. “Não se faz inovação, revolução tecnológica, sem antes realizar uma completa reorganização no ensino educacional.”

No entanto, afirmou, não basta só dinheiro. “Estudos comprovam que dinheiro não significa necessariamente melhor qualidade de ensino. Além de investimento, precisamos de recursos humanos e massa crítica para movimentar uma indústria do conhecimento autossuficiente e brasileira.”

Um dos nomes mais importantes da neurociência no mundo, Nicolelis está à frente também de outro projeto revolucionário. Walk Again (ou Andar de Novo) pretende devolver os movimentos a tetraplégicos, por meio do uso de um traje robótico, com conexões neurais, o exoesqueleto. As pesquisas envolvem mais de cem cientistas da Europa, EUA e Brasil. A meta é lançar o equipamento na abertura da Copa do Mundo do Brasil, em 2014.

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Durante o evento, falou ainda sobre a espionagem norte-americana e fez um alerta para as empresas nacionais de TI (Tecnologia da Informação): “Elas precisam ter satélites sob seu controle e backbones de internet próprios, que garantam a segurança dos dados”. Para Nicolelis, “nenhuma nação será soberana se os investimentos em ciência e tecnologia não forem considerados estratégicos para a economia”.

Antes de responder às perguntas da plateia, ele finalizou a palestra, reiterando sua crença no poder de transformação por meio da educação. “É preciso despertar nos jovens a paixão por tentar fazer algo impossível. Mesmo as crianças que vivem em condições de pobreza, se forem cativadas, vão aflorar e descobrir a ciência.”

Para avançar mais

Além de Nicolelis, o seminário contou com a participação de empresários, acadêmicos e profissionais ligados à área de ciência e tecnologia, e foi dividido em dois painéis: O Brasil como Polo Internacional de Pesquisa e Desenvolvimento e Investimentos: a Importância da Integração entre Universidade e Empresa.

Glauco Arbix, presidente da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), abriu o primeiro painel, destacando o “inegável avanço” do Brasil em inovação na última década, quando “projetos saíram do papel e obtiveram resultados concretos”, mas avisou que “muito ainda precisa ser feito para que o País possa utilizar todo o seu potencial de inovação”. Para ele, o obstáculo para o desenvolvimento pleno ainda é a desigualdade social, e o maior desafio, a produtividade. “Temos de desenvolver uma economia e uma sociedade movidas pela inovação.” Ele concordou com Nicolelis: para Arbix, a educação tem papel essencial, assim como investimentos em infraestrutura. “Precisamos ter visão de médio e longo prazos. O desafio é planejar e acelerar essa transição a partir de medidas concretas.” Sobre o papel do governo, avaliou: “Governar é fazer escolhas, ter foco, prioridades. Não dá para agradar a todos”.

Alberto Gadioli, diretor de Pesquisa & Desenvolvimento da 3M do Brasil, empresa com mais de 40 mil patentes, avisou: “Inovação não se faz da noite para o dia”. Para ele, o Brasil precisa pensar no longo prazo, e “a gestão da inovação é tão importante quanto a inovação em si”. Para o diretor, só inova quem tem pensamento não linear e espírito focado em quebrar paradigmas. “Inovação é quando alguém transforma uma ideia em algo real e gera valor para a empresa e a sociedade.” Mesma opinião teve Elso Alberti Jr., diretor de Planejamento do Parque Tecnológico de São José dos Campos. “Trabalhamos com a ideia de que inovação não existe se não se transformar em algo de valor e comercializável.”

O Parque Tecnológico, situado no interior paulista, está em operação há cinco anos e tem promovido projetos de pesquisa e inovação, reunindo instituições acadêmicas e empresas. “São José dos Campos tem vocação em P&D, e queremos construir lá uma cidade tecnológica.” O parque tem área de 188 mil m² e, segundo Alberti Jr., já foram investidos R$ 1,7 bilhão em infraestrutura. “Planejamos construir hotéis, condomínios e centros de lazer e cultura, porque imaginamos que, daqui a 25 ou 30 anos, poderemos ter até 90 mil pessoas habitando o parque.”

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Nércio Fernandes, vice-presidente de Inovação da Linx, falou sobre o setor em que a empresa atua há 30 anos: tecnologia de gestão para o varejo. A Linx é líder nesse segmento, com faturamento bruto de R$ 202 milhões e, segundo Fernandes, reinveste 15% da receita em P&D. “Inovar, às vezes, é mais fácil do que as pessoas imaginam. E, se há bons projetos, é preciso ir à procura de recursos disponíveis.” Fernandes, porém, reclama da legislação que, segundo ele, é diferente em cada Estado. “Entre 30% e 35% da mão de obra está envolvida em resolver questões relacionadas com a legislação. Isso traz produtividade? Não.”

Para Laércio Cosentino, presidente da TOTVS, empresa líder no setor de software, serviços e tecnologia, falar em inovação é falar de futuro. “Só temos uma certeza: o que fazemos hoje, faremos diferente daqui a dez anos.” No entanto, ele acredita que o Brasil pode se tornar um polo de inovação, mas alertou: “Falta fazer mais e mais rápido. Hoje, o valor para gerar algo novo é maior do que o valor para produzir. E o tempo que se gasta para cumprir as exigências legais é desproporcional ao que a empresa investe”.

O pesquisador Silvio Meira, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, encerrou o primeiro painel. Antes, apresentou uma animação em que mostra como acontece o processo de inovação, que tem início com a busca de soluções para os problemas. “Precisamos fazer as perguntas certas, com criatividade. E, para transformar respostas em soluções, temos de ir para o mercado empreender. Não existe inovação sem empreendedorismo.”

Ele acredita que o mundo só muda com ciência e inovação. Sobre as ações do governo, foi taxativo: “O imediatismo brasileiro acaba levando para soluções não efetivas. É preciso visão de longo prazo, articulada com políticas de curto e médio prazos”. Meira também avisou: “Tudo é software hoje, e todo mundo vai ser substituído por software. Em inovação, as soluções não são simples, nem complicadas, nem políticas. Tudo que é inovação chega perto do caos, mas sem entrar nele”.

Parceria ajustada

No segundo painel, cujo tema foi Investimentos: a Importância da Integração entre Universidade e Empresa, os palestrantes concordaram que o Brasil, para se desenvolver e se tornar mais competitivo, precisa aproximar o setor industrial das produções científicas realizadas nas universidades. Dante Alário Jr., diretor científico da Biolab Farmacêutica, enfatizou a importância dessa parceria na busca por novos produtos, solução de problemas técnicos e melhoria da qualidade do que já é produzido. Além disso, com esse consórcio, mestres e doutores podem testar na prática o que desenvolvem nos laboratórios. “Eles conheceriam as carências da indústria e poderiam ampliar sua atuação na preparação de mão de obra qualificada e na produção científica.” Burocracia e purismo do meio acadêmico, de acordo com ele, prejudicariam essa aproximação.

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AUDITÓRIO CHEIO – Em uma ampla sala do Hotel Intercontinental, a plateia se diverte com as ideias de Silvio Meira, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco

Luiz Mello, diretor-presidente do Instituto Tecnológico da Vale, disse que “investir em pesquisa e desenvolvimento pode mudar os rumos de uma corporação”, e citou como exemplos Basf e Agfa. “Essas empresas alemãs começaram suas atividades com anilina. Hoje, nenhuma delas produz anilina ou, se produz, é algo insignificante.” Outra companhia que mudou de ramo, citada por Mello, foi a finlandesa Nokia, que iniciou como produtora de polpa de papel no século 19, mas tornou-se uma das gigantes na área de telefonia móvel. Para ele, P&D podem ser a base da existência de uma empresa no longo prazo, especialmente porque a vida média das corporações vem encurtando. “Das empresas que estavam no Índice Dow Jones quando ele foi criado, só uma está entre as 500 maiores do mundo. As outras não existem mais ou não estão entre as maiores.”

Sobre investimentos em P&D, Mello afirmou que o Brasil, se comparado a países como Singapura, Japão ou Estados Unidos, é considerado um baixo investidor. A Vale aplica em torno de 0,74% do seu faturamento no setor. “A Petrobras investe perto de 0,85%. Em ambos os casos, esses investimentos são maiores do que seus concorrentes no restante do mundo.” Em relação à parceria entre universidades e empresas, ele lembrou que são muitos os fatores que mantêm os setores distantes, mas destacou a importância do governo nesse processo. “O poder público tenta acertar, embora erre algumas vezes. Mas é preciso insistir. Além disso, por muito tempo, a universidade teve um viés de esquerda e acreditava que produção científica e dinheiro não se misturavam.”

inova-capaNo seminário, foi apresentado o novo investimento da Brasileiros. Trata-se da plataforma digital , criada para o projeto INOVAÇÃO da empresa, desenvolvido desde fevereiro de 2012. Por meio de um sistema ultramoderno de indexação de informações, a plataforma foi adaptada a vários dispositivos (web, tablet, celular, smartphone). Nela, esteiras sobrepostas de conteúdo se expandem horizontal e verticalmente. No sentido horizontal, o usuário poderá acessar novos conteúdos. Já no vertical, ele aprofunda a informação. Outro conceito é a ausência do menu tradicional, aqui substituído por ícones que indicam cada área de informação – o usuário clica e tem acesso direto à notícia. Para cada esteira, foi atribuído um segmento editorial, contendo conteúdos indexados por grandes temas de interesse. Assim, no chamado mundo Real, haverá casos de sucesso, reportagens sobre investimentos em P&D feitos por empresas, os grandes empreendedores, etc.
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No Virtual, serão abordados produtos de tecnologia lançados no Brasil e no mundo. O mundo das Ideias vai mostrar a criatividade e a inovação em comportamento, moda, design, cultura. E Tendências pesquisará o que está por vir. Foram desenvolvidas ainda esteiras destinadas aos Inovadores e autores de Artigos Científicos, Letters ou Papers. Outro item importante é a capacidade de personalização da plataforma, criando uma área exclusiva para cada usuário, desde que desejada. A estrutura também abriga uma esteira destinada a Conteúdos Patrocinados, deixando mais clara a divisão entre o potencial editorial e o de conteúdos produzidos por empresas interessadas em comunicar e difundir não apenas suas marcas, mas a grande quantidade de informações desenvolvidas por suas equipes de pesquisa.

Na sequência, Rodrigo Teixeira, gerente de promoção de inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), avaliou o tema do painel. De acordo com ele, ainda existe uma série de barreiras que o Brasil precisa vencer para construir um ambiente mais favorável para a parceria. “Cada vez mais, a ciência faz parte do desenvolvimento econômico das empresas”, e o País necessita derrubar essas barreiras se quiser “transformar ideias em valores”.

Desde 2008, a CNI realiza pesquisas com as companhias associadas à entidade e, segundo Teixeira, a inovação, hoje, já aparece como algo estratégico para o crescimento dos negócios. “Antes, inovação nem estava entre os dez pontos mais importantes a serem priorizados pelos empresários. Agora, está em terceiro lugar, atrás da burocracia e da formação de recursos humanos.” O desafio, disse, é mobilizar e capacitar empresas, “criando instrumentos de políticas públicas que estimulem a parceria entre o setor industrial e as universidades”. 

Elbia Melo, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), trouxe boas notícias sobre o setor de energia eólica no Brasil que, nos próximos quatro anos deve elevar o País do 20o para o 3o lugar entre as nações que utilizam esse tipo de energia. “Devemos crescer cerca de 200%, passando de  2,2% para 6% da produção nacional de todos os tipos, inclusive a elétrica.” Para aproximar a indústria das universidades, a associação está organizando a Rede Brasileira de Energia Eólica, com o objetivo de desenvolver equipamentos para a exploração da energia vinda dos ventos. Ela destacou ainda a estabilidade e a maior potência dos ventos brasileiros como os principais fatores para atrair novos investimentos.

Guido Lemos de Souza Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), também apresentou notícias positivas. Ele falou da experiência internacional do Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital (LAVID), criado em 2003 e integrado ao Departamento de Informática (DI) da UFPB. O laboratório surgiu da proposta de desenvolver projetos de pesquisa em hardware e software voltados às áreas de vídeo digital, redes de computadores, TV digital e interativa e middleware. Atualmente, é referência em desenvolvimento de tecnologia para TV digital. O LAVID conta com a colaboração de mais de 40 pesquisadores, entre doutores, mestres e graduandos, que estão interconectados com outros do Brasil e do mundo, e traz as atuais tendências tecnológicas nessas áreas. “O ranço da esquerda influiu inclusive na legislação e hoje não se sabe se transfere de forma legal ou não o que é desenvolvido em nossos laboratórios.” Sua equipe criou o middleware ginga, considerado o melhor programa para televisão digital do mundo.

Luciana Capanema, responsável pela área de apoio à inovação e ao desenvolvimento de empresas do BNDES, fechou o painel, falando sobre as iniciativas da instituição para conceder financiamentos para as empresas inovadoras. “Acreditamos na transposição do que está nas prateleiras das universidades em produtos que gerem riqueza para o País.” Na avaliação dela, não basta gerar produção científica, é preciso implementar a produção no mercado – e o BNDES apoia essa ideia.

 


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