Educação, câmera, ação!

Com finas trancinhas e cabelos presos, Ana Clara, estudante da segunda série do nível fundamental de uma escola pública de Brasília, pula para dentro da tela. Sorrindo, ela diz já saber ler e escrever. Mas quem vai confirmar isso é a Provinha Brasil. Corta!

Dia de sol, em um barco, duas mulheres remam e falam da vida difícil. Outra, com enxada na mão e vestido florido, conta que não estudou quando jovem. No mar, com água até as canelas, vestindo calças pretas, a mulher magra cata caranguejos. Para ela, todo dia é dia de trabalho. Corta!
[nggallery id=15164]

Na frente do edifício de arquitetura moderna, o garoto com cabelos espetados e aparelho nos dentes explica que o curso técnico permite terminar o ensino médio com uma profissão. Corta!

Por trás de cada uma dessas câmeras, os cineastas Tizuka Yamasaki, Helvécio Ratton e Toni Venturi mostram casos de gente comum. Brasileiros que mudaram suas vidas com os projetos educacionais do Ministério da Educação (MEC). No Ministério, o que mudou foi a estratégia de comunicação. No lugar dos publicitários, que encabeçavam as campanhas de divulgação, entraram os cineastas. No lugar da ficção, entrou a realidade. Os atores foram substituídos pelos cidadãos. E os cineastas tiveram a garantia de abrir as lentes com liberdade, mantendo a visão autoral.

Cena 1: a cineasta e o protagonista
Consagrada, entre outros, por Gaijin, Caminhos da Liberdade, Tizuka Yamasaki dirigiu o filme sobre a Provinha Brasil, avaliação bienal dos alunos do ensino fundamental da rede pública. Quem assiste ao filme, no entanto, não imagina o trabalho que foi chegar até ali.

“O MEC exigiu que filmássemos uma criança, com a idade correta da série que seria abordada, boa aluna de escola pública. Geralmente nessa idade as crianças não têm boa dicção e têm dificuldades para fazer a cena concentrada na sua emoção”, conta a experiente cineasta. Depois de um workshop intensivo preparando alunos, Ana Clara foi selecionada. “A menina foi um achado! Rendeu muito e o filme ficou ótimo!”, lembra Tizuka.

Para contar a história do Programa Universidade para Todos (ProUni), outro desafio. Esse programa concede bolsas de estudo, integrais e parciais, a estudantes de baixa renda, em instituições privadas de ensino superior. Tizuka explica que tudo começa com a escolha do personagem principal. “A seleção do protagonista do filme é sempre o maior e o principal trabalho que temos. A partir daí, visitamos o universo familiar, escolar e profissional – caso o estudante trabalhe. Escolhemos as locações reais mais representativas de sua história de vida, conversamos com seus familiares e seus colegas de trabalho, ficando assim prontos para filmar.” O critério para a seleção? Tizuka é direta: “O protagonista deve ter uma boa história de luta para alcançar o curso universitário e saber se expressar”.

Com a pegada documental de quem filmou Patriamada, nos anos 1980, acompanhando os comícios pelas “Diretas Já!” no País, Tizuka acredita no que viu. “O ProUni abre esperanças para o jovem pobre. Aponta um caminho para uma vida mais digna, afastada da marginalidade que acenava no dia a dia. O Programa abre esperanças para quem não a tinha.”

Nos depoimentos de professores do ensino superior, a história cresceu. Tizuka ouviu que entre os estudantes do Programa o aprendizado melhorou. “Quem ganha essa garantia de escalar o mundo do conhecimento para um futuro almejado, antes impossível, não deixa de estudar. Eles não arriscam perder a bolsa conquistada. Eles passam a ser bons exemplos de tenacidade, luta, autoestima. São referência exemplar para os outros alunos que nunca sofreram a amargura de não ter nada a sua disposição.”

A cineasta conta o caso de um estudante da periferia de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, que estuda Relações Internacionais na PUC, zona sul do Rio. “Seu maior desejo é se formar, conseguir uma bolsa de estudos sobre resolução de conflitos sociais, na Inglaterra, e depois voltar para aplicar o que aprendeu na comunidade de origem dele. Isso não é lindo?”, pergunta Tizuka.

O fascínio do real não tira o foco de quem já trabalhou muito com a imaginação. “Filmamos entre o documentário e a ficção. Procuramos encontrar soluções que atendam ao objetivo de promover as ações propostas, sem os recursos normalmente usados pela publicidade. Há que se mostrar a realidade, sem o glamour geralmente apresentado nos comerciais”, conclui Tizuka.

Claquete: realidade reconstruída
Toni Venturi, premiado documentarista (O Velho, A História de Luiz Carlos Prestes) vai mais longe quanto ao papel do cineasta e o resultado do trabalho. “É um real reconstruído, como em qualquer filme. Os programas existem. As pessoas estão se beneficiando. Mas nós estamos fazendo comunicação institucional. Não procuramos o conflito. Isso seria cinema. Queremos mostrar uma situação propositiva para estimular e motivar alunos e docentes a aderirem aos programas.” A diferença – que ele vê com bons olhos – é a liberdade para mostrar o que aparece diante das câmeras.

O documentarista explica que levou para o trabalho do MEC a experiência acumulada no projeto “Gente que faz”. No início dos anos 1990, a ideia era inovadora. Quatro cineastas: Selma Santa Cruz, Roberto Gervitz, Sérgio Toledo e o próprio Venturi, estavam a procura de trabalho e criaram um novo formato. “A matriz dessa abordagem documental para construir uma comunicação institucional surgiu porque o Collor (Fernando Collor de Mello, presidente eleito em 1989) confiscou o dinheiro da população brasileira e acabou com a Embrafilme. Com o colapso do cinema, tivemos de procurar novas formas de atuação.”

Venturi destaca a ausência de censura nos filmes feitos para o MEC. “O que há, naturalmente, é uma discussão de alto nível com a curadoria. Algo que também acontece no cinema. O seu patrocinador pode sugerir que um determinado personagem não está simpático ao público feminino, por exemplo. É um relacionamento criativo em um trabalho no qual você tem parceiros com objetivos específicos.”

Cena 2: liberdade de criação
Helvécio Ratton, que estreou em direção com o documentário Em Nome da Razão, é outro nome chave do time reunido pelo MEC. Foi convidado para dirigir Mulheres Mil e Caminho da Escola. Em uma das cenas, à beira-mar, uma mulher sorridente conta dos progressos que fez com o ensino, já adulta. E lembra ter aprendido as primeiras letras com o pai, que escrevia na areia utilizando um pedaço de pau. “Quando você faz um documentário que se aproxima mais da realidade, ganha em emoção”, diz Ratton. Momentos como esses fazem a diferença de um filme que se constrói na edição. O documentarista explica que sai para gravar apenas com um plano geral do trabalho. “Eu prefiro estar aberto e aprender sobre a realidade que vou encontrar.” Surpreso com o que viu fora dos grandes centros urbanos, conta que teve grande liberdade na realização. “Os dois documentários que fiz foram aprovados sem cortes ou modificações.”

Cena 3: salto para o futuro
Val tem necessidades especiais. O sol já nasceu quando o ônibus de cores vibrantes para em frente a casa dela. Contente, ela entra, cumprimenta os colegas e segue para a escola. A cena faz parte de Caminho da Escola, o segundo filme dirigido por Ratton para o MEC. Ele vibra quando conta o que descobriu nas gravações. “Há relatos de meninos que andavam 14 km por dia para chegar à escola. Eles acordavam tão cedo que ficavam dormindo nas carteiras durante as aulas.”

O que o documentário enfoca é o programa, criado em 2007, que melhora o transporte em áreas rurais e ribeirinhas para alunos da rede pública de ensino. No começo, foi só para alunos do campo. Ônibus especiais para rodar em estradas rurais, chegando aonde as vans não chegavam. “É incrível ver a alegria dos meninos ao entrar nos ônibus. E dos motoristas, que têm veículos muito bons, que não quebram, para enfrentar as estradas”, conta Ratton. Os índices confirmam as impressões do cineasta. Segundo o MEC, a evasão escolar diminuiu 40% nas regiões atendidas pelo programa.

Cena 4: reviravolta na educação
Campus de universidades públicas em diferentes cantos do Brasil. Barco que corta um rio na Amazônia. Jovens com aulas à beira-mar para aprender Engenharia de Pesca. Essas cenas fazem parte de ReUni, um dos trabalhos de Toni Venturi sobre o programa do MEC que mostra universidades federais. Ele vai fundo na questão da educação. “O Brasil tem um déficit educacional de 30 ou 40 anos.” A visão crítica não distorce os méritos das ações que conferiu de perto. “Eu acho que o atual ministro (Fernando Haddad) está promovendo uma revolução na educação no Brasil. É uma pena que ela não tenha começado em 2002, no início do governo Lula. Porque mexer com educação significa ter resultados em longo prazo. Você só vai ver o que está sendo feito hoje daqui a 10, 15 anos”, lamenta o cineasta. Às vésperas das eleições presidenciais, Venturi acha fundamental avançar no caminho construído até aqui. Independentemente do governo que venha.



Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.