Destaque do seminário Inovação – Investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, professor da Duke University, já participou presencialmente de outros eventos promovidos pela divisão Seminários Brasileiros mas, desta vez, fez sua importante colaboração por meio de transmissão remota, via internet, diretamente do campus da universidade sediada em Durham, na Carolina do Norte, EUA.
Por volta de 14h, Nicolelis deu início a sua palestra e defendeu a importância de dois pilares imprescindíveis para consolidar o desenvolvimento da economia brasileira: uma revolução na educação pública e um expressivo aumento nos investimentos em ciência e tecnologia. Sua defesa da educação como agente transformador dos potenciais de nossa sociedade é embasado em rica experiência pessoal: a criação do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra, em Natal (RN). Instalado dentro do campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o projeto atende anualmente uma média de mil e quinhentas crianças e adolescentes da rede pública de ensino e tem transformado a realidade dos alunos.
Nicolelis também está a frente de outro projeto revolucionário, o Walk Again (Andar de Novo, em tradução livre), que pretende devolver movimentos a tetraplégicos, por meio da utilização de um traje robótico, com conexões neurais, chamado de exoesqueleto. As pesquisas envolvem uma rede de mais de cem cientistas espalhados pela Europa, Estados Unidos e Brasil, e a ambiciosa meta de Nicolelis é fazer a estreia do exoesqueleto na abertura da Copa do Mundo do Brasil, em junho de 2014.
A seguir, elencados por assuntos, reproduzimos os principais depoimentos do cientista.
A REVOLUÇÃO EDUCACIONAL (E ECONÔMICA) NA ÁSIA
“Quais fatores fizeram expandir a economia da China e da Coreia do Sul? A Coreia do Sul, por exemplo, em 40 anos, passou de um país devastado por uma guerra civil para uma nação líder em várias áreas do conhecimento científico e tecnológico. O Brasil tem de fazer uma escolha imediata e estratégica desses investimentos. Em países como a China, a Coreia do Sul e outros menores que também sofreram grandes transformação, como a Finlândia, tudo começou com a revolução no sistema público educacional. O Brasil já deu os primeiros passos, mas ainda há muito a ser feito. A lei dos royalties do petróleo voltados à educação abrirá um precedente histórico, mas não basta ter apenas dinheiro. Vários estudos comprovam que dinheiro não se traduz necessariamente numa melhor qualidade do ensino. Nas manifestações de junho boa parte dos cartazes eram pela educação, mas a questão vai mais além: como é possível transformar um sistema educacional gigante como o nosso? Em todo o País, temos mais crianças na escola do que a França tem em número de habitantes. A Finlândia, por exemplo, soube capitalizar com a revolução educacional que começou a implantar nos anos 1970 apostando em importantes componentes, como a melhoria da formação dos professores, a escola em tempo integral, a escolha de formar pequenas classes e exigir professores com mestrado, a adoção de currículos regionais. Outro grande trunfo foi a valorização da formação cientifica desde o ensino elementar. A Finlândia e a Coreia do Sul são ótimos exemplos de como essa valorização ajudou a deflagrar processos econômicos revolucionários”
UNIVERSIDADE E SOCIEDADE
“Não se faz inovação, revolução tecnológica e, consequentemente, não se causa impacto econômico em um país sem antes realizar uma completa reorganização do sistema educacional. Nessa semana, soubemos que a USP, onde estudei, caiu fora do rankings das 200 melhores universidades do mundo. Nossas universidades não acompanham as mudanças, pois são herméticas e pouco ‘publicas’, de fato, tanto na entrada quanto na saída. Quem mora no entorno das universidades públicas tem pouca ideia do que acontece lá dentro. Nossa faculdades não contribuem com a sociedade local.”
CIÊNCIA x ESPIONAGEM
“Um alerta: não basta falar em investimentos em ciência e tecnologia se não houver quadros e não tivermos massa crítica para alimentar uma indústria do conhecimento autossuficiente e tipicamente brasileira. Nossas empresas de TI (tecnologia da informação) não podem se dar ao luxo de não ter satélites sobre seu próprio controle, backbones próprios de internet, que possibilitem segurança de dados em telefones e todas as mídias passíveis de serem espionadas e ‘arapongadas’. Havia por aqui tecnologias que estavam sendo desenvolvidas nos anos 1990 e foram entregues a preço de banana com as privatizações. Tínhamos pesquisas muito avançadas nessas áreas.”
FONTES ENERGÉTICAS
“A energia também é uma questão essencial. É fundamental termos independência não só do controle de nossos recursos naturais, mas também investirmos em pesquisas de fontes renováveis e de novas tecnologias de extração. A matriz energética brasileira é 45% composta de fontes renováveis, média que chega a ser quase quatro vezes maior do que a mundial”
POTENCIAL HUMANO
“No Século 21, nenhuma nação conseguirá sobreviver e ser soberana se os investimentos em ciência e tecnologia não forem considerados estratégicos para a economia. E volto a insistir: tudo começa com um novo modelo de educação cientifica nas escolas brasileiras para termos condições de colher o potencial humano que o Brasil possui. Quando fui para a periferia de Natal há 10 anos, me disseram que era uma loucura, que não haveria potencial humano. Hoje temos escolas com uma média anual de mil e quinhentas crianças da rede pública atendidas, que são submetidas a um currículo de educação cientifica e já temos no instituto de neurociência, cientistas que foram formados por esse programa.”
SOBERANIA INDUSTRIAL
“A malha ferroviária brasileira vai mudar radicalmente nos próximos anos e, lógico, o Brasil precisará de trens. Portanto, seria preciso construir trens no Brasil, da mesma forma que a indústria naval tem crescido por conta dos novos portos e estaleiros. O Brasil é um dos maiores consumidores mundiais de carro, portanto, também tinha que ter uma indústria nacional de automóveis, como existe na China e na Coréia do Sul. São coisas triviais que as vezes fico até envergonhado de citá-las.”
WALK AGAIN: CONTAGEM REGRESSIVA
“Estamos trabalhando 24h no sete dias da semana, em um grupo de mais de cem cientistas espalhados pela Europa, Estados Unidos e Brasil. Tudo está dentro do cronograma. No Brasil, tivemos o apoio da FINEP e o Governo Federal, que ficaram surpresos com a magnitude do projeto. Um protótipo do exoesqueleto deverá ficar pronto até o final de 2013. Temos oito meses pela frente, até a Copa. Aliás, um prazo que tem data e hora marcada, 12 de junho de 2014, às 17h, o único problema é que será no estádio errado, mas estaremos lá (palmeirense fanático, Nicolelis brinca com o fato de que o jogo de abertura da Copa de 2014 será realizado no Itaquerão, o tão aguardado estádio do rival Corinthians). Os testes começaram em caráter experimental na Europa. No Brasil serão feitos testes entre o final de outubro e começo de novembro. Em uma primeira etapa, testamos componentes, articulações, motores, e os controles neurais da veste. Nas simulações preliminares, feitas com macacos, tudo funcionou, e ficamos surpresos pelo grau de complexidade dos movimentos. Estamos bem animados, mas ainda faltam coisas fundamentais.”
CIENTISTAS DO FUTURO
“É preciso despertar nas crianças brasileiras a paixão por tentar fazer algo impossível. Colocá-las frente a frente com o impossível que gostariam de realizar. Acho que me tornei cientista, pelo simples impacto positivo de ter visto o homem pisar na lua. Mesmo as crianças que vivem em condições de pobreza total, se forem cativadas com carinho, amor, educação e atenção, vão aflorar e descobrir a ciência como algo para toda a vida. Podemos fazer isso em escala nacional para milhões e milhões de crianças brasileiras”
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