Aos 22 anos, Stela Barbieri era, como muitos jovens de sua idade, monitora da Bienal de São Paulo, maior evento de arte do Brasil. Fazia visitas guiadas e ajudou a transformar o olhar de uma geração de crianças e adolescentes. Hoje, 24 anos depois, ela está à frente do primeiro projeto educativo permanente da Fundação Bienal, que comemora 60 anos. O programa, que forma monitores, elabora material didático e cria percursos de visita em exposições de arte contemporânea, entre tantas outras atividades, antes só existia no período de eventos.
Como ela, uma série de gestores e gente que pensa arte hoje no Brasil passou pela Bienal e, de certa forma, foi forjada por ela: Ivo Mesquita (curador-chefe da Pinacoteca do Estado de São Paulo), Mila Chiovatto (coordenadora do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo), Anny Cristina Lima (coordenadora do Museu Lasar Segall na área de ação educativa), Cristina Freire (curadora do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo), etc. “A Bienal é referência na formação de muitas pessoas ligadas à arte. Acho que realmente faz diferença vivenciar a experiência nesta instituição, tanto para profissionais quanto para jovens estudantes, porque ela catalisa um fluxo de arte contemporânea muito intenso e cria diálogos para cada momento da divisão artística. É um ambiente tonificado que sempre gera polêmica, discussões”, afirma. “A Bienal é um espaço de formação não formal muito importante que agora, com o educativo permanente, pode se dar em longo prazo e construir uma história”, completa.
Segundo Stela, que foi curadora educacional da 29a Bienal Internacional de Arte de São Paulo, realizada no ano passado, a principal mudança é que agora o educativo passa a ter uma estrutura de trabalho que não precisará ser refeita a cada evento. “É uma conquista. O próximo curador vai pegar um mailing organizado, parcerias desenvolvidas, etc. Não precisará começar do zero.” E poderá dedicar mais tempo para aprofundar a formação de educadores dentro e fora da instituição e ir ao cerne da questão: como conversar com mais de 500 mil pessoas – número de visitantes da última Bienal – falando com cada uma delas. “Para isso, é preciso gerar encontros significativos entre os educadores e o público, quer dizer, possibilitar que as pessoas possam conversar olho no olho, se entender ou se desentender, o importante é que tenham um contato real”, acredita. Os monitores são chamados de educadores.
Apesar de a ação educativa na Bienal existir desde 1965, havia pouco material arquivado. Ela explica que, para recuperar as experiências anteriores, realizou uma parceria com a Escola de Comunicação e Artes da USP, que fez uma pesquisa com base em histórias orais sobre a evolução do educativo da instituição. “Foi muito interessante, porque a gente sabe que eles foram incríveis, com ideias muito progressistas e ousadas.”
Stela, que também é diretora há dez anos da Ação Educativa do Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, lidera uma equipe de 14 profissionais na Fundação Bienal. No time, há coordenadores, professores, redatores, documentaristas e equipe de relações externas, responsável pela interação com outras instituições, ONGs e com a comunidade.
“Promovemos curso à distância, o Tão Longe Tão Perto, em que oferecemos formação em artes para sete mil professores, por meio de parceria com a Secretaria Estadual de São Paulo. São 24 horas à distância e seis presenciais. Um curso de 30 horas bem bacana. Além de atuação nos CEUs (Centro de Educação Unificado), da Secretaria Municipal. Assim, fazemos uma interlocução com o currículo de arte do município e do Estado”, afirma.
Stela explica que costuma trabalhar com o desenvolvimento de questões para estimular a reflexão. “A gente faz com que a pessoa pense sobre sua própria vida, sobre a contemporaneidade, para que depois ela possa refletir sobre o trabalho dos artistas. A arte contemporânea é um reflexo da vida contemporânea, então a gente discute bastante a vida”, revela.
A intenção do educativo em uma instituição de arte não é ensinar o público a interpretar uma obra, explica Stela, mas sim desenvolver “outras camadas de compreensão”. Isso significa trazer reflexão, ensinar a pesquisar, fornecer informações. “Com o conhecimento, a experiência estética que a pessoa criou no decorrer da vida fica mais aprofundada e ela poderá fazer outras leituras da obra, do artista, da questão principal de que ele está tratando”, afirma. Ela cita o filósofo alemão Walter Benjamin: “Em cada gesto nosso está contida nossa biografia”.
Educadora desde os 17 anos – ela trabalha há 25 na Escola Experimental Vera Cruz, em São Paulo, atualmente como assessora da área de Artes para crianças de 0 a 7 anos -, Stela acredita que a arte é fundamental para a educação. “As instituições culturais conseguem cumprir um papel que as escolas não suprem totalmente. Elas cooperam para a percepção do mundo, do homem no mundo e das relações que acontecem dentro desse universo.”
A educadora complementa que a arte faz com que as pessoas acreditem no impossível: “As crianças e os artistas têm ideias de coisas impossíveis de serem realizadas, e os artistas são aqueles que batalham para criar essas situações. Acho que esse exercício de acreditar no impossível no território da realidade e pensar em meios para concretizar as suas ideias é uma perspectiva muito importante.” A arte nos ensina muitas maneiras de intervir no mundo, de intercambiar com as pessoas, de criar novos sistemas e imaginar novas perspectivas. Para mim, a relação entre vida e arte é muito próxima”, conclui.
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