Efeito cascata: a dificuldade em manter o emprego na crise

Trabalhadores protestam em frente à fábrica da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo (SP), contra 500 demissões realizadas pela empresa. Foto: Luiza Sigulem
Trabalhadores protestam em frente à fábrica da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo (SP), contra 500 demissões realizadas pela empresa. Foto: Luiza Sigulem

A indústria automotiva brasileira tem problemas a resolver. Nos últimos 12 meses, o emprego no setor caiu 8%, com desempenho reduzido na produção e licenciamento de veículos. De acordo com relatório da Associação Nacional de Veículos Automotores (ANFAVEA), de maio, cerca de dez mil trabalhadores perderam seus postos em um ano. Com a queda desses indicadores, as montadoras têm recorrido a ferramentas trabalhistas para adequar o volume de produção à demanda do mercado – cerca de 25 mil trabalhadores no País estão afastados de suas funções por lay-off, férias coletivas ou licenças remuneradas. Para a ANFAVEA, esse número ainda pode aumentar. 

Dos métodos para reduzir despesas da folha de pagamento, o lay-off é o mais polêmico. Trata-se de uma suspensão temporária do contrato de trabalho. Previsto no artigo 476-A da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) desde 2001, o mecanismo pode ser aplicado por qualquer empresa, desde que previsto em acordo ou convenção coletiva com o sindicato que representa a categoria. 

No dia 12 de junho último, em frente à fábrica da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo (SP), que fabrica caminhões e ônibus, metalúrgicos mantinham o quinto dia de acampamento contra 500 demissões de trabalhadores que estiveram em lay-off. As dispensas foram feitas pela empresa no dia 1o do mesmo mês, duas semanas antes do fim do prazo do regime suspensivo, previsto para o dia 15.

O grupo de demitidos entrou em lay-off em 1o de julho de 2014. Os custos foram assumidos pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador e pela Mercedes nos primeiros cinco meses. Depois, a montadora assumiu todos os custos de folha de pagamento, cursos de qualificação e benefícios, conforme previsto.

O lay-off pode variar entre dois e cinco meses e, durante esse período, é obrigatório que o funcionário participe de um curso de qualificação. Os benefícios são mantidos e a empresa interrompe o recolhimento de encargos trabalhistas. Ao invés de salário, o funcionário passa a receber uma bolsa qualificação, que é uma modalidade do seguro-desemprego, custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – o valor depende de negociação entre empresas e sindicatos, e é comum que haja comprometimento da empresa em fornecer uma ajuda compensatória mensal prevista em lei. Caso o período se prolongue, o empregador deve assumir o pagamento integral do salário.

A medida apresenta uma série de controvérsias a respeito de sua efetividade. Lucieneida Praun, professora-doutora da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e especialista em Sociologia do Trabalho, critica a eficiência dos cursos profissionalizantes durante o lay-off e diz que o método é muitas vezes utilizado em momentos de crise econômica com propósitos que prejudicam o funcionário. “O lay-off não é uma alternativa. Muitas vezes esse mecanismo é usado para mascarar demissões e serve como um instrumento de pressão para conseguir que os funcionários façam uma grande adesão ao Programa de Demissão Voluntária (PDV). O problema deles não é a falta de capacitação. O essencial é que mantenham o emprego e isso não está sendo cumprido.” 

Demissão em massa 
Em uma praça circular em um cruzamento entre três grandes avenidas da cidade, várias faixas de protesto com mensagens contra os cortes na Mercedes-Benz foram estendidas. Barracas azuis e tendas acomodavam 300 operários que se revezam dia e noite para manter a manifestação. 

Metalúrgico há mais de 20 anos, Cláudio Miranda, 45, que trabalhou durante três anos na Mercedes, é um dos 500 demitidos durante o lay-off. Agitado e ainda vestindo seu uniforme da empresa, ele conta que soube de seu desligamento por um telejornal. Por isso, foi protestar no acampamento em frente à fábrica. “Demissão nunca é solução. Não importa se você é pai de família, a empresa descarta os funcionários como se fossem objetos. Eles precisam entender que temos compromissos e precisamos de trabalho para sobreviver.”  

"Precisamos de trabalho para sobreviver", diz Cláudio Miranda, ex-metalúrgico da Mercedes. Foto: Luiza Sigulem
“Precisamos de trabalho para sobreviver”, diz Cláudio Miranda, ex-metalúrgico da Mercedes. Foto: Luiza Sigulem

Na mesma praça do acampamento, Máximo Pinho, o Max, montador da Mercedes há 18 anos e líder do Comitê Sindical de Empresa (CSE), começou a explicar que a tentativa de negociação com a empresa para evitar as demissões não teve sucesso. “Abriram um novo PDV e falaram que poderiam discutir alternativas para quem permanecia empregado, desconsiderando os 500 que já estavam demitidos.” Para ele, o acampamento era palco de luta em defesa dos funcionários e também uma iniciativa para fazer a empresa perceber que as demissões têm um impacto social.

Muita gente foi pega de surpresa. Fátima de Paula, 40, ex-montadora na Mercedes, contou que estava na fábrica quando soube que entraria em lay-off. A empresa mandou um telegrama aos funcionários. Desde aquela época, Fátima já imaginava que seria demitida. “A gente fica deprimida quando chega a notícia. Queriam que eu trabalhasse por mais duas semanas, mas disse que não tinha condição.” Ela está entre o grupo de 500 demitidos.

A situação de Genusia Ferreira, 40, operadora de máquinas por dez anos também na Mercedes, é semelhante. Ela bate os pés no chão enquanto senta em um banquinho colocado no acampamento, em sinal de nervosismo. Genusia pegou o turno da noite na praça da manifestação e dormiu sozinha em um colchão de casal em uma das barracas. A trabalhadora ficou um ano em lay-off até receber, em 1o de junho, o telegrama da demissão. “Fiquei desesperada. Na minha idade já saí do foco do emprego. Acreditei que a empresa iria reintegrar a gente.”

Genusia conta que tem bursite nos dois braços, doença contraída por esforço no trabalho. Para ela, o curso profissionalizante que fez foi importante, mas o ideal seria continuar trabalhando. “O emprego é a nossa dignidade.”

"Na minha idade já saí do foco do emprego. Acreditava que a empresa iria reintegrar a gente", diz Genusia Ferreira, ex-montadora da Mercedes. Foto: Luiza Sigulem
“Na minha idade já saí do foco do emprego. Acreditava que a empresa iria reintegrar a gente”, diz Genusia Ferreira, ex-montadora da Mercedes. Foto: Luiza Sigulem

O acampamento foi desmontado na tarde da última sexta-feira (3), após os trabalhadores da Mercedes terem rejeitado uma proposta feita pela empresa de redução de jornada de trabalho e de salário. Segundo o líder dos operários Max Pinho, a estratégia para a retomada dos empregos mudou. As negociações com a empresa estão paradas.

A assessoria de imprensa da Mercedes-Benz do Brasil informou que, desde o ano passado, adotou uma série de medidas para administrar o excesso de funcionários na fábrica, que hoje chega a dois mil. A empresa alega ainda que o ritmo de desaceleração das vendas de caminhões (queda de 42% em um ano) e ônibus (redução de 27%) contribuiu para a demissão em massa.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, de 22 de junho, o presidente da Mercedes-Benz no Brasil, Philipp Schiemer, confirmou que a empresa, desde o ano passado, ofereceu o Plano de Demissão Voluntária aos trabalhadores. Segundo ele, “ou chegamos a um acordo com o sindicato ou demitiremos mais gente nas próximas semanas”.

Ainda ao jornal, o presidente relatou que a Mercedes vê o Brasil com desconfiança devido à perda de “previsibilidade”. Mesmo assim, não deve cortar investimentos no País. De acordo com ele, a marca pretende construir uma fábrica exclusiva para automóveis com início da produção prevista para 2016.

Crise em números  
A indústria automobilística é responsável pela geração de 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos no Brasil, sendo que os diretos estão em queda desde outubro de 2013 (atual­mente são 121 mil postos de trabalho). O setor corresponde a 5,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do País e gerou uma receita de R$ 287,9 bilhões em 2014, de acordo com a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).  
 
Outras montadoras, como Volkswagen e General Motors, também aderiram ao lay-off a fim de ajustar o volume de produção à demanda. Evaldo Reis, 40, montador de veículos da Volkswagen há cinco anos, foi selecionado entre 570 trabalhadores da fábrica em São José dos Pinhais, no Paraná, para cumprir o lay-off desde o dia 15 de abril. 
 
Evaldo faz parte da oitava turma de funcionários que se revezavam no esquema. Desde fevereiro de 2014, 1.800 empregados já ficaram de molho em casa. Ele, que mora na cidade vizinha da montadora, Fazenda Rio Grande, passou a frequentar com seus colegas o curso profissionalizante de Mecânica Automotiva, fornecido pela VW, e viu alguma vantagem na situação. “Se eu estivesse trabalhando seria melhor. Mas, como a empresa está meio fraca, tenho de aproveitar as oportunidades.”

Evaldo Reis faz parte da oitava turma de funcionários da Volkswagen que se revezavam no lay-off. Desde fevereiro de 2014, 1.800 empregados já ficaram de molho em casa. Foto: Arquivo pessoal
Evaldo Reis faz parte da oitava turma de funcionários da Volkswagen que se revezavam no lay-off. Desde fevereiro de 2014, 1.800 empregados já ficaram de molho em casa. Foto: Arquivo pessoal

O salário de Evaldo se manteve o mesmo, mas agora, ao invés de trabalhar de segunda a sexta-feira, ele se desloca de carro duas vezes por semana até São José dos Pinhais, em um trajeto que dura cerca de 40 minutos, onde estuda no SENAI, das 8h às 17h. Nos outros dias, acorda mais tarde e aproveita para passar mais tempo em casa com a mulher, Rosilene, e o casal de filhos, Luiz Carlos, 19, e Heloísa, 3. O frio do inverno paranaense faz com que ele prefira atividades caseiras, como assistir à televisão. Em seu segundo mês em lay-off, ele espera com certa tranquilidade a retomada de suas atividades na empresa.

A Ford ainda não adotou o lay-off, mas já anunciou a suspensão temporária da produção na unidade de São Bernardo do Campo. A Fiat, atual líder de mercado de autoveículos, viu seu licenciamento de automóveis cair 33,2% e de comerciais leves, 41% em um ano.  

De acordo com a ANFAVEA, a produção de autoveículos teve queda de 25,3%, comparada a maio do ano passado. No ano, a contração acumulada é de 19,1%, sendo que já foram produzidas 1,1 milhão de unidades. O resultado de licenciamento de veículos é 27,5% menor, se comparado a maio do ano passado, e as negociações no acumulado de 2015 diminuíram 20,9%, e já foram negociadas 1,1 milhão de unidades no ano.

Segundo Luiz Moan Yabiku Junior, presidente da ANFAVEA, a expectativa de mercado e a confiança dos consumidores e empresários continuam abalados, influenciados diretamente pelo arrocho do crédito e pela espera da conclusão do ajuste fiscal na economia. Esses fatores levaram a entidade a revisar as projeções para 2015, que agora indicam queda de 20,6% no licenciamento e de 17,8% na produção de autoveículos.  

Na contramão desses indicadores, as exportações de autoveículos apresentam resultado positivo. De abril a maio deste ano, a variação foi de 41,7%. Em comparação ao mesmo período do ano passado, as exportações cresceram 16,5%. Neste ano, já foram vendidas para o exterior cerca de 150 mil unidades. No comparativo entre os períodos de janeiro a maio de 2014 e 2015, há aumento de 3%.

Com objetivo de subir ainda mais no ranking de países exportadores do mundo (o Brasil ocupa atualmente o 25o lugar), a presidenta Dilma Rousseff lançou o Plano Nacional de Exportações 2015-2018, que unifica as ações e estratégias para exportação de bens e serviços, além de prever medidas de recuperação das vendas externas de produtos manufaturados.

Segundo a especialista Lucieneida Praun, são as empresas que não estão dispostas a buscar soluções favoráveis à manutenção do emprego, porque não querem reduzir a margem de lucro. “Todo peso da crise sempre cai sobre os trabalhadores. A saída precisa ser discutida por eles.” Ela afirma ainda que a indústria automobilística contou com uma série de benefícios de políticas governamentais desde a década de 1990, como redução de alíquota de impostos (IPI), o que não retornou ao País. “O dinheiro público virou lucro para as empresas, que em um primeiro sinal de crise colocaram os trabalhadores em demissão.”  

Solução à vista?  
O governo federal articula com centrais sindicais, como CUT, Força Sindical e UGT, e também com entidades representativas do empresariado a implantação do Programa de Proteção ao Emprego (PPE). De acordo com a proposta, os funcionários teriam redução de 30% da jornada de trabalho e receberiam 85% do salário mensal original – o empregador pagaria 30% a menos de salário, já que 15% seria assumido pelo FAT. De acordo com a assessoria da Secretaria-Geral da Presidência da República, o formato do programa ainda está em debate.

Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), Paulo Cayres, o PPE é uma saída imediata para a crise no emprego da indústria. “Com a aplicação, o trabalhador estará estabilizado e não perderá sua dignidade. É importante também para a empresa, que não desperdiçará mão de obra qualificada.”

Para o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, a aprovação do PPE significa o amadurecimento da proteção ao trabalhador que sempre está em posição desfavorável em fases de baixa produção. “Com o anúncio do plano, a presidente Dilma começa a sinalizar que o centro do debate não é mais o ajuste fiscal, e sim as condições para a retomada.”

Crise, mas com investimentos
Apesar dos rumores de desconfiança de investidores no setor automotivo brasileiro, grandes montadoras anunciaram a abertura e expansão de negócios em solo nacional. A marca Jeep, que pertence ao grupo Fiat Chrysler, lançou em abril um polo automotivo em Goiana, Pernambuco. O investimento total foi de R$ 7 bilhões e deve empregar até o final do ano mais de nove mil trabalhadores.

A chinesa Chery divulgou, em maio, que vai construir um polo industrial vizinho à fábrica recém-inaugurada em Jacareí, São Paulo. O complexo, que deve estar concluído em dois anos, deve gerar cinco mil empregos. O projeto inicial prevê investimento de R$ 2,1 bilhões. Segundo o vice-presidente da Chery Brasil, Luis Curi, a multinacional acredita que o mercado automobilístico brasileiro volte a crescer nos próximos anos. “É um investimento necessário e imprescindível. Temos visão de longo prazo e acreditamos que as coisas voltarão ao normal.”

A própria Mercedes-Benz, que tem dificuldades para vender caminhões e ônibus no mercado interno, não vai cortar os investimentos no País. Uma nova fábrica de automóveis começará a produzir em 2016, em Iracemápolis, São Paulo, as próximas gerações dos modelos Classe C e GLA. O investimento é de cerca de R$ 500 milhões com criação de mil novos empregos e deve ainda gerar três mil novos empregos em empresas fornecedoras. Segundo Andreas Renschler, membro do board responsável por produção e compras da Mercedes-Benz, o Brasil é um importante mercado futuro.


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