Com o passar do tempo, a gente vai lembrando mais do passado que do presente, voltando à infância, à adolescência, revendo que éramos felizes e sabíamos. Acho que já disse algumas vezes aqui, mas como voltei para a minha antiga casa, meu antigo clube, meus antigos amigos, sem rejeitar os novos, até me lembrei da minha avó que dizia: “Minha filha, cada bonde que pego é um amigo que eu faço”. Estou adorando falar com todo mundo na rua. Outro dia, um rapaz negro se queixava ao celular, perto de mim: “Robson! O meu nome é Michael, como Michael Jackson, não Mixael, como vocês dizem aí na comunidade”. Quando ele terminou a ligação e entrou em um ônibus, gritei para ele: “Tchau, Mixael”. O cara queria voar em cima de mim, mas eu me diverti.
Essa é uma lembrança de agora. O problema é que vão chegando essas datas queridas, tipo Natal e Réveillon, e elas, as lembranças, vêm me buscar. Para falar a verdade, não acho muita graça, nunca achei, em comemorar alguma coisa. Gosto de fazer as coisas de repente, como ir a um bar que não vou há séculos e reencontrar, ou não, amigos antigos. Se não estiverem, curto o lugar.
Estava nessa confusão de Natal: “Vou pra onde? Faço o quê?”. Crente que já estaria livre da obra lá de casa, que era para durar quatro meses e já fez um ano! Minha filha e eu ficamos em um estado deplorável de estresse e entendi o porquê de um inglês furioso com outro lhe desejar “uma linda obra a ser feita na sua casa”.
Inacreditável. O primeiro a sumir foi o eletricista, que se chama “Qualidade” – que, aliás é péssima. Ele sumiu, deixando a área de empregada toda escura, fingiu que era só trocar as lâmpadas e nos deixou no escuro até arranjar outro eletricista, que ainda estou pensando se tem uma qualidade melhor.
A primeira equipe da obra, que queria um adiantamento do engenheiro, também desapareceu. Então, o engenheiro chamou outra equipe. Veio um pintor e jurou que ia tirar toda a “humildade” da parede, mas também foi embora, deixando a humildade no mesmo lugar. Depois, um faz-tudo que eu considerava amigo me pediu um dinheiro. Emprestei e ele nunca mais apareceu.
Resumindo: a única maravilha natalícia que me aconteceu foi me ligarem da novela Aquele Beijo para eu fazer o papel de uma presidiária, ao lado de Nívea Maria. Essa foi a boa lembrança que o Natal teve de mim: me buscar para gravar a novela.
É verdade que fiquei nervosa de voltar às telas depois de nove anos fora do ar. Mas, quando cheguei, achei uma delícia essa lembrança que tiveram de mim. Aí, acho que entrei numas e fiz tudo direitinho, embora esquecesse sempre as mesmas palavras. Tentei entender o porquê não conseguia me lembrar da expressão “empresa fantasma”. Quase liguei para uma amiga psicanalista, mas, se fosse fazer isso com tudo o que esqueço, tinha de voltar para a análise todos os dias, depois de eu ter parado com o tratamento, décadas depois de começar. Eu me dei um “chega pra lá”. Se não melhorou até hoje é por que não é de análise que preciso, mas acho que de um pouco de felicidade, a que me deu quando gravei a novela. Então, voltei para casa e eu, que considero tudo chatíssimo, me deliciei assim mesmo armando um presépio para os meus netos, na casa que continua em obras.
*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries, além de peças de teatro. Também é cronista do Jornal do Brasil e autora do livr O Quebra-Cabeças (Imprensa Oficial, 2005), uma compilação de crônicas publicadas pelo jornal.
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