Ele é o cara da grana

As obras do que viria a ser a capital do Brasil faziam as vezes de quintal de casa, num tempo em que o horizonte se delineava entre os galhos tortos das árvores, para qualquer lado, a perder de vista. Gustavo Alberto Bouchardet da Fonseca cresceu entre buracos e andaimes do Plano Piloto em construção e a profusão de bichos e plantas do Cerrado.

Nascido em 1956, em Belo Horizonte, Minas Gerais, mudou-se para o projeto de capital quando ainda era um projeto de gente. O pai, dentista, sobrinho do então presidente Juscelino Kubitschek, seguiu para a Cidade Livre em Brasília, em 1957, para trabalhar no hospital dos construtores e integrar o Clube dos Pioneiros.

O Gustavo criança e adolescente tirou suas lições da imersão na fronteira econômica. Mergulhou na dualidade de “um sonho urbano de capital em meio a uma área bem virgem”, como ele define. O jogo de bola era ao lado de casa e, ao mesmo tempo, no meio do cerrado, driblando cobras e calangos.

O ritmo acelerado de uma Brasília novinha em folha – e do governo dos 50 anos em 5 – também enveredou pelo universo dos estudos e Gustavo entrou na faculdade bem cedo, aos 16 anos. Primeiro, Geologia, opção “de mais futuro”, na opinião do pai. Depois, em lugar de seguir da formatura para a Petrobras – como a maioria dos colegas -, desviou o rumo para a Biologia, sua paixão. Mais adiante, praticamente inaugurou o curso de especialização em Biologia da Conservação, na Universidade da Flórida, nos Estados Unidos.

Ainda jovem, Gustavo aprendeu a ousar, a valorizar a natureza e a converter planos grandiosos em realidade. Com isso, até hoje, tudo o que ele se compromete a tocar – como negociador, coordenador, cientista ou orientador – sai do papel para a vida com grandes chances de sucesso. Inclusive propostas consideradas impossíveis, quase delírios, como a divisão de Recursos Naturais do Global Environment Facility (GEF), atualmente chefiada por ele.

O GEF é uma instituição financeira independente, abrigada na sede do Banco Mundial, em Washington (EUA). Foi criado em 1991, na fase preparatória da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro em 1992, a Rio-92. Hoje, reúne 182 governos mais organismos internacionais, organizações não governamentais e setor privado, com o objetivo de criar e gerir fundos de financiamento a projetos relacionados a quatro convenções ambientais: Diversidade Biológica, Mudanças Climáticas, Combate à Desertificação e Poluentes Orgânicos Persistentes. Também contribui para projetos relacionados ao Protocolo de Montreal, de substituição de gases prejudiciais à camada de ozônio.

Em 20 anos de existência, o GEF alocou diretamente US$ 9,5 bilhões e levantou outros US$ 42 bilhões em cofinanciamentos para mais de 2.700 projetos realizados em 165 países emergentes ou em desenvolvimento. Além disso, viabilizou outros 12 mil projetos comunitários e de ONGs, no valor total de US$ 495 milhões.

Professor tarimbado
O portfólio de Gustavo Fonseca consiste em quatro áreas de financiamento: biodiversidade, águas internacionais, degradação de terra e desertificação e florestas. Juntas, somam US$ 2,3 bilhões a serem programados, entre julho de 2010 a junho de 2014, beneficiando a conservação ambiental em mais de 150 países. É, historicamente, a maior alocação já apropriada para esses temas, desde a criação do GEF, há 20 anos.

Discreto, hábil e competente, Gustavo ainda desenhou e moldou um programa dedicado à conservação de florestas e da biodiversidade, sem esperar pelo consenso mundial sobre o assunto. É como apostar, no presente, em alternativas empurradas para um futuro distante pela maior parte dos negociadores das convenções ambientais. Ele já arrumou um aporte adicional de US$ 250 milhões para o programa, além da promessa de mais US$ 750 milhões até 2014.

“Os primeiros US$ 250 milhões serão usados, agora, como incentivo para alavancar outros recursos, para um investimento total de US$ 1 bilhão para a geração conjunta de benefícios nas áreas de biodiversidade, redução de emissões associadas a desmatamentos, redução na degradação de solos e da desertificação”, explica.

Segundo Gustavo, por incrível que pareça, a parte mais difícil é gastar esses recursos. “Poucos países têm pessoal com capacitação para elaborar projetos de conservação”, lamenta. “O Brasil saiu de um grupo pequeno e fechado de ambientalistas e transformou sua capacidade com a qualificação de pessoal. Existe uma porção de jovens bombando nessa área. Dá para fazer muita coisa, embora a capacidade do governo ainda esteja emperrada. O governo se movimenta lentamente, falta transversalidade e diálogo entre os setores.”

Mesmo assim, o Brasil ainda é um país dos mais capacitados. A Índia tem uma capacidade similar e a China ainda está começando. Nos demais países, Gustavo precisa garimpar interlocutores e investir na formação de gente para gerir os projetos de conservação, com responsabilidade para com o patrimônio natural. “É complicadíssimo, faltam a eles desde instituições até mesa, computador, recursos para deslocamento e recepção de público, itens básicos”, observa.

Um tanto da tarimba necessária para circular com desenvoltura entre governantes, financiadores, cientistas, organizações não governamentais e comunidades, o Head de Recursos Naturais do GEF adquiriu, durante os oito anos à frente do Centro de Ciências Aplicadas à Biodiversidade (CABS, na sigla em inglês) da Conservation International, uma das mega ONGs com influência em políticas ambientais globais.

O CABS reúne especialistas em Biologia da Conservação e o que há de mais atual em Ciência e Tecnologia, para desenvolver planejamentos estratégicos para a conservação e construir parcerias bem azeitadas. Dali, saíram, por exemplo, relatórios técnicos considerados diretrizes para políticas ambientais e alianças práticas, como a celebrada entre a Conservation International e a Fundação SOS Mata Atlântica.

Entre outras ações, a Aliança para a Conservação da Mata Atlântica lançou os alicerces para o estabelecimento de corredores de biodiversidade, juntando os fragmentos do que resta dessa floresta no Brasil, de forma a melhorar a circulação da fauna silvestre e a proteção de espécies ameaçadas de extinção.

Já a veia de educador e a fé no poder da capacitação, Gustavo Fonseca traz da longa experiência como professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Seus cursos de Ecologia e Biologia da Conservação foram disputados entre 1985 e 2007 (quando assumiu o GEF). Mesmo ao se mudar para a capital norte-americana para trabalhar na sede da Conservation International, em 1998, ele manteve o compromisso de voltar periodicamente ao Brasil para dar aulas na universidade mineira.

Ainda agora, com a montanha de trabalho sob sua responsabilidade no GEF, mantém um pezinho na academia, de onde está apenas licenciado. Formou cerca de 25 mestres e doutores na pós-graduação da UFMG e outras 100 pessoas têm a sorte de colocar o nome dele no currículo, como professor ou orientador. Sem contar mais de cinco mil estudantes da graduação.

Para a mídia especializada, o biólogo mineiro é sempre o prumo, a razão. O homem que desata nós complicados, traduz a sopa de letrinhas com clareza e tem sempre notícias concretas em lugar de planos mirabolantes. É uma fonte de informação privilegiada para quem busca conteúdo, em um setor lotado de amigos dos holofotes, pavões e paraquedistas. Em resumo, como se diz entre jornalistas, Gustavo Fonseca é ouro puro.


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