Com aquele sorriso que haveria de enfeitiçar até a mais cruel das jararacas, Gloria Kalil sacode a tradicional pasmaceira das noitadas domingueiras da TV, levando a milhões de brasileiros, via Fantástico, a democrática promessa de estilo, elegância e bons modos para todos.

De 1996 para cá, quando lançou o arrasa-quarteirão Chic (Editora Senac, com mais de 300 mil livros vendidos), ela vem socializando amplamente a sua ciência do charme e – em um gesto de condescendência – faz acreditar que aquela “Deselegância discreta de nossas meninas”, de que fala Caetano Veloso, e também a de nossos meninos, esconde uma possibilidade afetuosa e não um problema insolúvel.

A fina e chique Gloria Kalil – figurinha carimbada da cena fashion, habituée de camarins e passarelas, ex-editora de moda da Editora Abril e ex-dona da grife Fiorucci no Brasil – não acha que ser fino e chique é um privilégio, e sim um aprendizado.

Santa padroeira dos desesperados do figurino, ela se dispõe, naquele jeitinho docemente crítico e incisivamente didático, a encarar desafios. Da mesma forma que o Corinthians – aquele da Democracia Corintiana, início dos anos 1980 – buscou nela um glamouroso antídoto contra a barbárie que reina no futebol, acontece com frequência de políticos e mais políticos fazerem fila à porta de seu informal consultório de estilo, na busca ansiosa de um up grade sartorial.

Vésperas de eleição, então, é uma romaria, que Gloria Kalil trata de dispersar com um polido, encantador, mas firme não. “Os três (candidatos à presidência) me procuraram”, diz ela. Preferiu ficar de fora. Ou quase. Porque aceitou aqui compartilhar com Brasileiros suas sugestões para conferir à paisagem humana da política brasileira aquela “ética do cotidiano” que está na raiz de sua pregação iluminista – “um novo código de comportamento pessoal e social em que a imagem não seja o início e o fim das coisas”, ou, em outras palavras: “Botar um recheio dentro daquelas criaturas que as roupas vestem ou despem”. Mesmo na política, Gloria Kalil acha isso possível.

Brasileiros – Existe um estilo por assim dizer eleitoral?
Gloria Kalil –
Existe, sim. Chegando a campanha eleitoral, os políticos e seus assessores percebem ainda mais claramente a importância que a imagem transmite, a questão da roupa e também da atitude. Ficam mais atentos à linguagem corporal. Um detalhe, um deslize pode ser fatal.

Brasileiros – Mas aquele sorriso forçado das fotos não pode sinalizar no sentido contrário? Não fica tudo muito careta, muito artificial?
G.K. –
Convencionou-se que o candidato deve passar essa simpatia sorridente. Repito: convencionou-se. Isso vem das campanhas americanas, desde o (John) Kennedy. Todo mundo sabe que há um código de gestos, expressões e ações a ser cumprido à risca. Eu aqui me pergunto se ainda vale, se não seria o caso de mudar e de inovar. Candidato sorridente, de manga de camisa arregaçada, carregando criancinha no colo e comendo pastel de botequim, sinceramente, não sei não.

Brasileiros – O repertório de estilo ficou velho, é isso?
G.K. –
Está para ser testado. Em vez de entrar em padaria, não seria melhor ir em uma lan house para checar o e-mail, dizendo: “Poxa, esqueci meu blackberry em casa…”.

Brasileiros – E a roupa? Político em campanha não se veste de forma muito convencional?
G.K. –
Você não quer que eles andem por aí de terno verde, quer? A sério, eles se vestem de forma careta não só nas eleições, são caretas o tempo todo.

Brasileiros – Vamos lá, o estilo Dilma Rousseff.
G.K. –
Acho que ela está pagando o preço por aquela coisa dificílima pela qual passou, que foi a doença. Está fazendo experiências demais no cabelo e no figurino, tem hora que aparece de babado, outra de terno, outra de tailleur. Compare as fotos recentes, em cada uma ela aparece diferente, dá impressão de que lhe falta estilo. Ela ainda não fixou uma imagem, o que traz um potencial perigo político. As pessoas não têm percepção muito clara sobre ela e sobre o discurso dela, a Dilma pode passar, pela imagem, a ideia de que não tem opinião própria.

Brasileiros – Marina Silva.
G.K. –
Dos outros dois, ela e o (José) Serra, dá para dizer que têm estilo. Enquanto se tem quatro ou cinco imagens diferentes da Dilma, você tem uma foto clara da Marina. Senti nela uma transformação, ao entrar na campanha, a maquiagem, por exemplo, e soube que tem gente ai à procura de um figurino novo para ela, mas ela será sempre aquela criaturinha discreta e frágil. Ela é evangélica, até por limitações ideológicas o figurino não irá ousar muito. Será assim: saias compridas, cabelo preso, maquiagem mínima.

Brasileiros – José Serra. Você diz que ele tem estilo. Mas a roupa não o joga para baixo? A postura? A atitude?
G.K. –
Ele é correto ao se vestir. Diria que, de um ponto de vista fashion, ele é neutro. Homem adora vestir cinza, não me pergunte por quê. É o clássico. Cinza, azul-marinho e cáqui. Aí, o toque de descontração, a piscadela brincalhona pode vir com a gravata. Mulher geralmente ousa mais. Eis aí o exemplo da Marta Suplicy. Ela tem estilo. Usa um cabelo armado e roupas de grife, mas com estilo. Outro exemplo: Nelson Mandela. Homem de estilo. Só um Nelson Mandela pode usar impunemente aquelas camisas étnicas que usa. Voltando ao Serra: terno cinza com camisa azul-claro ou branca, ok. Só acho que ele deveria dar um jeito naquelas olheiras, passam uma ideia de abatimento.

Brasileiros – Quer dizer, na política melhor acertar sem ousar que ousar sem acertar.
G.K. –
Na moda e também na política, o clichê funciona. Não tenho nada contra a repetição. Passa a informação, reafirma a imagem. Só acho que, de vez em quando, o clichê deve ser posto à prova. Porque alguma coisa pode ter mudado e você não se deu conta de que ficou para trás.



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