Um dos grandes trunfos do cinema nacional é a diversidade temática e estilística que nossos diretores imprimem aos seus filmes. Os dois últimos longas em competição do Festival Iberoamericano de Cinema de Sergipe (Curta-SE), Elvis & Madonna, de Marcelo Laffitte, e Um dia de Ontem, de Thiago Luciano e Beto Schultz, são exemplos dessa diversidade temática e de estilo.
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Elvis & Madonna lembra muito os primeiros filmes do diretor espanhol Pedro Almodóvar, com personagens exagerados, beirando a caricatura e sexualmente marginalizados, por quererem experimentar outras maneiras de prazer, que muitas vezes os levam a um fim trágico.
O dramaturgo americano Tennessee Williams, na maioria de suas peças (Um Bonde Chamado Desejo, Roma na Primavera, Noites de Iguana), foi quem melhor retratou essa aparente oposição entre desejo e morte. Quem não se lembra de uma das famosas frases da personagem Blanche DuBois, da peça O Bonde Chamado Desejo: “Desejo, o oposto a morte”. Mas quando entra a questão da busca pelo prazer, muitas vezes o desejo se aproxima perigosamente da morte.
A pulsação da vida, a gana de viver, está na busca pelo desejo, pois quem deseja está muito vivo, mas, paradoxalmente, aproxima-se da morte. O desejo leva a uma vida mais plena, mas também a uma vida mais arriscada. Por isso, nos primeiros filmes do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, a busca muitas vezes termina de forma trágica.
É nesse labirinto nebuloso e perigoso que vivem os personagens Elvis (Simone Spoladore) e Madonna (Igor Cotrim). Ela é lésbica e vive em conflito com a família, particularmente a mãe (Maitê Proença), que não aceita a escolha (o desejo sexual) de sua filha. Ele, um travesti que trabalha com cabeleireira e à noite, sonha em se transformar em uma grande diva, fazendo seus shows em casas noturnas. Esses personagens se cruzam e o resultado é uma relação nada convencional e pouco provável. As cores fortes, a violência e os desencontros estão presentes no filme de Marcelo, assim como na primeira fase dos filmes de Almodóvar. Mas Marcelo ama demais seus personagens para deixá-los totalmente à deriva, sem porto seguro. Pode ser que, por conta disso, algumas pessoas não gostem da solução que o diretor arruma para a história de amor.
Pela reação do público presente ontem à noite na sala Cinemark, o filme é o vencedor da Mostra Competitiva de Longas do Curta-SE deste ano. Apesar de sua empatia com o público e do seu tom alegre e otimista, a minha preferência seria para o filme Filhos de João – Admirável Mundo Novo Baiano, de Henrique Dantas, não só pela importância de resgatar um dos grupos musicais mais inventivos do nosso cenário musical, Os Novos Baianos, mas principalmente pela maneira eficaz e inteligente que o diretor manuseou seu material (entrevistas e imagens de arquivo), dando-lhe uma cadência precisa.
O segundo filme da noite, Um dia de ontem, dos diretores Thiago Luciano e Beto Schulz, foi prejudicado pelo passar das horas. O filme começou a ser exibido às 23 horas, depois da projeção de quatro curtas e um longa (a organização do Curta-SE vai ter que arrumar uma solução para isso!). Além disso, o filme de Thiago e Beto, com sua atmosfera muito sombria e parada, dificultou ainda mais. Excetuando essas observações, Um dia de ontem possui muitas qualidades. Vai na contramão de muitos filmes brasileiros, assentados na realidade das favelas, periferias e rincões de um Brasil profundo.
Sua singularidade maior é resultante da maneira barroca e intimista que imprime para narrar a história de um violinista (Caco Ciocler), que, quase surdo de um ouvido, vive suspenso, entregue às suas lembranças e sua inadequação com o mundo presente. Ele perambula entre antiquários, seu apartamento, suas apresentações em um “inferninho” e às ruas com suas prostitutas e seus desvalidos, sem encontrar um lugar seguro. Seu maior tormento encontra-se dentro da própria mente, contemplada pela culpa e inadequação da vida presente. Algumas cenas colocadas no filme, como, por exemplo, do encontro dele com uma prostituta na rua, nada servem à história e enfraquecem a sua narrativa. O filme é uma realização de um concerto inacabado, faltando aos seus diretores, adequar os “instrumentos” para que a “música” soe melhor para os ouvidos do público.
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