Em busca de uma nova ordem financeira internacional

Foto: Ricardo Stuckert/PR
JUNTOS CONTRA A CRISE
Presidente Lula, em foto oficial, entre os chefes dos países do G-20 reunidos no mês passado, em Washington

Dois grandes encontros de responsáveis de finanças e bancos centrais dos países membros do G-20 aconteceram durante o mês de novembro.

O G-20 foi criado em 1999, depois da eclosão de grandes crises financeiras em países emergentes, composto por ministros de finanças e presidentes de bancos centrais de 20 países considerados de maior importância para a economia mundial, em termos de produção – respondem por cerca de 85% do PIB do mundo -, e de participação nos fluxos de comércio e financeiros. Desde sua criação, o grupo tem sido usado como um fórum de exploração de idéias e para buscar consensos.

Formalmente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) permanece como instância para as discussões de assuntos monetários, cambiais e financeiros. Mas, diante do crescente questionamento que envolve a atuação do Fundo, o G-20 vem, aos poucos, assumindo um papel crucial nas discussões de longo prazo e de mudanças institucionais.
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Há mais de uma década, emergiu um debate acerca de uma possível reformulação da arquitetura financeira internacional. Por mais que o termo de novo tenha rapidamente passado a desgastado ou batido, o fato é que pouco se avançou na direção de uma regulamentação internacional que pudesse garantir maior segurança ou menos instabilidade aos mercados financeiros globais. A crise de agora ilustra essa morosidade muito bem…

Entre os principais pilares do debate está a preocupação em fortalecer os processos de ajustamento internacional. Isso passa pela definição de fontes mais ou menos seguras e sustentáveis de financiamento dos déficits em transações correntes dos países. Desde que ele foi criado, essa era uma tarefa do FMI, a quem competia, além da concessão de empréstimos de salvamento, estabelecer planos de ajuste aos países em desequilíbrio.

Em segundo lugar, vem a prevenção e solução de crises. Aí estariam em pauta mecanismos de regulação e supervisão internacionais capazes de evitar comportamentos arriscados demais, com potencial de comprometimento e contágio da economia mundial. Enfrentar esses problemas exigiria a discussão de um código de conduta, o estabelecimento de novos instrumentos de liquidez e, eventualmente, cláusulas para o funcionamento de mercados financeiros específicos.
Em seguida, vem o problema da governança do sistema monetário e financeiro internacional. Isso abarca questões como direitos de voto no FMI, cotas dos países membros, voz aos países mais pobres, e até a possível criação de outras instituições.

Sabendo disso tudo, compreende-se melhor a importância que tiveram as recentes reuniões do G-20 em São Paulo e Washington.

O primeiro encontro, em São Paulo, preparou a pauta de discussões para a cúpula de meados de novembro, na qual estiveram presentes chefes de Estado dos membros do G-20 e ministros da Fazenda. Saiu das conversas um conjunto de afirmações acerca da gravidade da crise e de boas intenções. Entre elas, a proposta de que o G-20 assumisse um papel mais incisivo na coordenação das ações contra a crise.

Do segundo encontro resultou um amplo documento formalizando posições extensamente debatidas pelo mundo todo, como a necessidade de atuação dos governos para reforçar a supervisão dos mercados, a ampliação do acesso aberto às informações, o estabelecimento de regras de conduta, propostas de adoção de políticas contracíclicas em casos de agravamento de crises e um reforço na atuação do FMI, em conjunto com o Fórum de Estabilidade Financeira (FSF, na sigla em inglês).

Países membros do G-20

  • África do Sul
  • Alemanha
  • Arábia Saudita
  • Argentina
  • Austrália
  • Brasil
  • Canadá
  • China
  • Coréia do Sul
  • Estados Unidos
  • França
  • Índia
  • Indonésia
  • Itália
  • Japão
    México
  • Reino Unido
  • Rússia
  • Turquia
  • União Européia (representada por sua presidência rotativa e pelo Banco Central Europeu)

Acima de tudo, importa ressaltar o discurso em favor de uma maior cooperação internacional para combater a crise e evitar outras. Na prática, vários bancos centrais de países ricos já estiveram fazendo isso de alguma maneira, especialmente entre os países da União Européia.

Criticou-se a falta de novidades e a reafirmação de consensos há muito evidentes por todos os lados. As medidas anunciadas seriam ações concretas de alguns países já postas em prática.

Ademais, as iniciativas para ampliar a regulação e o controle só podem prevenir novas crises, uma vez que o estrago global está feito agora.

E, por falar em estragos, a profundidade e duração ainda não completamente indefinidas da crise despertaram a sensibilidade internacional para a importância da cooperação, tanto que se fala claramente em retomar a negociação comercial no âmbito da rodada de Doha.

Pelo menos em 2009, vai faltar mercado para todos. Os países mais ricos foram e continuarão os mais afetados. O anúncio “oficial”, trazido a público nos primeiros dias de dezembro, de que a recessão na economia americana iniciou-se em dezembro de 2007, somado a outros indicadores desfavoráveis vindos da Europa, confirma a chegada dos tempos bicudos e reforça a importância de se encontrar saídas e restaurar a confiança.

BRETTON WOODS

As recorrentes referências a Bretton Woods nos últimos tempos parecem pressupor o termo, ou o local, como conhecimento de senso comum. Ao final da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1944, representantes de 45 países reuniram-se em Bretton Woods em New Hampshire, Estados Unidos, para discutir o que poderia ser uma nova ordem monetária internacional. O objetivo maior era o de criar uma ordem econômica estável e um ambiente de paz para o sistema capitalista a partir de então.

A configuração financeira mundial criada nos Acordos de Bretton Woods já sublinhava a estabilidade monetária e financeira como preocupação central. Assim, junto com uma regra cambial – os países definiam paridades fixas em relação ao dólar norte-americano que, por sua vez, era conversível em ouro -, foram criadas instituições responsáveis por zelar pela estabilidade monetária e financeira internacional, como o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O FMI foi concebido como um fundo de estabilização e tinha como tarefa fundamental socorrer os países em situações de desequilíbrio nos balanços

de pagamentos. Ele também poderia funcionar como um xerife, penalizando países que atuassem contra a estabilidade do sistema. Havia, também, uma preocupação em controlar os fluxos de capitais internacionais e evitar volatilidade excessiva.

Além do FMI, foram criados o Banco Mundial e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), com função de prover recursos de longo prazo e financiar projetos de desenvolvimento e foi lançado o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio).

O arranjo todo consolidou a hegemonia norte-americana na economia mundial e, ao mesmo tempo em que propiciava enormes vantagens ao dólar, fazia com que as políticas daquele país tivessem impacto sobre todos os outros. O modelo esgotou-se, pelo menos no que concerne ao equilíbrio monetário, já na década de 1970. Quanto às instituições multilaterais de Bretton Woods, a maior abertura financeira por todos os lados e as muitas crises financeiras trataram de apontar problemas em sua atuação, especialmente a do FMI.


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