Em terras lusitanas

Aguinaldo Silva é jornalista e escritor de inúmeros roteiros de filmes, minisséries, peças de teatro, livros e novelas para televisão. Escreveu, entre outras, Roque Santeiro, Tieta, A Indomada, Senhora do Destino e Duas Caras. Todas na Rede Globo e grandes sucessos de audiência no Brasil e em Portugal. De “férias” da televisão, ele está aproveitando esse tempo para lançar o romance policial 98 Tiros na Audiência (selo Contraponto da Editora Bertrand) em Portugal, o primeiro na terra de Fernando Pessoa. Sua relação com Portugal, aliás, está cada vez mais estreita. Há três anos comprou uma casa em Lisboa, onde, segundo ele, sente-se em casa. Sua intenção é, quem sabe num futuro próximo, mudar-se definitivamente para cá. Por enquanto, sua segunda morada funciona como um refúgio para quando quer se afastar um pouco do Brasil. De qualquer maneira, já deu entrada com seu pedido de documento de residência permanente no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Ele falou à Brasileiros antes do lançamento de seu livro, no dia 25 de março.

Brasileiros – Por que decidiu ter Portugal como segunda moradia?
Aguinaldo Silva – Eu vinha para cá com muita frequência e sempre ficava em hotel. Há três anos resolvi comprar e montar uma casa em Lisboa, para ficar mais à vontade. Queria um lugar onde pudesse passar uns tempos fora do Brasil. Cheguei a comprar um pequeno apartamento em Paris, mas lá me sentia um turista. Em Paris, se você não é francês, é sempre turista. Eu queria um lugar onde eu me sentisse em casa e descobri que em Portugal isso é possível. Apesar de algumas diferenças culturais, nossas raízes estão aqui, a gente se reconhece na comida, no idioma, no comportamento das pessoas.

Brasileiros – O livro 98 Tiros na Audiência já foi lançado no Brasil em 2006. Como aconteceu a parceria para o lançamento aqui?
A.S. – Escolhi uma editora daqui que fizesse parte do círculo do livro, que possuísse uma coleção de romances policiais, e mandei um e-mail perguntando se eles estariam interessados. Pediram para que eu levasse o livro para eles. Depois de uma semana me ligaram para assinar o contrato. Isso foi em novembro de 2008. Foi tudo muito rápido.

Brasileiros – Há intenção de lançá-lo em outro país da Europa?
A.S. – Será lançado na França, mas as coisas lá são mais demoradas. Parece que estão na fase de tradução, ainda não sei a data de lançamento, mas espero que seja ainda este ano.

Brasileiros – Além do livro, o senhor tem outros projetos em Portugal?
A.S. – Desde novembro passado estou desenvolvendo um trabalho que envolve a TV Globo, devido a minha exclusividade. Eu serei emprestado para um canal de televisão portuguesa para escrever uma novela. Eu ainda não posso falar qual o canal e nem em que pé estão as negociações.

Brasileiros – O que mais o senhor gosta de fazer em Lisboa?
A.S. – Além de ir às livrarias, gosto de flanar (caminhar), como disse Eça de Queiroz. Eu ando feito um condenado (risos) por esta cidade e cada escada, cada beco e cada largo são uma surpresa para mim, acho tudo lindo. Mas claro que também vou ao teatro, vejo óperas. Aqui há temporadas de óperas muito boas no Teatro São Carlos. Levo uma vida cultural muito intensa e também sempre vou a Paris, que fica a duas horas daqui.

Brasileiros – O senhor tem intenção de, em alguns anos, morar definitivamente em Lisboa?
A.S. – Talvez. Meu contrato com a TV Globo termina em 30 de julho de 2010 e confesso que, no momento, não estou muito inclinado a renová-lo, pelo menos seguindo os mesmos termos, que são sete anos de exclusividade. Acho que devo pensar muito antes de fazer isto. Se eu decidir não renovar, a minha intenção é vir morar aqui de vez.

Brasileiros – Caso não renove, o senhor aceitaria escrever novelas para outras emissoras, como a Record?
A.S. – É complicado, pois não sou, digamos, o que as pessoas chamam de bem-comportado. Tenho uma vida pessoal, tenho posições muito radicais em relação a determinados assuntos e não sei até que ponto isso poderia interferir na minha relação profissional trabalhando para uma emissora como a Record, que está atrelada a uma religião. Claro, as pessoas que trabalham lá têm de se submeter a isso. Mas eu sou um profissional, se a Record me convidar e deixar claro que não vai interferir no meu lado pessoal, tudo bem, não vejo problema algum.

Brasileiros – Qual é o seu processo de criação?
A.S. – Primeiro eu penso na história. Para mim, o importante em uma novela é a trama, depois eu penso nos personagens e dou os nomes. Os nomes devem ser marcantes. Só depois de tudo isso é que eu penso em atores.

Brasileiros – E quando pensa no elenco, a sua escolha é decisiva ou a opinião do diretor também é válida?
A.S. – Não decido nada sozinho. Muitos autores fazem questão de escolher o elenco, mas eu não, por um único motivo: quem vai trabalhar com os atores é o diretor. Escrever uma novela é uma longa viagem, assim como dirigir uma novela, e eu acho que o diretor tem o direito de escolher as pessoas com quem ele quer fazer esta viagem. Embora eu goste muito de alguns atores, se o diretor disser este aqui não, eu não insisto, pois acredito que o sucesso de uma novela não é só o texto, é um trabalho coletivo. Ela envolve texto, direção, produção, interpretação, edição e trilha sonora. Eu jamais diria que uma novela foi sucesso só por minha causa (risos), só os meus livros.

Brasileiros – Alguns atores já foram agredidos na rua por interpretarem vilãs. O senhor já sofreu esse tipo de agressão?
A.S. – Sim, quando estava escrevendo a novela Senhora do Destino. Estava saindo de uma livraria em Ipanema e fui abordado por uma senhora, que começou a dizer para eu tomar cuidado com o que escrevia, pois estava fazendo mal para as pessoas. Eu dei um sorrisinho, agradeci pelo aviso e tentei sair de fininho, mas ela teve um ataque de fúria e veio atrás de mim, começou a me xingar com palavrões, foi horrível.

Brasileiros – Apesar de não escolher o elenco sozinho, o senhor tem seus atores preferidos?
A.S. – Se você me perguntar qual o melhor ator de televisão do Brasil, respondo sem a menor dúvida: Lima Duarte. Adoro o Lima, já fizemos oito novelas juntos. Ele é a maior garantia de que as coisas vão funcionar. Tenho também o time de mulheres com mais de 50 anos que eu adoro, como Suzana Vieira, Renata Sorrah, Marília Pêra, Nívea Maria, Marília Gabriela, Beth Farias. São mulheres que eu desejo trabalhar sempre.

Brasileiros – E aqueles que jamais fariam parte de seu elenco?
A.S. – Tem alguns, sim. Mas não digo quem são (risos).

Brasileiros – As novelas brasileiras fazem enorme sucesso em Portugal. O que o senhor acha das produções portuguesas?
A.S. – De uns dois anos para cá, as novelas portuguesas evoluíram muito. O problema das novelas portuguesas era a dificuldade que os atores tinham em adaptar aquele tom naturalista de interpretação que a novela exige, que os atores brasileiros fazem de uma maneira maravilhosa. Acho que os atores mais novos conseguiram superar isso. Diria que elas estão no nível de novela das sete do Brasil.


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