Vinha pensando no carro, durante a viagem de volta de Pirassununga a São Paulo neste chuvoso final de tarde de quinta-feira, em escrever sobre a paisagem que encontrei na estrada – na verdade, uma grande avenida urbanizada de 150 quilômetros até Limeira, com conjuntos de prédios, fábricas, grandes depósitos, shopping centers e até universidades às margens das terras onde antes se plantava comida.
De Limeira pra frente, agora é só cana dos dois lados da rodovia, com uma ou outra ilha sobrevivente dos laranjais que já fizeram a fama da região. Bem, vinha pensando nisso, depois de passar dois dias fazendo uma reportagem na Academia da Fôrça Aérea, sem ouvir ninguém falar em crise, bolsa, dólar, Obama e MacCain, querelas da campanha municipal e todas aquelas notícias apropriadamente chamadas de enguiçadas pelo grande Tutty Vasquez.
Foi quando caímos na besteira de mudar o rádio de estação e caímos direto nas últimas notícias sobre o conflito entre policiais civis, em grave há um mes, e tropas da Polícia Militar, nas vizinhanças do Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, que deixou mais de 20 feridos. Os civis queriam falar com o governador José Serra na marra, mas ele não estava lá.
À medida em que o tempo passava, a coisa foi ficando mais feia porque no perigoso confronto entre as polícias, como era de se esperar, ora pois, os dois lados estavam armados.
De um lado, a PM com a cavalaria e a Tropa de Choque, que começou atirando balas de borracha e bombas de efeito moral, acertando quem estivesse pelo caminho, mesmo que fossem apenas transeuntes.
De outro, os grupos de elite da Polícia Civil: os temidos GOE (Grupo de Operações Especiais) e Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos), que não faziam questão de esconder suas armas. Sobre um carro de som traziam um caixão com foto de Serra e uma faixa: “Aqui jaz ex-futuro presidente”
Entre uma tropa e outra, não se viu a figura do secretário da Segurança Pública, Ronaldo Marzagão, que, teoricamente, manda nas duas polícias e poderia servir como um moderador diante do impasse. Em campanha salarial, os policiais civis reivindicam 15% de aumento; o governo oferece 6,2%.
Do Memorial da América Latina, onde se encontrava participando de um evento, o governador tucano José Serra mandou dizer que “com greve não há acordo”.
Serra trouxe a questão salarial para o campo político, acusando o PT, o PDT, a Fôrça Sindical e a CUT pela violência na manifestação.”Tem até líder do PT na Assembléia querendo tirar uma casquinha”, denunciou.
O presidente do PT de São Paulo, vereador reeleito José Américo Dias, contra-atacou: “O Serra está querendo, de forma oportunista, jogar nas costas do PT um problema que é dele”.
Não consegui entender ainda qual vantagem política, a 10 dias da votação do segundo turno, os partidos que apóiam Marta ou Kassab poderiam tirar da greve da polícia civil e do confronto com a PM, já que isso prejudica o conjunto da população.
Sem dar qualquer brecha para reabrir as negociações, Serra encerrou o assunto: “Negociar com arma na mão não dá”. Também acho. Mas cabe perguntar: por que se permitiu que a situação chegasse a este ponto, um mês após o início da greve? Estava todo mundo preocupado com outros problemas? Onde estava o Secretário da Segurança?
Entre avanços e recuos, a passeata de 2 mil policiais civis não conseguiu chegar às portas do Bandeirantes. Por volta das sete da noite, voltou para a praça Jules Rimet, em frente ao Estádio do Morumbi, onde a manifestação começou. Fariam uma assembléia para decidir os próximos passos do movimento, bem no momento em que escrevo este texto.
Lembrei-me de um episódio com o governador Milton Campos, grande figura da antiga UDN mineira. Ao ser comunicado que seu chefe de polícia estava pensando em mandar um trem com tropas para enfrentar uma greve de professores no interior, indagou, candidamente:
“Mas não seria melhor mandar o trem pagador?”
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