Encontro de mestres

Poty, Carybé, Portinari e Rogério Gomes “conviveram” durante 30 dias. O encontro dos grandes mestres da história da arte brasileira com o artista alagoano de arte contemporânea aconteceu em um espaço projetado por Oscar Niemeyer que, pela primeira vez, abriu as portas para uma exposição de arte: o Salão de Atos do Memorial da América Latina, em São Paulo.

A cidade imaginária de Gomes – uma instalação de 10 m² composta por 35 esculturas, batizada de Espaço Reconstruído – foi erguida entre os belos murais do acervo permanente. “Para preparar essa obra, vim para São Paulo diversas vezes e ficava ali, no Salão de Atos, observando. Eu tinha dois desafios: construir uma peça que teria de interferir no espaço de Niemeyer e dialogar com as obras dos grandes artistas que lá estão”, diz ele.
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Artista desde a infância em Anadia, no interior do Alagoas – quando a professora, Maria Anunciada, percebeu que o menino se expressava melhor por meio dos desenhos rabiscados no caderno do que em palavras -, Gomes tem hoje obras espalhadas pelo Brasil e o mundo, principalmente Frankfurt, onde morou, além de Paris, Roma, Londres, Portugal e Nova York. Já em Maceió, além das principais instituições, seu acervo está disponível em seu ateliê, uma bela e silenciosa casa de dois andares no bairro de Mangabeiras, próxima à praia. Lá, ele cria, recebe os amigos e abriga uma pequena coleção de peças de arte brasileira dos séculos XVII, XVIII e XIX. “Minha mulher é de Penedo, cidade alagoana histórica às margens do Rio São Francisco, e herdou os objetos das tias que viviam lá. Ela era a sobrinha preferida”, brinca.

Sua sólida formação em educação – graduou-se em Pedagogia, fez pós-graduação em Linguística e mestrado em Educação – e a vasta experiência de 30 anos em sala de aula refletem em seu trabalho, embasado pelo estudo e pela pesquisa. “Não sei viver sem pesquisa”, diz. Um exemplo são as calçadas desgastadas de sua cidade imaginária, no Memorial, que foram inspiradas no piso deteriorado do tradicional bairro de Jaraguá, em Maceió. “Estudei e fotografei as calçadas e a partir daí configurei o piso do meu trabalho”, conta ele, após dar uma extensa e deliciosa aula de história sobre a origem de Jaraguá. “Também há um pouco de denúncia. Quis mostrar o descaso político das autoridades em relação ao bairro”, completa.

Gomes vê uma estreita ligação entre educação e arte. “Ensinar tem um certo quê de arte. Você tem de fazer com que as verdades que está levando se consubstanciem como verdadeiras para quem está ouvindo e que acreditem que aquilo que estou mostrando é o melhor que posso dar em relação ao meu pensamento”, afirma.

A ampla bagagem cultural que Gomes carrega do alto de seus 68 anos começou a ser formada ainda na adolescência. Aluno de colégio interno – o pai, estatístico do IBGE, vivia viajando pelo Brasil -, ele teve alguns professores que marcaram sua trajetória: dona Maria Deônia de Barros, de português, que o apresentou para os livros de arte, e Lourenço Peixoto, de artes, que abriu as portas de seu ateliê. “A educação me indicou todos os caminhos”, afirma.

Como um bom estudioso, Gomes aproveitava as férias no Rio de Janeiro para aprender. Fazia cursos no ateliê de Ivan Serpa, mestre de nomes como Lygia Clark e Hélio Oiticica, colegas de turma de Gomes. “Não chegamos a ser amigos, mas lembro-me deles trocando ideias”, conta.

Gomes se define como neoconcretista e diz que se tornar escultor não foi algo planejado. “É como estar escrevendo um romance. Há um momento em que o personagem lhe conduz”, afirma.

O artista chegou a ter experiência com arte-educação, em 2004. Ele e mais duas artistas plásticas estabeleceram um ateliê na Comunidade do Verde, em Maceió, onde fundaram uma escola para 150 crianças de 3 a 15 anos. O trabalho durou cinco anos. “Chegou um momento em que era preciso que deixássemos de ser artistas para nos dedicarmos inteiramente à arte-educação”, afirma. “Acredito que fizemos grandes modificações na vida desses meninos”, completa. A exposição Espaço Reconstruído, que aconteceu em outubro em São Paulo, tem a previsão de ir para o Rio de Janeiro, Recife e Salvador neste ano.

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