Entre a guerra e o futebol

Escrevo essas linhas em Istambul. Trinta anos se passaram desde minha última visita. Muita coisa mudou nesse tempo, mas o essencial continua o mesmo. Por exemplo: uma das características mais divertidas da cidade são os bares e restaurantes no topo de prédios. Nesses terraços, tem-se visão magnífica do Bósforo, da Hagia Sophia – a basílica tornada mesquita e agora transformada em museu –, da Mesquita Azul – na minha opinião a mais bela do mundo – e de toda a urbe. Talvez, o melhor local para apreciar esse cenário seja o restaurante 360.

Como o nome indica, o que se tem é uma panorâmica de 360 graus. Noto que à beira do Mar de Mármara está plantada a construção mais iluminada da noite de Istambul. Pergunto ao garçom o que vem ser aquilo. Ele me diz que é o quartel general do Exército turco. Imediatamente me vem à cabeça que essa dedicação de tantos quilowatts parece perigosa. Especialmente num país que anda às turras com a Síria. É como se tivessem colocado um alvo sobre a instalação militar.

Mas em seguida me ocorre que, depois que inventaram o Google Maps e o Google View, nada está escondido nesse mundo. Além disso, os pilotos sírios sabem muito bem onde fica o tal quartel da nação vizinha. O duro para eles será chegar perto daquele ponto. Vão continuar bombardeando a população civil em seu próprio território.

Saio pelas ruas perguntando aos turcos se eles acham que vai ter guerra entre seu país e a Síria. O pessoal xinga o presidente sírio, Bashar al-Assad, mas não acredita que o pau vá comer no duro.

“Eles bombardeiam uns pontos da fronteira, mas não são loucos a ponto de declarar guerra. Já estão com as mãos cheias combatendo rebeldes. Imagine se tiverem de enfrentar nossas forças armadas e, de quebra, também a OTAN. Nós fazemos parte do Tratado. O Assad cairia em menos de uma semana”, diz Yasemin Güler, dona de um café em Istiklal Caddesi – a famosa rua de comércio na cidade nova (nova só no nome, pois já morava gente ali dois mil anos atrás).

As respostas sobre a guerra – que chegou até ser anunciada na imprensa ocidental – são pequenas variações do que disse Güler. Imediatamente, os homens, pelo menos, passam para o assunto que os preocupa mais: o que aconteceu com o meia Alex, o brasileiro ídolo do maior time local, o Fenerbahce? Os turcos ergueram uma estátua para o craque, para em seguida o ver renunciar ao contrato e fugir para o Brasil.

Confesso que não sei muito sobre esse Alex, mas ninguém acredita. Pelo visto, creem que todo brasileiro é profundo conhecedor do craque. Para me deixarem em paz, inventei que o cara pirou. Que está com o miolo mole. Parece contentar meus inquisidores. Alguns, porém, ficam com raiva. Um careca que me esfregava na sauna Çemberlitas passou da limpeza à surra de criar bicho. Apanhei feito boi ladrão, após diagnosticar a insanidade do Alex. É claro que essas abluções em banhos públicos turcos são vigorosas. Mas experimentei uma cena saída do MMA. Aliás, outro assunto muito ao gosto dos turcos.

Saí da Çemberlitas todo quebrado, mas numa limpeza comparável à de uma UTI. Acordei no dia seguinte gemendo em contra-voz aos cantos dos Imans chamando para a reza nas mesquitas. Foi daí que me ocorreu a ideia: caso haja mesmo uma guerra contra a Síria, a jogada é pegar o Assad, mandá-lo para a sauna, dizer para o careca que o líder sírio foi responsável pela saída do Alex da Turquia. Vai ter, no mínimo, encenações de certos trechos do filme Expresso da Meia-noite (veja no Google ou no YouTube).

Depois dessa, passei a dizer que sou paraguaio. Pelo que sei, não tem nenhum craque guarani empolgando a galera turca.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.