Tudo começou despretensiosamente há dois anos, quando ela decidiu configurar seu MySpace, site de relacionamento bastante utilizado por músicos e bandas interessados em divulgar seus trabalhos. Sem ainda saber muito bem o que queria, publicou: “Cantora, compositora e desenhista. Interessa-se por gravações em campo, texturas, ruídos, bordados e cantigas de ninar”. Foi o suficiente para Tulipa Ruiz se dar conta de que o que vinha fazendo em casa, na companhia do pai, Luiz Chagas, guitarrista que acompanhava Itamar Assumpção, e de seu irmão Gustavo Ruiz, também guitarrista da banda Dona Zica, era coisa mais séria do que imaginava.
Ser cantora, para ela, ainda não é algo tão fácil de assumir, mas não teve mais jeito, sua carreira começou a deslanchar naturalmente. É dona de uma linda voz, sutil e delicada, características também expressas em suas composições, canções e em seus desenhos pops, feitos no paintbrush do computador.
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Tulipa, agora aos 30 anos, sai para a noite paulistana acompanhada de sua família e amigos. Seu “bando” é composto pelo pai e irmão na guitarra; Duani Martins, na bateria; Márcio Arantes, no baixo; e Dudu Tsuda, no teclado – quase a mesma formação que acompanha a cantora Mariana Aydar. Para ela, criar a banda foi um passo muito importante para a cristalização de seu repertório, além de ter sentido o peso do trabalho em equipe, em que cada peça faz a diferença: as projeções, o técnico de som, a luz e os desenhos.
Tulipa passou a infância e a adolescência em São Lourenço, pequena cidade mineira do circuito das águas, onde ficou até os 21 anos. Foi para lá muito pequena com a mãe, Graziella Ruiz, e o irmão. Viviam rodeados dos discos do pai, que a mãe fez questão de levar com ela quando o casal se separou, já pensando na formação dos filhos. Na pequena cidade mineira, trabalhava em uma loja de discos e costumava deixar lá mesmo todo o seu salário, aumentando sua coleção. Enquanto não sabia ao certo o que queria, ficou em São Lourenço, perto dos amigos, do trabalho e dos sons que curtia.
O irmão, Gustavo, um ano mais novo que ela, veio antes para São Paulo, tentar a vida, vestibular, carreira. Foi morar com o pai, que sempre enviava suas matérias sobre a cena musical, para eles – além de músico, Luiz Chagas é jornalista e colaborador da Brasileiros. Quando Tulipa chegou a capital paulista, dois anos depois, em 2000, o diálogo musical entre pai e filho já estava formado. Ela, que pela natureza e história de vida já tinha um forte elo com a música – ainda quando pequena, passou por aulas de canto, de coral e teve contato com o lado menos rock’n’roll da coisa, um incentivo da mãe -, rapidamente se encaixou com a música dos homens da casa e, assim, passaram a tocar juntos, em família.
Sempre muito unidos, os dois irmãos cursaram a mesma faculdade de Comunicação e Multimeios, na PUC-SP, estudaram na mesma sala e formaram um grupo de amigos que virou banda, a Tungudune. Foi a primeira banda de Tulipa, ainda sem repertório próprio, criada mais como uma diversão entre amigos. Enquanto isso, em casa, também surgiam parcerias, tudo sempre misturado. “Meu pai tinha muitas músicas guardadas que estavam ali, quietinhas, esperando para serem defendidas por alguém”, diz Tulipa. Os filhos, então, colocaram a mão na massa e saíram em defesa do sangue musical. Assim, surgiu a Pochete Set, banda composta por ela, Luiz Chagas, Gustavo Ruiz, André Bedurê e Gustavo Souza.
Paralelamente, Tulipa entrou para o Na Roda, banda que marcou a sua carreira por ter sido seu primeiro contato com a música fora do universo familiar. “Foi aí que me dei conta de que a música existia também fora de casa”, conta.
Apesar de suas experiências dentro e fora do lar, a música ainda era secundária na vida da garota, que cursava comunicação e trabalhava como jornalista, assessora de imprensa e no que mais pintasse na área. Até que os primeiros shows começaram a rolar, os programas de rádio, as gravações e os ensaios foram tomando o horário comercial.
Somente neste ano ela deixou de bater cartão para se dedicar totalmente à música e ao desenho. Saiu da casa do pai e foi morar com seu irmão em um charmoso apartamento com desenhos e discos espalhados pelos cantos, no bairro da Bela Vista. Ainda não consegue viver da música, mas sim das encomendas de ilustrações para livros infantis, capas de discos e projeções de desenhos para shows de outros artistas.
Tulipa está ansiosa para lançar seu primeiro álbum, que já teve a pré-gravação feita em um estúdio improvisado num quartinho de seu apartamento. O disco, provavelmente, sairá do forno no começo de 2010. Ela não vê a hora de viajar em turnê com o show, mas, enquanto isso não rola, segue aperfeiçoando a voz e o repertório. Cita como principais influências sua mãe (por seu gosto musical), seu pai, Ná Ozzetti, o grupo Rumo e Itamar Assumpção, além das cantoras Joyce, Gal Costa, Joni Mitchell e, de quebra, Manoel de Barros e Yoko Ono.
No palco, Tulipa é performática, seu show é forte, oscila entre a chamada MPB intimista e o rock psicodélico em altos decibéis. Mas ela não gosta destas definições e prefere chamar o que faz de “pop florestal”, que “pode ser tudo e não tem uma cara quadrada”.
Tulipa faz parte dessa atual onda de músicos brasileiros que, além da não definição de estilos e da abrangência de gêneros, utilizam a internet para mostrar o seu trabalho. É por meio desta ferramenta que ela divulga seus shows e se comunica com outros músicos – um passeio pelo MySpace pode ser uma viagem musical sem fim. “Hoje em dia rola um movimento interessante na internet, que é uma espécie de teia colaborativa em que não param de brotar novos músicos”, conta a cantora, que está formando a sua rede de amigos músicos e vem aparecendo cada vez mais na cena musical paulistana. Grande parte desses novos músicos está envolvida em projetos paralelos, produzem e trocam músicas entre si, se interligam e colaboram uns com os outros.
Neste ano, Tulipa se apresentou em um show em homenagem à Gal Costa, na Galeria Olido, em São Paulo, além de ter feito uma temporada de um mês no Grazie a Dio!, na Vila Madalena. Fora isso, percorre a noite paulistana em apresentações esporádicas no Studio Sp, em festas e eventos abertos, fazendo participações em shows de amigos, levando e trocando sua musicalidade, com músicos da nova geração como Tatá Aeroplano, Leo Cavalcante e Gero Camilo.
O seu próximo show será no dia 18 de setembro na FNAC do Shopping Morumbi, em São Paulo. Entre seus desenhos para livros infantis, capas de discos e cartazes de shows, ela compõe novas músicas, que, apesar das alucinantes guitarras, lembram cantigas de ninar, pelas doces letras, como em A ordem das árvores e Só sei dançar com você. A maioria das 12 canções que ela apresenta nos shows é de autoria sua ou de seu pai, algumas poucas de outros compositores, como a última que incluiu em seu repertório, Da maior importância, de Caetano Veloso. Mesmo que a vida de cantora demande um ritmo frenético e madrugadas viradas em São Paulo, ela ainda preserva a alma de boa mineira e sempre que pode foge para o mato.
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