Entre o riso e a dor

A morte do ator Robin Williams, aos 63 anos, nessa segunda-feira, por suicídio, se comprovado, é exemplar do quanto o verniz de felicidade imposto pela indústria do entretenimento está longe da realidade da vida de muitos artistas. A história do meio mostra uma lista infinita de exemplos de que fama não traz só alegria. Pior, acaba por isolar as pessoas e a provocar tragédias. São notórios os casos de Marylin Monroe, Kurt Cobain, Amy Winehouse e Michael Jackson. O que surpreende no caso de Williams foi que, enquanto exteriorizava sua capacidade rara para fazer comédias e levar multidões às gargalhadas, vivia atormentado em uma estrada sem volta do vício por drogas pesadas, que potencializou uma depressão gravíssima. Basta lembrar a refilmagem de A Gaiola das Loucas e Uma Babá Quase Perfeita como exemplos disso.

Mas um grande comediante só convence de seu talento quando é capaz de fazer tão bem papéis dramáticos. E é por isso, principalmente, que Robin Williams será lembrado. Se tivesse feito apenas Sociedade dos Poetas Mortos e Retrato de Uma Obsessão, o ator já teria garantido a imortalidade do cinema. Lançado em 1989 e dirigido pelo australiano Peter Weir, o primeiro conta a história de um professor de poesia nada ortodoxo, de nome John Keating (Williams), que trabalha em uma escola preparatória para jovens, a Academia Welton, na qual predominavam valores tradicionais e conservadores – a partir de quatro grandes pilares: tradição, honra, disciplina e excelência. O professor, então, por meio de seu talento e sabedoria, incita a subversão e, pela poesia, inspira os seus alunos a perseguir as suas paixões individuais e tornar as suas vidas extraordinárias.

Robin Williams faz a diferença nesse papel inesquecível, que levou o filme de Weir a ser cultuado pelas duas últimas gerações de jovens, indicado inclusive como atividade paradidática em muitas escolas brasileiras e de vários países. Em seu caráter libertário, o mestre interpretado por ele faz crer que, a certa altura da vida, as pessoas, em especial os jovens, deveriam opor-se, contestar, gritar e sobretudo ser “livres pensadores”, e não deixarem que ninguém condicione a sua maneira de pensar. Por outro lado, ele também ensina esses mesmos garotos a usarem o bom-senso nessa transformação. O filme é marcado por citações de grandes nomes da literatura de língua inglesa, como Henry David Thoreau, Walt Whitman e Byron, e de belas imagens metafóricas. Seu sentido é de que se deve aproveitar e gozar ao máximo a vida, porque tudo dura muito pouco.

O ator que emocionou na pele do médico Patch Adams não deixou dúvida sobre a sua multiplicidade de talentos para interpretar ao protagonizar o assustador Retrato de Uma Obsessão, do diretor Mark Romanek. Ele fez Seymour Parrish, um solitário funcionário de uma loja de revelação de fotos em 1 hora que se revelará um psicopata, ao tomar contato com a família Yorkin, uma das clientes de sua empresa. Ele desenvolve uma estranha obsessão por seus membros a partir das fotos que revela. O ator está tão impressionante no papel que assusta o espectador apenas ao se olhar no espelho. Como supostamente um anjo da guarda, ele acompanha bem de perto suas vidas, através dos filmes que eles levam para serem revelados. Porém, se de um lado do balcão Sy sabe de cor até o endereço onde eles moram, fora dele é conhecido apenas como o cara das fotos. Estabeleceu, assim, um dos mais bem construídos e marcantes personagens do cinema.

Há quem prefira lembrar de Robin Williams por Bom Dia, Vietnã, um bem intencionado e patriótico filme americano, que envelheceu com o tempo, pela sua pieguice, principalmente. Mesmo assim, tudo que restou de bom se deve a seu papel como locutor de rádio nos campos distantes de uma guerra suja no sudeste asiático. Ao dar bom dia aos soldados, todas as manhãs, o irreverente locutor sempre abria um sorriso imenso, como se quisesse levar a todos eles alguma esperança de tornar aquele inferno suportável. Foi o que Williams fez na maioria de suas comédias por toda a vida: tornar a vida real um pouco mais suportável.


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