Vira e mexe, Mino Carta deixa a pintura – mas a pintura não deixa Mino Carta. Trata-se de uma relação, digamos assim, recalcitrante, dessas que lembram tormentos e delícias do amor, mas o que importa é que o pintor que hiberna em Mino Carta tem novamente o que oferecer, em mostra na Ricardo Camargo Galeria, de São Paulo, com incentivo (“Doce pressão”, diz Mino) e curadoria de Valdemar Szaniecki, a partir de 15 de agosto.
O pintor que o jornalista muitas vezes ofusca, diria mesmo sufoca, em sua combativa, insistente e frequentemente solitária cruzada contra a mediocridade ambiente e contra o bando de cretinos que é a elite do poder, a nossa, mas também a de outras paragens, bem, o pintor costuma deixar o proscênio em prol do militante do Iluminismo, o articulista de opinião e de coragem, embora o Mino dos pincéis disponha de currículo de fazer inveja a muito artista consagrado por aí.
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Nascido em Gênova, Itália, Mino já aos 14 anos buscava a intimidade da tela e do óleo sob a orientação de seu pai, Giannino Carta, professor de História da Arte. Em 1954, duas de suas telas fizeram, a convite do crítico Sérgio Milliet, companhia a Portinari, Pancetti, Tarsila, Volpi e Rebolo na exposição Paisagem do Brasil, sinal de que Mino se aclimatara rapidamente à terra que escolheu adotar – e diante da qual ainda hoje alterna humores à primeira vista discrepantes, mas que trazem a coerência do desencanto crítico, porém afetuoso. Felizmente, existe um Mino Carta para não deixar a gente tolamente se iludir com a gente mesmo.
“Por duas vezes, ao longo da vida, encostei a palheta, sempre por motivos estritamente pessoais”, conta ele. O primeiro jejum durou de 1960 até 1974 e deve-se a Pietro Maria Bardi, “o professor Bardi”, criador e diretor do Museu de Arte de São Paulo, o rebatismo das tintas de Mino Carta.
Lembro-me dele, na época diretor de redação daquela Veja que os leitores não só viam mas também liam, no fragor das batalhas contra a censura e no calor daqueles fechamentos épicos, que varavam a madrugada – um Mino Carta sereno, mesmerizado pelos crepúsculos dos arrabaldes que se descortinavam de sua janela, sorvendo inspiração para figurações que, no entanto, nunca cederam à tentação do estrépito cromático dos trópicos, sempre guardando o pudor sombrio de cenários d’além-mar.
Essa mostra na Ricardo Camargo Galeria quebra o segundo jejum de Mino Carta, que vinha durando 15 anos. Reúne trabalhos de 1995 e 1996, sempre reiterando o compromisso figurativo do artista, originalíssimo, mesmo quando se submete a citações de Francis Bacon e de Giorgio Morandi ou lembra uma ou outra fantasmagoria de De Chirico (um De Chirico a quem tivessem apagado a luz).
As figuras se apresentam lúgubres, nem sempre nítidas, mas não chegam a ser espectrais, pois vêm impregnadas de desejo, o que as constitui, fortemente – e também porque o Mino Carta dos pincéis não consegue se desvincular do outro Mino Carta, o das palavras, no que diz respeito ao humor, próximo do sarcasmo, e à ironia que não poupa nada e ninguém, sequer a si mesmo.
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