Bem usada, a palavra pode fazer o sexo ganhar corpo em uma página impressa. Sapho, Sade, Anaïs Nin e James Joyce são alguns exemplos de grandes escritores que se aventuraram pelas aberturas carnais para criar literatura de alta voltarem. Considerados obscenos em seu tempo, acabaram enaltecidos pela crítica e assimilados pelo mercado, que hoje abocanha fortunas vendendo o sadomasoquismo light de E.L. James e Sylvia Day.
Se tal sucesso representa uma diluição da arte de Henry Miller, Dalton Trevisan e (boa) companhia, também deixa espaço para livros com potencial para amolecer os sentidos e levantar o ânimo de leitoras e leitores mais exigentes.
São narrativas em que, ao contrário dos blockbusters do erotismo, o sexo não está atrelado a nenhum tipo de sentimentalismo romântico. Saído há pouco do forno, Pornô Chic (Biblioteca Azul, 280 páginas), com três das famosas histórias licenciosas de Hilda Hilst é um deles. A edição é caprichadíssima, com ilustrações originais de Millôr Fernandes e Jaguar e também das talentosas Laura Teixeira e Veridiana Scarpelli, além de textos críticos que esclarecem a inusitada mudança na carreira da escritora. Tida como uma das maiores do País, Hilda era pouco lida e isso a incomodava muito. Sua resposta aos que a achavam hermética foi tornar sua literatura mais penetráveis por assim dizer. Lançado originalmente em 1990, O Caderno Rosa de Lori Lamby, em que descreve com todas as tintas as aventuras sexuais de uma menina de 8 anos, chocou até seus amigos, muitos deles escritores e críticos.
Em seguida, na mesma toada em que se misturam erudição, sacanagem explícita, humor escatológico e sarcasmo contra as instituições literárias, vieram Os Contos D’Escárnio e o divertido Cartas de um Sedutor – este com a relação incestuosa entre irmão, irmã e pai, além de outras variações inesperadas do nobre esporte. A imaginação da autora não tem concorrentes e a riqueza verbal, imagética e sonora de seus textos, de um barroquismo jovial, é enorme.
Numa outra ponta do estilo literário, bem mais minimalista, surgiu, este ano, Tudo o que Eu Pensei, mas não Falei na Noite Passada (Hedra, 168 páginas). A autora, jovem, usa um pseudônimo: Anna P.
É um livro de palavras inteiras, não há eufemismos nem metáforas – se tiver alguma frase poética, é porque escapou sem querer.
Há constantes repetições, que funcionam quase como a representação gráfica do sexo, com suas muitas esfregações e mudanças de posição. Os elementos são sempre os mesmos: baixo e alto ventre, pés, mãos, dedos, um canto de cama, eventualmente um par de algemas. O importante é o impulso. O ponto de vista é o da mulher a narradora que se entrega totalmente em busca dos orgasmos mais completos.
Seus parceiros vão de A a Z, nos nomes e nas práticas. A primeira parte do livro é exclusivamente dedicada a chupadas e trepadas, sem mais. No meio, surgem umas cartas curiosas, sugerindo que ela foi abusada pelo pai e negligenciada pela mãe, e que teve um marido por nove anos, do qual se separou depois de tentar, sem sucesso, um casamento aberto. Invertendo os papéis preconcebidos, ele é o choramingas, que quer discutir a relação, em termos afetivos e psicanalíticos. Ao final, uma série propositalmente opaca de aforismos, a maioria ironizando o desinteresse sexual dos homens. Anna P. é amoral e feminista até o talo. Este é um dos livros que a Hedra está editando no gênero, em coleção com belas e sugestivas capas, que inclui obras de Oscar Wilde e o Marquês de Sade.
Professora ninfomaníaca
Um pouco abaixo em termos literários, Tampa (Rocco, 320 páginas) de Alissa Nutting, ainda assim apresenta uma prosa acima da média – e pode surpreender lubricamente algumas leitoras. Como o tratado explícito de Anna P., trata-se de um romance sem medo de ser feliz. Livremente baseado na história real da bela professora americana (Debra Lafave) que foi presa por ter seduzido um de seus alunos adolescentes, o livro também deixa os maridos em má figura. No caso, ele surge como um troglodita caricato, que gosta de umas bombadas rápidas, para depois virar-se e roncar.
Nossa (anti?) heroína guarda verdadeiro desprezo por aquele sujeito com quem trocou anéis no altar. Sua libido efervescente está totalmente voltada para os alunos ainda imberbes na escola em que dá aulas. E, com sua beleza estonteante, não será difícil fazer com que um deles vença a timidez e se atire em seus braços… e pernas.
O romance provocou discussões acaloradas e chegou a ser banido em algumas cidades da Austrália. Tanta propaganda só aumentou o interesse por essa pequena joia de safadeza escancarada.
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