Entrevista com Thomaz Gollop

Para entender um pouco melhor a questão da legalização do aborto no Brasil, a Brasileiros conversou com Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA) e que esteve no seminário na AASP, na sexta-feira (dia 15). Gollop é também livre-docente em Genética Médica pela Universidade de São Paulo (USP), professor Adjunto de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, além de coordenador do GEA.

Brasileiros – Você defende o aborto como opção ou somente em casos extremos como a anencefalia, por exemplo?
Thomaz Gollop –
Eu acho que não se trata de uma defesa propriamente dita e sim de você considerar que em todos os países do mundo a interrupção da gravidez é um dado de realidade. Portanto, a minha preocupação como médico é que essa deixe de ser a quinta causa de mortalidade materna, ou seja, nós temos mortes de mulheres em função de aborto malfeito. E esse é o cerne da questão do ponto de vista tanto do direito como da medicina.

Brasileiros – O objetivo é transferir o problema para a esfera da saúde pública?
T.G. –
Isso. Por isso nós defendemos que essa questão deixe de ser uma questão do direito penal e passe a ser uma questão da sociedade como um todo e da saúde pública.

Brasileiros – Com a falta de informação e educação no Brasil, a liberação do aborto não poderia provocar um problema de banalização no País?
T.G. –
Nenhuma mulher engravida e consequentemente aborta por esporte. Métodos anticonceptivos falham, as pessoas têm relações sexuais sem estar devidamente protegidas, você tem situações em que relações afetivas se desfazem. Existem N situações em que você tem gestações indesejadas em um determinado momento da vida e isso precisa ter um atendimento digno. Essa que é a questão.

Brasileiros – Em sua opinião, a Igreja pode ser um “inimigo” para se alcançar esse objetivo?
T.G. –
A Igreja tem uma posição fechada e circular. Ela não permite o uso de preservativos, ela não permite o uso de anticoncepcionais e ela também não permite a interrupção da gravidez em nenhuma circunstância. O problema é o seguinte: nós precisamos reconhecer que 70% da população brasileira é católica. Entretanto, nós temos um milhão de abortos por ano, e entre essa população que interrompe a gravidez existem inúmeros católicos, que usam preservativo, que divorciam, que usam outros métodos anticoncepcionais, que casam pela segunda vez e ainda assim se dizem católicos. Agora, existem os católicos que seguem todos os dogmas da Igreja, e eles devem ser respeitados. O que nós não aceitamos e a sociedade civil não deve aceitar é a Igreja ditar o que toda a população brasileira deve fazer. Aí é que em tese deveria haver a separação nítida entre Estado e Igreja.

Brasileiros – Muitos abortos ainda são feitos em clínicas clandestinas? Quais são seus principais riscos?
T.G. –
De um milhão, provavelmente 999.980 são feitos em clínicas clandestinas. O problema é que entre as clínicas clandestinas, existem as sofisticadas e as muito ruins. Se você for olhar O Crime do Padre Amaro (livro do escritor português Eça de Queirós), você vai ver uma situação em que se interrompe uma gravidez em uma condição péssima. Existem nas grandes metrópoles do País, clínicas altamente sofisticadas. Debaixo da clandestinidade se escondem todo tipo de clínicas, das muito ruins até aquelas que têm similaridade com hospitais privados. Agora, é clandestino porque, como dissemos aqui, a lei é ineficaz e porque, na verdade, você penaliza com prisão. Quase nenhuma mulher é presa por conta de aborto e, por outro lado, você tem uma lei que não funciona pois as pessoas não respeitam a lei e fazem interrupção do mesmo jeito.

Brasileiros – Se houvesse uma mobilização por parte da sociedade civil para esse assunto, o processo de legalização seria acelerado. Vemos ONGs e grupos como o GEA debatendo esse assunto, mas a sociedade civil ainda não faz parte dessa luta. Por quê?
T.G. –
Olha, eu tenho várias formas de responder isso. Nós vivemos uma época na história do Brasil, da década de 1990 para cá, em que a sociedade brasileira é amorfa. Você tem todo tipo de corrupção no País, afrontamentos à Justiça, um integrante do legislativo que diz que quer que a população se lixe. Então, na verdade, você querer uma mobilização em um momento em que o grosso da sociedade olha e não reage à afronta que lhe é feita é um esforço hercúleo. Nós estamos fazendo uma coisa bastante inédita, que é um evento conjugado entre médicos e advogados. Isso é uma coisa que ocorre muito raramente no Brasil, e nós estamos conjugando médicos, advogados e cientistas, que também não é pouco. A Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), que nos recebe, tem 220 mil cientistas. Estamos iniciando um programa de capilarizar essa discussão na sociedade civil, e estamos trabalhando nisso há dois anos, que é tempo por um lado, mas pouquíssimo por outro. Na verdade, estamos obtendo os primeiros resultados, mas é um trabalho grande a fazer e o Brasil é um país tão grande. Já fomos ao Rio de Janeiro, Recife e agora vamos a Brasília, onde vamos procurar discutir com o Legislativo. Estamos desempenhando nossa função dentro do que é possível.

Brasileiros – Você acha que, em um futuro próximo, esse objetivo pode ser alcançado?
T.G. –
Se eu não acreditasse nisso eu não estaria despendendo um esforço enorme. Os alvarás judiciais se popularizaram no País por conta de um trabalho que foi feito em uma mínima instituição, que foi a nossa. O primeiro, que foi dado em 1993 em São Paulo, foi solicitado pelo Instituto de Medicina Fetal, que é onde eu trabalho.


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