Envelhecimento da população: falsas premissas

O envelhecimento populacional é um tema subdimensionado por grande parte dos economistas. A despeito de o Brasil envelhecer em ritmo acelerado, o debate público mantém-se refém de apenas um aspecto desse fenômeno, a saber, a questão previdenciária. É difícil ainda para muitos economistas alcançarem a complexidade da nova dinâmica demográfica quando abordam outros temas. A interdisciplinaridade do envelhecimento da população é uma arapuca para os economistas que se posicionaram distantes das Ciências Sociais e restringiram a sua atuação a um mero desafio quantitativo.

A discussão atual sobre as desvinculações das receitas da União é um exemplo, em particular, no que tange à Educação. Os economistas estão viciados em uma premissa falsa: como o Brasil terá menos crianças, devido à queda na taxa de fecundidade, é injustificável a manutenção do investimento (de recursos orçamentários) nessa área nos patamares atuais. Os economistas também costumam concordar com outra premissa. Esta pior porque, além de completa ausência de consistência empírica, é desumana. Ela afirma que o investimento em ensino de adultos ou alfabetização de adultos deve ser abandonado porque tem “taxa de retorno baixa”.

As duas assertivas formam um consenso entre economistas de várias escolas. No entanto, como afirma Barry Eichengreen, “não é porque os economistas concordam que eles estão certos”. Primeiro porque as duas premissas são conclusões de um ponto de vista estritamente (no sentido aqui de estreito, limitado) fiscalista. Segundo porque cometem o erro vulgar de posicionar a atuação do Estado parelha a da iniciativa privada, portanto, a Educação passa a ser submetida a uma taxa de ROI (retorno sobre o investimento). É legítimo afirmar que esta visão despreza o principal objetivo do Estado, a coesão social, em benefício de uma espécie de lucro (ou superávit primário).

Essas duas premissas estão erradas simplesmente porque o Brasil sucateou o seu sistema educacional. Se por um lado, alcançamos uma quase universalidade no ensino fundamental (embora o acesso à escola nos últimos 50 anos não tenha se dado ao ritmo desejado), por outro lado – e isto não deveria ser novidade para ninguém -, a qualidade do ensino brasileiro é péssima em todos os níveis. Isso significa dizer que a redução quantitativa de crianças dificilmente permitirá ao país reduzir o investimento em Educação.

Estão nascendo menos crianças no Nordeste, por exemplo, no entanto, ainda encontramos na região escolas sem mesas, sem cadeiras, sem professores, sem nenhuma tecnologia em pleno século XXI.As universidades brasileiras, por pressões orçamentárias, estão impossibilitadas de pesquisar. Acredito até que, neste caso, é bastante proposital para valorizar ainda mais os diplomados em universidades do exterior que demonstram grande interesse no mercado nacional – mas esse já é tema para futuras reflexões.

Outro aspecto a desacreditar essas premissas, talvez o mais relevante, é que o envelhecimento populacional soma-se a um momento da evolução histórica capitalista denominada de Quarta Revolução Industrial. Uma etapa a exigir uma educação cada vez mais sofisticada. Nos Estados Unidos, o país de ponta da inovação, apenas 3 em cada dez trabalhadores são necessários para produzir todos os bens que os norte-americanos consomem e os outros sete dedicam o tempo de trabalho a pensar, planejar, elaborar como as coisas serão feitas. O grande desafio é que, nessa economia do conhecimento, o avanço tecnológico não se constituiu em melhoria do bem-estar e a carência educacional, ao lado do envelhecimento da população, ampliou a desigualdade social.

Se este retrato dos Estados Unidos, onde a qualidade da educação é bem melhor do que a brasileira, causa espanto, como podemos aventar a possibilidade de que o Brasil possa ter um futuro, como sociedade envelhecida, se o parâmetro para redução de investimento em educação for apenas a quantidade de alunos? Temos professores qualificados para essa nova educação exigida para essa nova economia? Os países envelhecidos erradicaram o analfabetismo em torno de 50 anos antes de envelhecerem e o Brasil ainda mantém uma taxa de analfabetismo absoluto de quase 10% e funcional perto de 20% na véspera de se tornar uma sociedade envelhecida (estamos com 13,7% da população com mais de 60 anos, enquanto a ONU considera 14% para definir uma sociedade como envelhecida).

Enquanto uma das maiores tendências mundiais suscitadas pela longevidade é a educação continuada, apenas 20% dos brasileiros (2010) completam o ensino fundamental (9 anos de estudo). O idoso brasileiro tem, em média, 4,8 anos de estudo (2014).Logo, o Brasil precisará investir ainda durante muito tempo em educação de adultos. É um erro assumir, como muitos economistas o fazem, que o investimento na Educação de Jovens e Adultos (EJA) é destinado a uma população idosa sem chances de voltar ao mercado de trabalho (daí a conclusão de que o ROI é baixo). O Brasil precisa acabar com esse cinismo.

O EJA é a única saída para a sociedade se redimir do erro de não ter ensinado na idade certa. Devido à alta evasão escolar, jovens de 15 anos estão no EJA. Podem ter a chance de melhorar sua empregabilidade, seus salários. Uma visão fiscalista nega essa oportunidade – embora os mesmos economistas que a defenda preguem a “oportunidade igual para todos”. Nega também o direito – humano – de poder aprender a ler em qualquer idadecomo determina aLei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Além de ignorar o fator econômico que é um idoso alfabetizado em uma sociedade com mais idosos, mesmo que estes estejam fora do mercado de trabalho. O envelhecimento da população ensina aos economistas que nem tudo deve ser medido pela régua da produtividade. Ou melhor, pelo menos da forma que ela sempre foi medida antes de o mundo envelhecer.

* Professor convidado da Universidade de São Paulo (EACH), PUC-SP e FESP-SP, mestre em Economia Política (PUC-SP).

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