Ninguém conseguia entender o que estava acontecendo com o Suzano. Os jogadores eram bons, eram ótimos, mas o time não passava do sexto lugar no campeonato nacional de vôlei. Então, os diretores chamaram o psicólogo Jacob Pinheiro Goldberg* para injetar ânimo nos atletas. Em pouco tempo, o time chegou ao primeiro lugar e se sagrou campeão. Seus principais jogadores foram convocados para a seleção brasileira. Goldberg aplicou, nos papos com os atletas, os conceitos da imagética, ainda pouco conhecida no Brasil e da qual ele é um dos raros estudiosos por aqui. Assim como tornou atletas, a imagética também pode tornar políticos vitoriosos. Um exemplo é Barack Obama. A convite da Brasileiros, Goldberg analisa os três candidatos à presidência da República à luz da imagética. “Ela é o inverso do marketing”, explica ele. O que já é um bom começo.

Brasileiros – Eu acho que essa eleição presidencial está dois a um: Lula e Dilma contra Serra. Você concorda?
Jacob Pinheiro Goldberg –
Eu talvez fosse até mais longe, aproveitando a sua perspectiva e diria que na realidade é de três contra um. Porque, embora a Marina pareça andar em raia própria, na verdade ela quase que disputa com a Dilma a condição de herdeira de Lula. Em um viés do inconsciente, ela acaba consagrando a herança do Lula e por intermédio dessa consagração nos últimos dias, na hora final, no momento em que o eleitor for depositar a cédula, existe a possibilidade de que esse eleitor acabe fazendo opção pela Marina.

Brasileiros – A Dilma está apoiada no mestre, no guru em que Lula se tornou. Isso enfraquece ou reforça a candidata?
J.P.G. –
Nós vivemos a chamada era da imagética. O que é isso? É o momento da prevalência da imagem sobre a palavra. Da aparência sobre a essência. Da entonação sobre a convicção. O Lula é na política brasileira aquele que sucede a nossa tradição sociológica do mistagogo. O mistagogo nós sabemos que é uma somatória de profeta, de místico, de um gênero de conselheiro, aquele que faz a anunciação divina por meio do eu todo poderoso, do eu onipotente, que é o papel do Lula. Então, é o místico e o demagogo, aquele que arrebata as massas pela paixão. E por meio da identificação. “Eu sou um de vocês.” “Vocês estão em mim.” Então, é uma simbiose.

Brasileiros – Lula lembra alguma personagem histórica ou bíblica?
J.P.G. –
Bíblica. Ele mesmo já reportou. O próprio Lula já teve um momento em que se identificou com Jesus. Ele fez essa identificação. E é a identificação do dadivoso. Esse otimismo, essa permanente celebração… Isso tem caráter sacrossanto. Algumas pessoas estão impressionadas com as pesquisas, dando oitenta por cento ou mais ao Lula, mas não tem nada de perturbador nisso. Nós nunca tivemos na presidência da República alguém com a loquacidade do Lula. O Lula é verborrágico. Nem Marina, nem Serra têm esse papear que cria o jogo de intimidade que no Brasil é associado à ideia de transparência. Agora, nesse aspecto, a Dilma também não tem.

Brasileiros – Mas a vantagem dela…
J.P.G. –
…É que ele fala por ela.

Brasileiros – Então, ela tem o poder de trazer o Lula de volta se for preciso um conselho, por exemplo?
J.P.G. –
Inclusive, o que eu acho que está sendo conchavado, em minha opinião, é passar para o eleitorado que o papel do Lula vai ser o do superego, vai ser o papel do primeiro-ministro. Ela vai ser a rainha. Da Inglaterra. E ele, o próprio ministro.

Brasileiros – E isso é bom?
J.P.G. –
Para ela, é bom. Se conseguir passar isso… É uma garantia para o eleitor de que existe a continuidade.

Brasileiros – Lula é Getúlio?
J.P.G. –
Getúlio Vargas era considerado o pai dos pobres. Acontece que o Lula ultrapassou Getúlio nesse aspecto, porque ele é o pai e a mãe. A ideia de “bolsa”, por exemplo, sempre foi associada a uma proteção materna. Quem carrega bolsa é mulher. Mas foi ele quem deu a Bolsa Família, a Bolsa Escola…

Brasileiros – O que parece é que, enquanto a aprovação do Lula continuar alta, Dilma também vai subir.
J.P.G. –
Se aparecesse um candidato de oposição forte, mas que realmente disputasse com o próprio Lula essa eleição, a história seria outra. Mas o que acontece é que nós estamos trabalhando aqui em um clima fantasmático-ficcional. Ou seja: o candidato verdadeiro é o Lula. Dilma é simplesmente o que se pode chamar de factótum, é o indivíduo que está fazendo as vezes dele. A grande armadilha do Serra, na minha opinião, era disputar com a Dilma. E ele está entrando nessa armadilha.

Brasileiros – Ele não quer disputar com o Lula?
J.P.G. –
E é exatamente o contrário que ele tem de fazer.

Brasileiros – Isso mostra que ele está mais fraco que Lula, não quer medir forças com ele…
J.P.G. –
Exato. Eu me lembro que Serra disse que Lula está acima do bem e do mal.

Brasileiros – Ele escorregou?
J.P.G. –
Ele ficou numa condição estranha…

Brasileiros – Se Lula está acima do bem e do mal e diz que Dilma é a melhor…
J.P.G. –
Ele é ela, e ela é ele.

Brasileiros – Tem soberba no perfil do Serra?
J.P.G. –
Acho que fica vizinho à soberba. O que é muito sério em um país em que hoje a soberba é associada à ideia de uma oligarquia que está perdendo paulatinamente o poder e inclusive está se desmoralizando perante a afluência das classes emergentes. As classes que foram mantidas abaixo da linha da pobreza durante décadas ou séculos no momento em que descobrem que têm a legitimidade de direitos, a soberba fica impossível de ser aceita. A sociedade brasileira hoje não aceita nenhuma atitude que lembre um conceito de complexo de superioridade. A Dilma em determinado instante ficou perto de correr esse risco quando insistiu na imagem da gerente administrativa, competente, que poderia vir a lembrar Meryl Streep em O Diabo Veste Prada. Qual era o carisma da Meryl Streep? A mulher acima dos erros, a mulher que enfrenta o universo masculino do poder, não dá satisfações e é imperial. A formação da Dilma é de tecnóloga, e o tecnólogo tende a ficar em um bunker de sabedoria, que tem a pretensão de um saber que não é do leigo. E isso é inadmissível em uma sociedade democrática aberta, em que impera a internet. Não vai mais haver saber oculto no universo da internet.

Brasileiros – O passado dela, para o brasileiro mediano, é positivo ou negativo?
J.P.G. –
O passado dela na guerrilha tem para o brasileiro mediano dois aspectos contraditórios e os dois merecedores de atenção. O primeiro: se a oposição consegue insinuar ou sugerir que isso tem relação com o crime, será prejudicial a ela. Associando a ideia da guerrilha política à ideia do crime. Porque se existe hoje uma quase unanimidade, é a necessidade de vigiar e punir o crime. O inimigo da sociedade hoje é o bandido, muito mais que o corrupto.

Brasileiros – A Marina tem uma carga mística também, como o Lula, sem a mesma popularidade, é claro…
J.P.G. –
É muito curioso, porque nessa eleição, na verdade, nós temos dois mistagogos.

Brasileiros – Ela quer ser o Lula?
J.P.G. –
Ela quer ser o Lula. De saia. De qualquer maneira. Ela quer herdar no patético do inconsciente social brasileiro a ideia da presença do divino. Ela está usando agora um anel com o nome de Jesus…
Na eventualidade de nessa eleição ela se encaminhar mais para o campo da emoção, ela começa a ser uma candidata paritária, em condição de disputar com os outros dois. Vai depender só de sair do campo partidário para o campo da emoção. Ela fica no tripé do Lula e da Dilma. Parece que ela é a terceira perna. É um pato manco, porque incômodo, desconfortável. Tenho certeza de que, a essa altura, a Dilma faria qualquer negócio para retirar a Marina.

Brasileiros – A Marina incomoda mais que o Serra?
J.P.G. –
Nesse momento, sem dúvida nenhuma. Aliás, o Serra nesse momento é o opositor ideal. Serra é um candidato paulista. Serra é o candidato de 1932. Não por acaso, Dilma tem a origem política dela no Rio Grande do Sul, ela não era PT, era PDT, ela era Brizola. Ou seja, o sentimento gauchesco que lidera uma espécie de coalizão anti-São Paulo. E isso vai pesar nessa eleição.
Se psicologicamente ficar São Paulo versus Brasil, nós sabemos qual será o resultado. E a Marina é outra que não é São Paulo, é Amazônia.

Brasileiros – Marina não passa imagem frágil, por ser magra demais?
J.P.G. –
No aspecto da consciência, essa argumentação é esmagadora. No aspecto do inconsciente, é exatamente o inverso. Não se esqueça de que o Brasil é um país de carências. Então, a tendência é se identificar com o magro e com o frágil. Agora… Não sei se eu digo isso…
Vou dizer sim: a Marina corre contra o preconceito que é contemporâneo, muito forte, só que é tabu, ninguém está falando disso. Acontece que a psicologia tem de falar daquilo que ninguém fala. Ela é feia.
Em uma sociedade que faz permanentemente apologia da beleza física.

Brasileiros – Por que alguns políticos, até mesmo tucanos dizem que a eleição poderá ter um turno só?
J.P.G. –
Se ao invés de Dilma ficar colada no Lula, Lula ficar colado nela, ela começar a ter voo próprio, ela ganha essa eleição no primeiro turno, porque aí, sim, ela mergulha em uma história pessoal que tem todos os elementos para se transformar em uma história de grande carisma. Porque ela tem esses recursos…

Brasileiros – A guerrilheira?
J.P.G. –
A guerrilheira.

Brasileiros – Qual é a imagem da guerrilheira?
J.P.G. –
Eu acredito que no momento histórico e social que o Brasil vive hoje, uma candidata que fosse absolutamente identificada com o conceito de guerrilha, não seria eleita. Porque a sociedade brasileira tem esperança de opulência e uma sociedade que tem esperança de opulência não se associa com a guerrilha. Mas ela pode se associar com alguém que se opõe ao establishment, que foi o caso de Barack Obama nos Estados Unidos.

Brasileiros – Por que o País está mais empolgado com a Copa que com as eleições?
J.P.G. –
Qual é o espírito do tempo que existe hoje no Brasil? É um espírito do tempo pronto para a ferveção.

Brasileiros – O que quer dizer isso?
J.P.G. –
Você conhece a palavra ferveção. E os três candidatos estão indo na contramão da ferveção. Ferveção é Lula. Lula é ferveção. Lula é hiperativo. Se Lula estivesse em uma escola convencional brasileira, os professores chamariam os pais e mandariam Lula para um psicólogo. A própria Marisa quantas vezes tem pedido: “Sossega leão, vamos embora para casa”. E o homem não sossega, a gente sabe disso. Tanto é que, de vez em quando, ele baixa no Sírio Libanês. Não dorme. É hiperativo, sempre foi hiperativo. Então, o que acontece? Em um País que vive nesse clima, que é de mobilização, exasperação, eu chego ao êxtase, que é a ferveção, os candidatos estão frios. Eles não falam, eles não brigam, eles não discutem, eles estão recolhidos.

*Doutor em Psicologia, psicólogo, advogado, assistente social, professor e escritor. Conferencista convidado – University College London Medical School – Uniwersytet Jagiellonski e Uniwersytet Warszawski (Polônia) – Universidade Eotvos Liorand (Budapest-Hungria) – University of Leicester (Inglaterra) – Hebrew University of Jerusalem – École des hautes études en sciences sociales – (Paris) – USP – PUC-SP – PUC-Campinas – Universidade de Brasília – UNESP – Mackenzie. Deputy-chairman – Middlesex University South American Advisory Board (2000).



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