Escravo dos fatos, desejos à parte

Demorei a entrar no Balaio hoje porque viajei para Pirassununga, no interior paulista, onde passei o dia fazendo uma reportagem sobre a Academia da Fôrça Aérea que forma os nossos pilotos militares. Entre os 100 novos oficiais aviadores que se formam em dezembro, há apenas uma mulher – e é ela, a cadete Malta, a bela personagem central da história que vou escrever para a próxima edição da revista do Bradesco.

Só agora, quase sete da noite, consegui abrir meu computador portátil e tomei um susto quando vi que já havia 446 comentários no post sobre as eleições municipais que publiquei ontem. Meu susto foi ainda maior quando dei uma rápida passada d’olhos no que os leitores escreveram e notei a crescente radicalização de posições em várias latitudes a partir dos últimos acontecimentos na campanha eleitoral em São Paulo.

Antes de falar sobre o que consegui ler, já que nunca tinha recebido antes tal volume de comentários desde que escrevo na internet, gostaria de prestar mais uma vez alguns esclarecimentos aos caros leitores sobre o meu trabalho.

O repórter não escreve sobre aquilo que ele gostaria que tenha acontecido ou está para acontecer. Escravo dos fatos, deve ser fiel apenas a eles, relatando o que sabe a partir das informações de que dispõe, das conversas mantidas durante o dia, da sua intuição e da experiência adquirida durante o tempo.

Muitas vezes sou obrigado a escrever sobre fatos que me desagradam e até contrariam meus desejos. Mas é este meu ofício. Basta dar uma olhada no meu perfil publicado aí do lado direito do Balaio para saber qual é o meu lado, o que fiz na vida, quais minhas preferências.

Quem me acompanhou nas colunas que escrevi no iG desde abril e agora neste Balaio que entrou no ar faz pouco mais de um mês, sabe que sou são-paulino, mas quando meu time joga mal sou obrigado a criticar o futebolzinho fraco que tem apresentado este ano.

Sabe também que sou um dos raros blogueiros que declarou seu voto ainda no primeiro turno quando escrevi que sou Marta em São Paulo, mas votaria em Dito Machado, em Porangaba, porque meu título é de lá (aliás, meu candidato ficou em terceiro lugar, o que apenas demonstra que minhas preferências não influenciam ninguém, ainda bem)

Seria muita pretensão de um repórter querer determinar o rumo dos acontecimentos, embora alguns colegas ainda acreditem nisso. Como diziam os antigos, tenho um nome e uma trajetória a zelar e não vou queimar meu filme por conta de mais uma rotineira eleição municipal.

Os comentários e previsões que aqui faço procuram apenas contar ou antecipar ao leitor temas que possam ser do seu interesse – e, claro, cada um pode concordar ou não com o que escrevo e é para isso que mantenho sempre aberto o espaço para comentários.

Quem escreve todo dia, e às vezes várias vezes por dia, pode acertar ou errar e nem por isso é movido por segundas ou terceiras intenções, para beneficiar ou prejudicar quem quer que seja.

Um profissional de imprensa vive da credibilidade que adquiriu ao longo da sua carreira e é este o maior patrimônio que tenho. Pensei que não precisaria repetir aqui novamente estas questões de princípio que sempre nortearam meu trabalho, mas como há novos leitores chegando a cada dia me senti na obrigação de prestar este esclarecimento.

Vamos aos fatos. Temos uma situação claramente definida, segundo as pesquisas, fora da margem de erro, em São Paulo e em Belo Horizonte neste segundo turno, enquanto os dois candidatos permanecem em situação de empate técnico no Rio de Janeiro.

Os números podem variar de uma pesquisa para outra, até porque as metodologias são diferentes, mas o cenário é este. Ninguém irá votar ou deixar de votar num candidato em função das pesquisas e das análises feitas a partir delas por jornalistas das mais diferentes origens e tendências. Podem não gostar daquilo que escrevo mas ninguém vai me obrigar a escrever aquilo que não penso.

O novo rumo tomado pela campanha de Marta Suplicy em São Paulo – com o qual não concordo, como já escrevi aqui -, levantando questões sobre a vida pessoal do seu adversário, Gilberto Kassab, despertou nos leitores de todo o país um balaio de preconceitos e rixas, antes limitados à já habitual guerra entre tucanos e petistas.

Agora, além da preferência partidária, coloca-se em debate a sexualidade alheia e o bairrismo de todos contra São Paulo e vice-versa, deixando de lado a discussão sobre o que realmente interessa: planos e projetos para melhorar a vida das nossas cidades onde há disputa no segundo turno.

Eu não estou interessado em provar a ninguém que estou certo ou tenho razão sobre qualquer coisa aqui escrita. Ao contrário, acho muito boa a polêmica despertada pelos textos publicados sobre os mais diferentes assuntos, assim como sou grato aos leitores que dedicam seu tempo a participar dos debates no Balaio.

Só peço, mais uma vez, que cada um respeite a opinião do outro, sem ofensas e preconceitos para que todos possam manifestar livremente suas opiniões. Eleição é apenas uma eleição para escolher nossos prefeitos. Qualquer que seja o resultado, ganhe quem ganhar, depois do dia 26 a vida continua.

Tive um dia pesado de trabalho hoje e agora vou encontrar meus amigos que já foram para o bar faz tempo. Posso ser escravo dos fatos, mas não quero ser mais um escravo da internet. Trabalho porque gosto do que faço e também porque ainda preciso pra pagar minhas contas, como o Tinoco, aos 88 anos.

Por hoje é só. Antes, porém, queria agradecer a mensagem do leitor Lourival Gomes de Oliveira, que mandou este comentário para meu post de ontem sobre a rádio Saudade FM 100.7:

“Hoje é dia do professor e sem querer você me deu um ótimo presente. Estou ouvindo a rádio Saudade FM em São Paulo pela internet. Muito obrigado”.

Valeu, Lourival. Ganhei o dia.


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