Esperando Godot

Uma das coisas mais chatas que existem na vida é esperar. Na fila do banco, com uma senha na mão; na fila do avião, aguardando o furacão Irene decidir se passa ou não passa; ao telefone, ao ligar para o plano de saúde, ouvindo musiquinhas tenebrosas ou dialogando com uma gravação – nada de gente em carne e osso do outro lado da linha. Máquinas desligando o telefone na sua cara. Quem criou essas máquinas insuportáveis não tinha a menor educação.

Gente, que mundo chato! O mundo virou uma enorme sala de espera, independentemente do lugar em que você esteja. O tráfego acabou, né? Porque ninguém pode chamar de tráfego uma fila de carros que não anda. O tráfico, este sim, ficou muito mais rápido. Os traficantes estão sempre de olho. Não deixam passar uma dica para se movimentarem para lá e para cá.

Hoje, além de ter de sair de casa umas três horas antes, se quisermos chegar à Barra na hora marcada, ou quatro, para chegar a Petrópolis, descontando-se 50 minutos para achar o celular perdido em algum lugar da casa, voltar para pegar a chave de casa, que havia esquecido, e, finalmente, entrar no carro com um suspiro de felicidade – como um turista que larga todas as obrigações de lado -, até o tráfego gargalhar do nosso otimismo e encalhar na primeira esquina.

Antigamente, “o mundo girava e a Luzitana rodava”, como dizia o anúncio. Qual nada. Os carros agora se transformaram em pequenos sofás, onde se pode ler um jornal, um livro ou até mesmo um dicionário de A a Z, com os mais variados vendedores batendo na janela, inclusive assaltantes. Só cotias, macacos e pererecas é que são felizes, correndo pelo campo protegidos pelo Ibama, graças a Deus. Mas carros e ônibus continuam ilhados sem ninguém que os proteja de nada. E quando conseguimos engatar a primeira, lombadas nos obrigam a parar novamente, batendo o fundo do carro como lambadas nos escravos.

Meu Deus do céu! Quando eu era pequena, levava uma hora do Rio até Petrópolis, e as únicas coisas que apareciam no caminho eram o perfil magnífico da serra, com seus narizes e queixos compridos, o “russo” – apelido que os petropolitanos deram à neblina -, e as bicas d’água, nas quais se bebia ouvindo o som das cachoeirinhas, até a parada obrigatória no Bar do Alemão, para comer croquete.

Acho que não é à toa que estão descobrindo novos planetas, pois nesse aqui não cabe mais ninguém! Então, resolvi sair o menos possível de casa e, de preferência, à noite. O primeiro convite que tive para esse novo estado de espírito foi ver um show da Mariana de Moraes e do Paulinho Lima, com uma banda maravilhosa, no Largo de São Francisco, onde levei um susto ao ver que aquela praça linda está caindo aos pedaços: sem luz, cheia de lixo e mendigos fumando crack. E, além disso, o teatro João Caetano todo reformado em estilo “neo-acredito”!

Não tenho medo de andar pelas belas ruas do Rio, mas, desta vez, só relaxei mesmo quando a Mariana de Moraes começou a cantar com aquela voz divina que Vinicius lhe deu, ajudada por um incrível repertório.

No dia seguinte, pintou uma exposição nas salas hoje vazias da linda ex-fábrica Bhering, perto da Gamboa. Fiz as pazes com as “instalações” que antes achava chatas. Vi algumas superinteressantes, seguidas por músicas no mesmo estilo, às quais resisti quando entrei, até engrenar no espírito da coisa. Tão bem instalada e absolutamente indecifrável, que faz com que um Andy Wahrol, que eu amo, por exemplo, se transformasse em um careta do século retrasado!

*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries, além de peças de teatro. Também é cronista do Jornal do Brasil e autora do livro O Quebra-Cabeças (Imprensa Oficial, 2005), uma compilação de crônicas publicadas pelo jornal.


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