Diversão e engajamento. Esses dois ingredientes, aparentemente díspares, levaram o paulistano Franco Reinaudo à militância dos direitos dos homossexuais da cidade de São Paulo. Líder da CADS, a Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Social – criada em 2005 pelo então prefeito José Serra, para defender direitos essenciais da comunidade LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros) da cidade de São Paulo -, Reinaudo começou a se envolver em causas sociais ao fazer parte do núcleo que conseguiu, em 1999, a oficialização da Parada Gay na cidade de São Paulo. O evento excede, hoje, a casa dos três milhões de participantes, segundo dados da Spturis, e chega a ser irônico pensar que Reinaudo correu muito para não apanhar da polícia nas primeiras edições ilegais da marcha.
Ex-dono de uma agência de turismo GLS, Reinaudo também foi presidente da Associação de Empresários Gays de São Paulo e da Sociedade Brasileira de Turismo GLS. Chegou à CADS em 2009, e celebra conquistas: “Ganhamos muita visibilidade internacional. O Rio foi eleito a cidade mais gay e São Paulo a mais friendly do mundo”. Acostumado com desafios diários, dramas reincidentes e muito abandono social, Reinaudo considera o órgão uma entidade atípica, pois não atende a uma única demanda, como saúde, trabalho, moradia ou educação. As pessoas que procuram a CADS precisam de um tratamento básico em todas essas frentes: “Parecemos uma miniprefeitura onde as pessoas buscam, acima de tudo, cidadania”, sintetiza. Com uma estrutura enxuta, mas com muito apoio civil e público, Reinaudo comemora a conquista de duas rubricas próprias no Orçamento Municipal, o Programa de Combate à Homofobia e o Programa Social para a Diversidade Sexual, que ajudam a institucionalizar os direitos essenciais para a população LGBTT e, muitas vezes, dão foco prioritário a travestis e transexuais “… os últimos da fila social”, segundo Reinaudo, que nos recebeu na sede do CADS para este bate-papo sobre temas caros à comunidade, como a repressão à violência e a educação contra a intolerância.
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Seis anos de CADS – “A gente não pode reclamar, porque não tínhamos nada. Lógico que queremos resolver o problema de todo o mundo, e a ainda há muito por fazer, mas melhoramos muito. Algo muito importante que temos feito são trabalhos de pesquisa como o Mapa da Homofobia, que teve boa repercussão, georreferenciou todos os atos violentos ocorridos na cidade, e concluiu que a maior concentração ocorre na região central, o que também possibilitou mensurar algumas necessidades dessas vítimas. Criamos também um núcleo de produção e formação de conhecimento, com pesquisas acadêmicas, como o TCC O Peso do Desejo, que também mapeou a violência no centro, e outro dedicado a retratar a difícil realidade de transexuais e travestis idosos.”
O Kit Gay e o combate à intolerância por intermédio da sensibilização – “Pretendemos lançar, em setembro, o programa Diversidade Vai ao CEU. A ideia é que a gente fale para três importantes públicos – professores, alunos e comunidades locais -, em uma série de atividades aos fins de semana. Fizemos uma análise com a Polícia Civil e, tempos atrás, a maioria dos agressores tinha o perfil de grupos neonazistas. Hoje, são garotos de classe média – como os do caso da lâmpada, na Avenida Paulista – e é temerário quando começam a pautar a discussão dessa forma estreita. Esse papo de que o tal kit gay vai ensinar os filhos das pessoas a ser homossexual, esse tipo de discurso raso. Quando fazemos o que chamamos ‘sensibilização contra o preconceito’, as pessoas mudam. Lembro que fizemos um trabalho para uma associação de turismo e, enquanto falávamos, uma camareira de hotel começou a chorar. Ela morava em um lugar simples, na favela, e o vizinho dela, quando descobriu que o filho de 13 anos era homossexual, martelou a mão do menino com uma marreta. A comunidade toda aprovou a atitude do pai, ela inclusive. Quando ela, ao nos ouvir, percebeu que aquilo não era uma escolha, que não era pecado, que não era coisa do demônio, como algumas religiões até chegam a pregar, ficou com uma sensação de arrependimento por concordar com a atitude daquele pai e teve um acesso de choro. É por isso que insistimos que essa questão da superação da intolerância está diretamente ligada à questão da educação da população. Ninguém quer ensinar ao filho de ninguém a ser gay. Convivemos com a intolerância diariamente, no Centro de Combate à Homofobia (órgão ligado à CADS), e vamos começar a amarrar dados com a Polícia Civil, que cumpre seu papel e procura resolver a grande maioria dos casos registrados. A questão é que a Justiça reage com penas muito brandas. Não dá para culpar a polícia.”
Função política da Parada Gay – “O mais importante na Parada é a visibilidade. Defendo que quanto mais gente tiver, melhor, e os heterossexuais já são a maioria de público. O formato – se é político ou apolítico – é o menos importante. A parada tornou-se uma marca, um evento da cidade. As pessoas, que vão carregando uma mensagem, estão afirmando: ‘Estou aqui, porque sei que essa comunidade existe e precisa ter os seus direitos garantidos’. Ao mesmo tempo, há protestos debochados, como cartazes que dizem: ‘Gay idoso também é gostoso’. Vale tudo e o apoio de todos. Na Parada deste ano, inclusive, homenagearemos a comunidade negra, por conta do Ano Internacional da Luta Contra o Racismo.”
Covardia e terrorismo – “A gente está bastante preocupado com a segurança da próxima Parada Gay. Quando você faz uma leitura dos ataques, percebe que está lidando com gente muito covarde, com um modus operandi sórdido. Sempre estão em maior número que as vítimas, atacam de surpresa, quase que em emboscadas, e é difícil prever onde vão agir. A inteligência da polícia já mapeou alguns pontos e 25 grupos neonazistas na cidade de São Paulo, mas as ações são muito imprevisíveis. Na última Parada Gay, a intenção deles era jogar aquela bomba no decorrer da Parada. Eles acompanharam todo o desfile, infiltrados entre as pessoas, mas foram jogar a bomba somente no fim, na Rua Vieira de Carvalho.”
Reconhecimento da união civil – “Foi lindo, jamais achei que iria ver isso. Desmonta a argumentação de toda essa gente intolerante, mas ainda acho que virá uma reação. Bato na mesa todo dia, torcendo pelo contrário, mas, infelizmente, eu tenho a certeza de que haverá essa reação.”
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