Em janeiro deste ano, a capa do Charlie Hebdo trazia o polêmico Michel Houellebecq, escritor antes conhecido pelo pornográfico Partículas Elementares. O motivo era o lançamento de Submissão, distopia num futuro bem próximo (2022), em que a França e a Europa são dominadas por partidos muçulmanos. Coincidiu que, com esse número nas bancas, a redação do semanário foi varrida por balas jihadistas. Hoje, diante da barbaridade cometida pelo EI, é difícil não se lembrar do romance de sina sinistra e algo premonitório, publicado aqui pela Alfaguara.
Houellebecq, que anda recluso e deprimido, não é sujeito de imaginação. Seus livros geralmente giram em torno de uma figura muito parecida com ele mesmo: misantropo, pessimista, niilista. Chegou ao ponto de se colocar no romance Carta e o Território, vencedor do prêmio Goncourt. Em suma, é mais um ensaísta que escreve literariamente do que um romancista. E que gosta de provocar.
Em Submissão, livro celebrado pela direita e criticado pela esquerda, acontece o impensável: os partidos de Hollande e Sarkozy, eternos adversários, se unem para apoiar a Fraternidade Muçulmana, do moderado e carismático Ben Abbes. O objetivo é derrotar a Frente Nacional de Marine Le Pen – o que conseguem.
Em meio a esses fatos, acompanhamos as divagações existenciais, amorosas e filosóficas de François, um professor universitário, especialista no esteta Huysmans, de Às Avessas. Seus percalços com namoradas bem mais jovens, prostitutas e amigos dos quais não gosta são descritos na medida entre o patético e o autocondescendente. O suicídio e o desinteresse pela humanidade são frequentemente contemplados.
Enquanto isso, Abbes se revela bem mais radical e vai transformando a educação e os costumes franceses. De uma hora para outra e sem oposição firme (o que é francamente implausível, ainda que engraçado, pois revela o oportunismo de todos), institui-se o casamento polígamo, as mulheres saem do mercado de trabalho (diminuindo o desemprego substancialmente) e a produção caseira e artesanal é estimulada, em detrimento das indústrias. Mais que isso, outros países como a Bélgica também têm suas eleições vencidas por muçulmanos e Argélia e Tunísia entram na União Europeia. O plano é de dominação total, como no Império Romano.
No balanço final, soa mais fácil uma invasão por terra do EI do que se realizar essa fábula política, muito exageradamente comparada ao 1984, de Orwell. O autor, que recentemente culpou o governo pela falta de segurança dos franceses, havia declarado ser o islã uma “religião estúpida”. Os terríveis gritos no Bataclan parecem lhe fazer eco, mas só numa reflexão muito superficial, o que tende a acirrar a violência e a intolerância.
“O combate ao Estado Islâmico é uma ficção”
Quando o feitiço se vira contra o feiticeiro, muito tempo depois
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