Etiqueta da cachaça

Apreciar uma boa cachaça é quase um rito do brasileiro. A bebida tem se tornado cada vez mais nobre, como mostrou a matéria de capa da edição 30 da Brasileiros, no belíssimo texto do nosso diretor-adjunto Nirlando Beirão. Os bons bebedores do néctar dos deuses, no entanto, não costumam apreciar outra beleza presente nas garrafas de cachaça, além do saboroso líquido no interior das ampolas: os rótulos (leia também sobre rótulos de vinhos na coluna Bebidas, da sommelier Gabriela Monteleone, na página 30).Para lembrar a história dos rótulos das inúmeras cachaças brasileiras, o Instituto Tomie Ohtake (ITO), em São Paulo, abriu no dia 10 de fevereiro a exposição Carinhosamente Engarrafada. A mostra, que vai até 10 de abril, traz mais de 400 rótulos de diversas cachaças e foi organizada pelo designer gráfico Egeu Laus, que também é pesquisador da Memória Gráfica Brasileira. Além de rótulos, a exposição conta também com pedras litográficas que eram usadas para a impressão das etiquetas nas décadas de 1950 e 1960. As pedras foram cedidas pela Universidade Federal de Pernambuco.[nggallery id=15014]A mostra revela não só o espírito bem-humorado do povo brasileiro, mas também traça um histórico do design do País. Um dos objetivos da exposição é identificar um design tipicamente brasileiro nos rótulos. Conversamos com Egeu Laus, por e-mail, para saber mais sobre a exposição.Brasileiros – Como foi a concepção da exposição Carinhosamente Engarrafada? De onde nasceu a ideia?Egeu Laus – A ideia da exposição foi do designer paulista Milton Cipis (sócio da Brander Design & Construção de Marca) com a designer Sylvia Monteiro e Ricardo Ohtake, diretor do Instituto Tomie Ohtake, ainda nos tempos em que foram diretores da Associação dos Designers Gráficos (ADG), há 10 anos. A exposição faz parte de um ciclo de mostras chamado Anônimos e Artistas, do qual fazem parte a exposição Veja Ilustre Passageiro: o Atelier Mirga e Cartazes de Bonde, que também estão no ITO, e mais outras duas exposições que virão.Brasileiros – Como colecionou tantos rótulos de cachaça? Quanto demorou a pesquisa e a montagem da exposição?E.L. – Minha coleção se construiu ao longo de 10 anos. São 700 rótulos em papel e cerca de dois mil em arquivo digital (escaneados dos originais). Existem muitos colecionadores de rótulos de cachaça pelo Brasil. De forma organizada e sistematizada, a maior coleção é a da Fundação Joaquim Nabuco, em Pernambuco, da qual escolhemos 300 rótulos que dividem, com meu acervo (de outros 300 escolhidos), a exposição no Instituto Tomie Ohtake.Brasileiros – A exposição vai para outros lugares do Brasil depois de São Paulo? Pensa em levar a mostra ao exterior?E.L. – A exposição seguirá para Recife depois de 10 de abril, aos cuidados do Centro de Design da cidade, e depois Belo Horizonte. Outras capitais estão sendo cogitadas, como o Rio de Janeiro, e outras com o apoio do Instituto Brasileiro de Cachaça (IBRAC). Ainda não se pensou em levar para o exterior, mas seria muito bacana pelo grande interesse que a cachaça tem despertado, principalmente na Europa.Brasileiros – Você é um apreciador de cachaça ou somente dos rótulos e da história da bebida?E.L. – Aprecio a boa cachaça de alambique (completamente diferente da aguardente de cana destilada em colunas e chamada, também, de cachaça industrial). A cachaça destilada em alambiques de cobre (assim como o uísque) tem produção menor que as aguardentes industriais. Existem mais de 40 mil produtores de cachaça de alambique hoje no Brasil. A Universidade de São Carlos (SP) e a Universidade de São João Del Rei (MG) realizam, anualmente, concursos para a escolha das melhores cachaças (envelhecidas, brancas e premium) e reputo como as instituições mais sérias para esse trabalho de análise da qualidade da bebida.

A MOSTRA, EM SETE BLOCOS TEMÁTICOS, POR EGEU LAUS

1. Acontecimentos e personagens –não há grande acontecimento ou personagem que não tenha sido homenageado em alguma marca de cachaça: Fundação de Brasília, Copa do Mundo, Segunda Guerra Mundial, bomba atômica, Pelé, Pixinguinha, etc.

2. Humor e autorreferência –a facilidade com que a cachaça brinca com suas próprias mazelas, como “Calçada Lisa” ou “Capote de Pobre”, ao lado de nomes jocosos de duplo sentido para dezenas de marcas (Perseguida, Esquecida, Juízo, Providência), faz da cachaça um caso praticamente único no marketing internacional.

3. Tipografia –os rótulos all type são uma presença forte em todo o Brasil, com uma pequena variedade de tipos com o uso do antigo normógrafo e linotipos, porém com arranjos tipográficos bem diversificados com lettering, às vezes desenhados à mão.

4. Bichos e aves –a fauna brasileira, até mesmo a mitológica, faz parte ativa da iconografia dos rótulos. São dezenas de nomes, alguns regionais, construindo um amplo painel da nossa fauna rural, integrante da vida cotidiana.

5. Pin-ups –a cachaça associada a conotações eróticas é uma constante, como de resto em todo o universo das bebidas alcoólicas. As pin-ups do cinema e das revistas são uma referência permanente para as marcas e seus rótulos.

6. Paisagens e lugares –cenas do mundo rural na colheita e transporte da cana se misturam com homenagens às cidades, às vezes descrevendo graficamente o local dos alambiques e os destaques geográficos.

7. Indígenas –as marcas retratando índios e índias, copiados de velhas gravuras e do acervo iconográfico acadêmico, é muito grande.

» Carinhosamente EngarrafadaTerça a domingo, das 11 horas às 20 horas. Até 10 de abril.Instituto TomieOhtake – Avenida Brigadeiro Faria Lima, 201, Pinheiros, São Paulo. Grátis. Informações (11) 2245-1900.www.institutotomieohtake.org.br

»Leia reportagem sobre cachaça, por Nirlando Beirão

Cachaça da boa!


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