“Eu também tenho vergonha”

Gabrielli, que não é acusado nas investigações da  Lava Jato, afirma que recebia mais de 17 mil denúncias por ano, mas nunca de corrupção - Foto: Luiza Sigulem
Gabrielli, que não é acusado nas investigações da
Lava Jato, afirma que recebia mais de 17 mil denúncias por ano, mas nunca de corrupção – Foto: Luiza Sigulem
O economista José Sergio Gabrielli foi o mais longevo presidente da Petrobras. Durante seis anos e seis meses, de julho de 2005 a fevereiro de 2012, foi também um dos executivos mais festejados do País, senão do mundo. A descoberta de um megaesquema de corrupção na empresa mudou essa situação de forma radical. Gabrielli estava em Salvador, atuando como secretário estadual de Planejamento, e despontava como potencial candidato ao governo da Bahia, quando estourou a Operação Lava Jato, em março de 2014. Dois antigos integrantes da cúpula da empresa – Paulo Roberto Costa (ex-diretor de Abastecimento) e Nestor Cerveró (ex-diretor da área internacional) – estão entre aqueles que confessaram ter participado do assalto aos cofres da empresa.
De lá para cá, a Operação Lava Jato se desdobrou em mais de cem inquéritos. Por enquanto, não há nenhuma acusação contra Gabrielli nas investigações. Aos 65 anos, recém-aposentado pela Universidade Federal da Bahia, o ex-presidente da Petrobras afirma que jamais soube do esquema criminoso, que ele acredita não ser sistêmico: “A Operação Lava Jato começou para investigar ações fraudulentas de câmbio. Não tinha nada a ver com a Petrobras. No caminho, descobriu Paulo Roberto e toda essa situação. Só a polícia poderia descobrir isso. Corrupção é caso de polícia. Tem que ser tratado policialmente”.

Brasileiros – O balanço auditado de 2014 da Petrobras apontou prejuízo de
R$ 6,2 bilhões com corrupção. Como o senhor recebeu essa informação?
José Sergio Gabrielli – Em primeiro lugar, é importante lembrar que o faturamento foi de R$ 337 bilhões, 11% a mais do que no ano anterior. O lucro operacional foi de R$ 80 bilhões. Em relação à corrupção, a Petrobras tem a confissão de ex-funcionários. Como Paulo Roberto Costa (ex-diretor de Abastecimento) falou em 3% de corrupção, a Petrobras resolveu passar uma régua, fazer um cálculo geral, e considerar 3% de potencial corrupção em todos os contratos. Os R$ 6,2 bilhões foram calculados dessa maneira. Não há como identificar casos específicos.

Como não?
É difícil porque os procedimentos da empresa foram seguidos. Eles fizeram essas transações fora dos registros da empresa. Se é feito externamente, entre empreiteiros, doleiros e empregados da Petrobras, fica difícil captar dentro da contabilidade. São cerca de 230 mil contratos por ano.
 
O senhor presidiu a Petrobras por seis anos e seis meses. Nesse tempo todo,  nunca recebeu nenhuma denúncia de corrupção, não teve desconfianças?
A Petrobras recebe 17 mil, 18 mil denúncias por ano. Nunca chegou nenhuma denúncia desse tipo.

Que tipo de denúncia chegava?
Todo o tipo de denúncia. De assédio sexual a acidente não reportado. Essas 17, 18 mil denúncias são concretas, documentadas uma a uma. Existe uma ouvidoria que trata dessa informação. Nunca apareceu nenhuma denúncia do tipo da Lava Jato. Tanto que, depois que a polícia descobriu, uma investigação da Petrobras, com escritórios especializados, demorou um ano para chegar a alguma conclusão.

Antes da divulgação do último balanço, o Ministério Público Federal falava em desvio de R$ 2 bilhões. Pode-se fiar nesse número?
Não. Os números da Petrobras são muito grandes. Só para fazer uma conta: a Petrobras fatura em torno de R$ 300 bilhões. Dez por cento de R$ 300 bilhões são R$ 30 bilhões. Dez por cento de R$ 30 bilhões são R$ 3 bilhões. Então, 1% dos R$ 300 bilhões equivale a R$ 3 bilhões. E 0,1% do faturamento da Petrobras corresponde a R$ 300 milhões.

De qualquer maneira, é muito dinheiro. Todo mundo fica escandalizado quando Pedro Barusco (ex-gerente de Serviços da Petrobras) fala em devolver US$ 97 milhões, um valor próximo a R$ 300 milhões.R$ 300 milhões é muito dinheiro?
É. Claro que me choca também, mas tenho que fazer essa conta para mostrar que é relativamente pouco diante dos números da Petrobras. E para tentar mostrar porque é possível não perceber isso dentro da empresa. Representam 0,1% do faturamento da empresa. Não houve roubo de R$ 6 bilhões de uma só vez. No dia a dia, é impossível perceber esse tipo de questão.

A Operação Lava Jato descobriu.
A Operação Lava Jato começou para investigar ações fraudulentas de câmbio e tráfico de drogas. Não tinha nada a ver com a Petrobras. No caminho, descobriu Paulo Roberto e toda essa situação. Só a polícia poderia descobrir isso. Corrupção é caso de polícia. Tem de ser tratado policialmente.

Então é bom que isso aconteça?
Corrupção nunca é bom, mas descobrir e tentar melhorar os processos, para prevenir, é bom. O ruim é a espetacularização, a politização do problema, a tentativa de caracterizar a Petrobras como um sistema corrupto. A ação de corrupção na empresa era individual.

Por que não era sistêmica?
Os procedimentos de uma empresa que tem o volume de investimentos da Petrobras são decisões colegiadas. Os mecanismos de registro desses processos são intensos, têm acompanhamento permanente de preços de mercado. E têm regras e parâmetros considerados como aceitáveis. Por exemplo: os orçamentos da Petrobras são aceitáveis quando variam de menos 15% a mais 20%. Essa variação é usual em projetos complexos e sob encomenda.

Está dentro de parâmetros internacionais?
Absolutamente dentro, de menos 15% a mais 20%. Quando essa variação é de R$ 100 mil é uma coisa, quando é de R$ 100 bilhões é outra. Esse que é o problema. Uma variação percentual pequena, quando aplicada a um valor grande, fica enorme. A empresa é muito grande. Um exemplo: o volume de papel impresso utilizado por mês na Petrobras corresponde a um prédio de 26 andares. Pelo menos na minha época era assim. Tomara que tenha mudado. Foi só para se ter ideia do tamanho da Petrobras. Ela representa de 3% a 4% do PIB. A cadeia de fornecedores representa 10% do PIB. Representa mais de 20% do investimento brasileiro.

A ex-presidente Graça Foster, em depoimento na CPI, falou nessa imensidão, mas também disse que ela sentiu muita vergonha em relação ao esquema de propina na Petrobras. O que o senhor sente?
Eu também tenho vergonha. É claro que sinto vergonha. Ela conviveu mais do que eu, passou 30, 35 anos na Petrobras. Eu passei nove. Dois anos e meio como diretor financeiro e seis anos e meio como presidente. Na convivência, no dia a dia, você não vê as coisas. Depois, é surpreendido, se sente traído. Envergonhado.

O balanço da Petrobras apontou ainda queda de R$ 44 bilhões nos ativos da empresa, por causa de falhas no planejamento e má gestão. Como analisa isso?
Vamos lá. De onde vem o prejuízo? R$ 10 bilhões vem da avaliação de risco. R$ 21 bilhões vem da postergação das obras do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), da postergação do sistema de produção da Refinaria Abreu de Lima, e do adiamento de obras em função da crise das empreiteiras. Quase R$ 3 bilhões vem do calote que o sistema elétrico está dando na Petrobras. Só aí são R$ 34 bilhões. Tem R$ 2,4 bilhões do programa de demissão voluntária, criado para dar lugar aos mais novos. Teve ainda uma sangria de caixa porque os preços nacionais dos derivados estavam defasados em relação aos preços internacionais. Enfim, há uma série de questões que a Petrobras precisa resolver para ajustar o balanço a uma realidade mais compensadora. Nada que não possa superar a médio prazo.

Já foi abordado na rua por isso?
Houve um massacre midiático em relação a mim. As pessoas condenam antes de qualquer coisa. É muito desagradável, mas nada agressivo chegou a acontecer. Não estou acusado de nada na Operação Lava Jato. Sou testemunha.

E Pasadena? Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) registra que a compra provocou um prejuízo de US$ 792 milhões.
Não há uma linha sequer relacionada à Pasadena no balanço da Petrobras. E esse relatório do ministro José Jorge é, a meu ver, muito estranho.

Estranho em qual sentido?
O tribunal mandou uma equipe de auditores, que passou três meses dentro da Petrobras. Concluiu que não houve grande problema de preço, de contrato. Não satisfeito, o ministro mandou uma segunda comissão de auditores, que chegou basicamente à mesma conclusão que a primeira. O ministro não aceitou o resultado. Chamou um assessor, que, sem ir à Petrobras, fundamentou o voto dele, criando essa ficção, que é esse prejuízo.

Por que é ficção?
Porque é calculado da seguinte forma: o valor que a Petrobras pagou pela refinaria, menos um valor que eles acham que seria o valor justo. Qual o valor que eles acham justo? O indicado em uma das 27 planilhas feitas por uma consultoria que a Petrobras tinha contratado para fazer cenários de valores de preços. Na verdade, tinha de comparar o valor pago com o valor de mercado. Em 2006, houve 11 transações de compra e venda de refinaria no mundo. A média de preço foi US$ 10,3 mil por barril, de capacidade de destilação diária. A menor foi de US$ 3,5 mil dólares por barril, a maior de US$ 19,3 mil. A Petrobras comprou por US$ 7,4 mil, abaixo da média mundial. Então, como teve prejuízo, se foi comprado abaixo da média?

Por que o ministro faria isso?
A motivação foi claramente política. O ministro José Jorge foi presidente do PFL, ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, candidato a vice de Geraldo Alckmin na chapa PSDB-PFL na eleição presidencial de 2006. É um militante do Democratas. E soltou o relatório antes das eleições.

O que o senhor está fazendo?
Este ano não continuou na Secretaria do Planejamento da Bahia e nem voltou para a faculdade.
Estou aposentado. Sou professor aposentado da Universidade Federal da Bahia depois de 36 anos e dois meses de vínculo trabalhista. Tenho 65 anos, 50 de militância na esquerda, desde o movimento secundarista. Sou um dos fundadores do PT. Não pretendo mais ser candidato a nada, mas vou continuar militante. Vou continuar lutando.

Também nos processos?
Dedico muito tempo aos processos. Tem o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União, que criaram um processo administrativo sobre a compra de Pasadena. Tem o Ministério Público do Rio de Janeiro, que criou outro processo, por conta do Cenpes (Centro de Desenvolvimento e Pesquisa da Petrobras). Tem a ação dos investidores nos Estados Unidos. No caso da Lava Jato, não sou acusado de nada, fui arrolado como testemunha por Nestor Cerveró (ex-diretor da área internacional) e Fernando Soares (o lobista Fernando Baiano).

O senhor conhece os dois?
Cerveró era diretor. Conhecia e nunca desconfiei de nada. A diretoria nunca desconfiou de nada. Esse Fernando Soares não faço a menor ideia de quem seja.

Em que frentes o senhor pretende fazer sua defesa?
Tem uma ação no âmbito da política. Participo do Movimento em Defesa da Petrobras, que busca diminuir o uso político do escândalo. E ir fundo na investigação, para que os responsáveis sejam identificados e punidos.
 
O País vive uma grave crise política vinculada ao escândalo na Petrobras. Qual a saída?
A ideia de mar de lama foi usada contra Getúlio Vargas em 1954 e contra Jango (João Goulart) em 1964. Não era verdade no passado e não é verdade hoje. Todo mundo é contra a corrupção e a má gestão dos recursos públicos. No entanto, toda vez que a mobilização contra a corrupção ocorre de forma genérica quem se consolida é a direita. É a direita e os governos autoritários. Já aconteceu na Alemanha com os nazistas, na Itália com os fascistas, aconteceu em vários golpes na América Latina. Estamos em um momento de embate poderoso, mas a história da Petrobras é uma história de sucesso. Corrupção é caso de polícia.


Comentários

Uma resposta para ““Eu também tenho vergonha””

  1. Avatar de Luiz Alfonso Pasmanter
    Luiz Alfonso Pasmanter

    Finalmente alguém do governo aparece para dizer que também se envergonha do caso da petrobras, acho que isso estava faltando e ninguém tinha feito até agora. Não sei até onde essa história irá, mas fico aliviado com a declaração.

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