Roberto Rodrigues é coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas e presidente da Academia Nacional da Agricultura. Foi empresário rural em São Paulo, Minas Gerais e no Maranhão e ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de janeiro de 2003 a junho de 2006.
Ele avalia como positivos os nomes de Joaquim Levy e Nelson Barbosa para os ministérios da Fazenda e do Planejamento, respectivamente. Isso porque, na sua visão, eles têm qualidades para fazer o ajuste que o País precisa. Também viu com bons olhos a indicação de Kátia Abreu para a pasta da Agricultura, pelo fato de ela dominar todos os temas do setor e ser amiga da presidenta Dilma Rousseff. Rodrigues se queixa do fato de a agricultura, apesar de ser o esteio da economia brasileira, não merecer um tratamento melhor do Poder Executivo. E critica o governo do Estado de São Paulo, que, segundo ele, sucateou os institutos de pesquisa na área agrícola.
Para o ex-ministro, são necessários cinco pilares para se construir um projeto agropecuário: sustentabilidade, competitividade, orientação a mercados, segurança jurídica e governança. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Brasileiros.
Brasileiros – Como o senhor avalia os nomes de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e de Nelson Barbosa para o Planejamento?
Roberto Rodrigues – Há uma mudança significativa na orientação do governo, sobretudo nas questões mais estruturais, como superávit primário, controle da inflação e cortes de gastos públicos. É uma visão muito mais ortodoxa. Vejo tudo de maneira positiva. Não significa que eu esteja criticando as pessoas anteriores, como Guido Mantega. A informação que temos é de que a presidente Dilma Rousseff é quem comanda a economia. Resta saber qual será o grau de liberdade que a nova equipe terá para conduzir as suas propostas com autonomia em um governo cuja intervenção da presidente é muito forte, sobretudo na área econômica.
E Kátia Abreu? É um bom nome?
Kátia é a maior líder da agropecuária brasileira. Ela é competente e conhece todos os temas do setor. É dura combatente a favor das teses nas quais acredita. Imagino que ela tenha conhecimento suficiente para ser ministra da Agricultura. Mas qual é o problema? A pasta é um ministério de segunda linha há, ao menos, 30 anos. Um ministro conseguir impor suas propostas é um processo muito complexo. Até porque, uma política agrícola consistente não pode prescindir do Ministério dos Transportes (em função de estradas, ferrovias e portos), das Relações Exteriores (acordos comerciais), do Meio Ambiente (questão florestal e da água), da Fazenda (crédito), do Planejamento (orçamento), do BNDES, do Banco do Brasil e do Banco Central (regras de crédito). O nosso problema não é o ministro da Agricultura, mas a estratégia do agronegócio. Essa pessoa precisa ter uma autoridade junto ao governo, para que a política como um todo possa ser conduzida.
A senadora tem essa estatura?
Ela é amiga da Dilma. Pode ter acesso a outras áreas. Se não houver uma gestão estratégica do governo como um todo, que ofereça ao ministro da Agricultura condições para trabalhar, não adianta nada. Mas é preciso também que o ministro tenha um excelente relacionamento com o Parlamento. Porque metade das pautas da área passa pelo Congresso. Todos os temas relevantes estão lá: reforma trabalhista, questões do meio ambiente, do código florestal. São pontos que precisam ser revistos. Por exemplo, a lei que rege o crédito rural é de 1965. As regras institucionais são muito antigas. A Kátia tem relações aparentemente ambíguas: há parte dos parlamentares que a adora e outra que não gosta. Ela terá de construir esse relacionamento. Por último, em uma democracia, como felizmente o Brasil é, as políticas públicas são adotadas se a maioria da população as entende como necessárias. Por isso, é essencial a comunicação com a sociedade. Ou a gente se comunica, ou se trumbica, como dizia o Velho Guerreiro Chacrinha. Nós evoluímos muito. Hoje, a opinião pública tem uma visão muito mais positiva do agronegócio, também graças à mídia, que soube fazer a cobertura de forma técnica. Os líderes têm um papel fundamental na comunicação.
Uma das propostas da área agrícola para os presidenciáveis, antes das eleições, era que o ministro da Agricultura fosse escolhido pelo setor. O senhor acha isso factível?
Não. Estou nessa batalha há 50 anos. Em todas as eleições, as entidades de classe elaboraram suas sugestões e nunca ninguém deu a menor bola para isso. Nessa eleição, pela primeira vez na história, os três principais candidatos nos procuraram, pedindo ideias para o plano de governo. Montamos aqui na FGV um grupo técnico e enviamos um plano que tinha cinco pilares: sustentabilidade, competitividade, orientação a mercados, segurança jurídica e governança. No tema governança, uma das questões colocadas era que deveria haver uma estratégia de Estado, de tal forma que o ministro da Agricultura fosse o gerente desse processo. E que, de preferência, esse ministro fosse uma pessoa relacionada ao setor, e o conhecesse bem. Essa era a proposta. Uma pessoa escolhida de comum acordo com o setor agrícola, e não por ele indicado.
A agropecuária brasileira há muito tempo é o esteio do Produto Interno Bruto (PIB) e da balança comercial. O setor tem sido bem tratado pelo governo?
Não.
E como consegue ser bem-sucedido?
Isso acontece por três fatores dominantes. Primeiro, nós tivemos planos econômicos, sobretudo o Collor e o Real, que produziram uma grande exclusão social no campo. O Collor, por exemplo, foi lançado no dia 15 de março de 1990, exatamente entre o plantio e a colheita da safra de verão. Esse plano corrigiu os preços mínimos em 42% e as dívidas dos produtores rurais em 81%. Milhares quebraram. Quatro anos depois, o Plano Real corrigiu as dívidas pela URV, que dobraram em um ano, e os preços no período caíram 20%. Esses dois planos excluíram milhares de produtores, que não tinham tecnologia ou gestão adequados, ou que simplesmente foram pegos no contrapé. Houve uma seleção de produtores rurais. Sobrou na agricultura um conjunto de profissionais eficientes e competentes. Eles produziram a maior revolução na história da agricultura moderna. Foram buscar tecnologia e gestão, uma vez que não havia mais ganhos financeiros com a inflação. O momento produziu uma tríplice colisão no campo: de um lado, estabilização interna; de outro, uma brutal abertura do mercado ao exterior, sem nenhuma proteção; e não existiam políticas públicas. Com tecnologia e gestão, de 1994 a 2014, a área plantada de grãos cresceu 40% e a produção, 223%! Esse salto espetacular nenhum país deu. Com o avanço tecnológico, preservamos as florestas e o cerrado. Surgiram também políticas públicas ao longo do processo. Duas foram fundamentais. A primeira foi o Moderfrota. O parque motomecanizado brasileiro estava sucateado. Com esse programa, houve a modernização de equipamentos, que passaram a não desperdiçar nada da colheita. A segunda foi o Agrishow, que dinamizou as exposições. As empresas foram obrigadas a buscar tecnologia para surpreender os compradores. Hoje, as máquinas têm ar-condicionado, computador de bordo e GPS. Outro tema foi o crédito rural, que deu saltos expressivos de dez anos para cá.
No crédito, então, o governo olhou bem para o setor.
No crédito, sim. Mas não há uma estratégia global. Existe uma burocracia imensa para a recontratação do financiamento a cada safra. Política de renda, por exemplo, o mundo todo tem. O seguro rural cobre menos do que 12% da área plantada no Brasil. Por que é importante? Quando os preços sobem, todo mundo planta. Como aumenta a oferta, os preços caem e ninguém planta mais. Se houvesse seguro rural, pouca gente quebraria. Ele resolve problemas de clima e de mercado. Preço mínimo também é muito importante. Se o preço cai abaixo do custo de produção, o governo intervém. Não é para proteger o produtor rural, mas o País. Falta ainda uma política comercial. Nós pusemos todos os ovos na cesta da OMC (Organização Mundial do Comércio). A Rodada de Doha está travada há 13 anos e não avança um milímetro. Hoje em dia, 40% do comércio mundial de alimentos se dá por meio de acordos bilaterais. O Brasil não tem nenhum. Hoje, os Estados Unidos e a União Europeia representam um quarto do nosso mercado. E eles estão negociando um acordo entre eles.
Mas e o Mercosul?
O problema no Mercosul é que tudo tem de passar por unanimidade. Estamos negociando um acordo agrícola há dez anos com a União Europeia, mas a Argentina nunca concorda com os termos. É preciso mais flexibilidade no bloco. O Mercosul é fundamental politicamente, mas tem de oferecer vantagens para todos. A China, por exemplo, só quer comprar grão de soja, porque agrega valor. Mas eu quero agregar aqui. Como se resolve isso? Negociando. O Brasil poderia dizer: certo, neste ano eu só exporto grão de soja. Mas, em 2015, serão 5% em farelo de soja. Daqui a dois anos, 90% de grão e o resto em farelo. Depois, exportamos também frango. Precisamos fazer acordos com os grandes mercados.
Os produtores queixam-se também de perdas em função das más condições das estradas, das ferrovias e dos portos.
Claro! É a logística. É o maior gargalo do País. A OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômica) e a FAO (Organização da ONU para Alimentação e Agricultura) fizeram um estudo em 2011 olhando para 2020. Em dez anos, a oferta mundial de alimentos tem de crescer 20% para garantir a segurança alimentar. Ou seja, paz no mundo. Este é o tema. Por isso, a ONU se debruçou sobre o assunto. Para que a oferta cresça 20%, o Brasil precisa avançar 40%. Temos terra disponível, gente competente e tecnologia tropical de ponta. O que nos amarra é a logística, porque o produto não chega ao porto de forma competitiva.
Os preços das commodities já não estão mais no seu pico. Isso preocupa?
É preocupante. Por isso, é necessária uma política de renda. Sempre acontece o imponderável, uma tragédia climática. Há ainda desencontro entre oferta e demanda.
E o papel da Embrapa?
Eu fico furioso com esse assunto. E o Instituto Biológico de São Paulo, o Instituto de Pesca de São Paulo? E a ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), a Unicamp, a Escola de Agronomia. São todos pais da Embrapa e estão abandonados pelo governo do Estado há pelo menos 30 anos. Todos os profissionais estão indo para a Embrapa, porque esta instituição paga três vezes mais do que as demais. O PIB do agronegócio paulista responde por 17% do PIB do Estado de São Paulo. O orçamento da Agricultura é de 0,6% do total. É um descalabro. Qualquer país desenvolvido aplica entre 3% e 4% do PIB em ciência e tecnologia. O Brasil aplica menos de 2%. É realmente um processo em que se perde qualidade. Os americanos estão fazendo álcool de milho mais competitivo do que o nosso, porque colocaram bilhões de dólares em pesquisa. E a cana-de-açúcar é dez vezes melhor do que todo o restante para fazer álcool.
O etanol também pena pela política de preços praticada pela Petrobras.
É um horror o que foi feito.
É preciso mudar as legislações ambiental e trabalhista?
Na trabalhista, há dois temas. O primeiro é que o trabalho rural é diferente do urbano, pelas condições meteorológicas. Só se pode plantar se chover. Só posso colher se o tempo estiver seco. E há meses em que não há nada para fazer. Isso pode ser resolvido com mecanização, mas resulta em desemprego. É preciso uma política trabalhista que diferencie o rural do urbano, que flexibilize os entendimentos entre empregador e empregado e que gere um grande projeto de mão de obra especializada. Também tem o regime de cotas. O que fazer com um funcionário cego ou com paralisia infantil? Não é possível acomodar todo mundo no escritório. A legislação tem de ser adequada para a área rural. Na questão ambiental, temos um código florestal ruim. Seu defeito central é o casuísmo dos números. Faltou ciência a ele. É preciso uma reforma mais técnica, compatibilizada com a legislação de uso da terra. Defendo um código ambiental, e não apenas florestal, com dois mecanismos: penalização para quem não cumprir e prêmio para quem cumprir.
Como o senhor vê o papel do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)?
O MST surgiu com a bandeira da reforma agrária. E defende o socialismo. Não vejo nenhum problema nisso. Faz parte do jogo democrático. A reforma, entendida como divisão de terras, é uma cretinice atroz, porque a terra é só 20% do investimento total. O restante é tecnologia, expertise, gestão. Só faz sentido uma reforma agrária capitalista. Eu acredito no cooperativismo, para que haja ganhos de escala.
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