Na contra-mão do aquecimento global, a temperatura do noticiário cai à medida em que o verão avança. Todo ano, no momento em que as excelências dos três poderes saem de férias, os repórteres de Brasília e os editores de manchetes entram em crise de abstinência.
É um sintoma emblemático da concentração da cobertura de Brasil em Brasília, quer dizer, à prioridade que se dá ao noticiário do poder em detrimento das notícias do Brasil real.
A grande maioria dos brasileiros continua na batalha do dia a dia, fatos novos são produzidos a cada momento nas grandes cidades e nas distantes bibocas, mas quando o Congresso Nacional entra em recesso é como se nada mais de importante estivesse acontecendo.
Durante todo o ano, a eterna disputa entre governo e oposição alimenta um noticiário que muito pouco tem a ver com a vida dos simples mortais consumidores de notícias. Nos dois anos em que trabalhei no Palácio do Planalto, vi como jornalistas e excelências de Brasília vivem um do outro, ainda que numa situação de amável conflito a maior parte do tempo.
Desta forma, explica-se porque, no momento em que os personagens do poder saem de cena para a regulamentar trégua de festas de fim de ano, é como se a roda da notícia tivesse parado de girar, deixando o campo livre para abobrinhas em geral, retrospectivas e previsões, enquetes de melhores e piores do ano, essas coisas de sempre.
Os leitores poderão me perguntar por que então, em vez de apenas constatar esta realidade, eu não levanto a bunda da cadeira e saio a campo em busca das notícias do Brasil real que não são publicadas. Até pensei em fazer isso, mas esta não é a função de um blogueiro. Além disso, seria muita pretensão minha achar que um repórter só é capaz de mudar uma realidade que hoje é permanente na imprensa brasileira e apenas fica mais evidente nesta época do ano.
Mas posso dizer a vocês que, durante as mais de quatro décadas em que sujei os sapatos para escrever cerca de três mil reportagens, percorrendo o país de ponta a ponta várias vezes, em menos de 10% dos casos os personagens eram ligados ao poder.
Hoje, acontece exatamente o contrário: a cobertura da vida real deu lugar à disputa das notícias nos gabinetes e salões, os carros de reportagem foram substituídos por telefones e pela internet, e os engraxates vizinhos das redações estão ficando sem serviço.
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