Exclusivo: a emoção de quem doa e de quem recebe um rim

Davi, na poltrona, e Lyra, embaixo da coberta “Então eu disse pra ele que iria doar o meu rim pra ele. Ele riu, mas eu não estava brincando () Fui bem tranquilo para a cirurgia, faria tudo de novo e, se precisar, doarei outro orgão na boa”.

Desta forma bem singela, Lyra conta como foi sua decisão de salvar uma vida ao doar um rim para Davi, seu colega de turma no Curso de Comando e Estado Maior que estão fazendo no Rio de Janeiro.

O tenente-coronel da Aeornáutica Geraldo Corrêa de Lyra Júnior, 44 anos, nasceu em Curitiba (sua família toda é de Blumenau), é casado e tem dois filhos. Foi ajudante de ordens e depois piloto do avião presidencial no governo do presidente Lula, onde o conheci.

Quem me contou sua história foi nossa amiga comum Clara Ant, fiel escudeira e guardiã das audiências do presidente Lula.

Por achar que o exemplo de Lyra poderia servir de exemplo para motivar outras pessoas a fazer o mesmo, num país em que a maioria ainda reluta em doar orgãos até mesmo para parentes, pedi a ele um breve relato sobre o seu gesto e o que está sentindo agora.

“Querido amigo Kotscho,

primeiramente gostaria que soubesse da minha satisfação em falar novamente com você. Mesmo tendo me afastado um pouquinho do Palácio do Planalto, sempre procuro saber das coisas e dos amigos que ali fiz.

Esse ano estou fazendo um curso no Rio de Janeiro _ Curso de comando e Estado Maior. Ano que vem estarei de volta e já fui designado para comandar o Grupo de Transporte Especial, o GTE. Voltarei então a pilotar o avião do presidente e a rever aquela turma que muito me ensinou.

Bem, quanto à doação do rim, a coisa aconteceu assim. Davi, o receptor do orgão, é um amigo de turma. No final do ano passado ele já havia perdido um irmão por problemas renais.

Logo no início desse ano, nos encontramos no Rio de Janeiro após uma aula do curso que estamos fazendo. Ele me falou sobre seu problema renal, explicou que a degradação estava acelerada e que já havia entrado na fila do transplante.

Na mesma hora, perguntei qual era o tipo sanguineo dele e quais eram os procedimentos para fazer a doação. Nem ele sabia ainda quais eram os procedimentos, mas o nosso sangue (O negativo) era o mesmo. Então eu disse pra ele que iria doar meu rim pra ele. Ele riu, mas eu não estava brincando.

Durante todo o primeiro semestre fiquei fazendo uma série de exames de compatibilidade e também sobre o estado dos meus rins.

Na realidade, quando o Davi esperava uma estabilidade do seu estado, eu já estava pronto e “brigando” com ele para a gente fazer logo.

Era visível a degradação física dele. Cá entre nós, ele não chegaria ao final do próximo mes.

O Davi ainda relutou, não queria que eu me submetesse a esse procedimento. Ele é um cara diferente, pessoa boa demais.

Após várias consultas e exames, na terça-feira desta semana me perguntaram se eu poderia operar na quarta. Eu disse que sim. Me internei no Hospital Sírio Libanês às 15 horas e a cirurgia começou às 18. Voltei para o quarto às 02:40h.

Foi tudo muito bem, estou com ótima recuperação. O Davi ainda está no hospital, mas em breve deverá ter alta.

Sabe, Kotscho, nunca houve questionamento na minha mente ou por parte de algum familiar sobre fazer a cirurgia. Tenho recebido muitos elogios, pessoas se emocionam, agradecem o que fiz. Mas, amigo, não acho que foi nada de extraordinário. Não era meu este rim, era do Davi. Sendo bem sincero, eu sabia que ia dar certo esta compatibilidade.

Kotscho, quem sou eu para falar algo. Todos os dias temos exemplos maravilhosos de humanidade e boas ações. A única coisa que penso é que nos falta olhar para os lados, olhar para trás. Se cada um contribuir como puder, mas contribuir a gente vai viver bem melhor!

O interessante também é verificar como as pessoas se unem numa situação adversa. A minha turma toda da formação, amigos de outras Forças, a turma do Palácio do Planalto, todos os amigos, enfim, se unem e procuram colaborar como podem. Até aquelas amizades estremecidas por bobagens, reatam com a gente e daí percebemos que o que importa é a amizade, são os amigos! Este é o grande lance de tudo o que aconteceu.

Fui bem tranquilo para a cirurgia, faria tudo de novo e se precisar doarei outro orgão na boa.

Meu amigo, acho que é isso. Fico comovido com sua iniciativa e tomara que sirva para estimular quem tem dúvidas em doar.

Agradeço a Deus por permitir esta compatiblidade, agradeço aos meus familiares, minha mulher e meus filhos, a toda a equipe da cirurgia e pós-cirurgia pelo carinho e atenção além do normal. Agradeço muito ao meu amigo Sergio Koch que ficou comigo no hospital o tempo todo devido impossibilidade da minha família.

Um grande abraço. Fique com Deus e, se precisar de algo, conte comigo.

Lyra”.


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