Enquanto, em São Paulo, o Orgão Especial do Tribunal de Justiça absolve por 23 a 0 o promotor Thales Ferri Schoedl, que matou a tiros um jovem e feriu outro em uma praia de Bertioga, no litoral de São Paulo, no final de 2004, lá no Mato Grosso do Sul, em Campo Grande, o juiz federal Odilon de Oliveira, na mesma época ameaçado de morte por traficantes,continua vivendo com escolta da Polícia Federal nas ruas e mesmo dentro da sua casa, dia e noite.
São os dois lados da nossa Justiça. Esta semana, publiquei aqui mesmo no Balaio a história deste juiz federal fora dos padrões, que arriscou a própria vida, ao condenar, em apenas um ano, 114 criminosos à cadeia, em Ponta Porã (MS), na fronteira com o Paraguai. Por isso, foi obrigado a morar no período 2004/2005 dentro do Fórum, sem poder sair de lá para não ser morto.
Quando publiquei o relato, não tinha a informação de que estes fatos se deram quatro anos atrás. Fui corrigido pelos leitores, mas a história era absolutamente verdadeira, como vocês verão na entrevista exclusiva que o juiz Odilon Oliveira me concedeu hoje por e-mail.
O erro de data que cometi nos permitiu saber o mais grave: o drama do juiz persiste, mesmo com ele agora trabalhando em Campo Grande, a capital do Estado.
“Continuo, 24 horas por dia, andando com escolta da Polícia Federal, em carro blindado. Agentes dormem dentro da minha casa, já há cinco anos. Há um dormitório, uma espécie de posto policial, para eles. Na verdade, entre Ponta Porã e Campo Grande, mudou apenas o endereço”, escreveu-me o juiz Odilon de Oliveira.
Magistrado mais antigo do país na esfera da 1ª instância federal, recusou este mes sua promoção a desembargador do Tribunal Regional Federal, abrindo vaga para o juiz Fausto de Sanctis, de São Paulo, aquele mesmo que está nas manchetes como responsável pelo processo do banqueiro Daniel Dantas, que também abriu mão do cargo.
Com 35 anos de serviço público e há 22 na magistratura federal, trabalhou na roça dos 10 aos 17 anos e só pretende se aposentar aos 70. A seguir, a íntegra da entevista com o juiz federal Odilon de Oliveira:
Balaio: Que lições ficaram da sua passagem por Ponta Porã, que o obrigaram a morar no Fórum, distante da família, diante das ameaças de morte recebidas? Como se deu sua transferência para o posto atual em Campo Grande?
Odilon: Estive em Ponta Porã de junho de 2004 a julho de 2005, dando rumo a uma vara que lá foi instalada na época. A experiência foi boa. Apenas acrescentou, pois sempre trabalhei em fronteiras (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia), desde que ingressei, há 22 anos, na magistratura federal.
Minha volta para Campo Grande não foi uma transferência. Sou titular da 3ª Vara desde quando a mesma foi criada, em 1989. Estive em Ponta Porã apenas por designação do Tribunal, portanto, provisoriamente.
Minha Vara é especializada em lavagem de dinheiro e em crimes financeiros, com destaque para remessas ilegais ao exterior, e delitos conexos. Ele cobre todo o Estado, inclusive, portanto, Ponta Porã.
Balaio: Como está seu trabalho hoje? Sua vida voltou ao normal?
Odilon: Minha situação continua sendo a mesma em relação à segurança pessoal, uma vez que as atividades da minha Vara se chocam frontalmente com a criminalidade organizada.
Para você ter uma idéia, nos últimos três anos, a Vara possui um estoque muito grande de bens sequestrados do crime organizado: 600 veículos, 18 aviões, 86 fazendas, mais de 50 casas, mais de 30 apartamentos, 86 lotes urbanos, em torno de R$ 20 milhões apreendidos, etc.
Continuo, 24 horas por dia, andando com escolta da polícia federal, em carro blindado. Agentes dormem dentro da minha casa, já há cinco anos. Há um dormitório, uma espécie de posto polcial para eles. Na verdade, entre Ponta Porã e Campo Grande, mudou apenas o endereço.
Balaio: Nos comentários enviados por leitores quando publiquei eta semana o seu drama vivido em Ponta Porã, há muitos elogios à atuação do juiz e críticas às instâncias mais altas da Justiça brasileira. Que análise o sr. faz do atual momento do Judiciário enquanto instituição. Situações como a que o sr. viveu em Ponta Porã ainda persistem em outros pontos do país?
Odilon: Não sei se em alguma outra parte do país existe algum juiz em situação semelhante quanto à segurança pessoal. Penso que não. Ameaçados, sim, sei que existem.
O Judiciário enfrenta uma fase bastante crítica. É necessário haver uma mudança na legislação processual, com o que o andamento dos processos seria mais rápido. A morosidade da Justiça a deixa desacreditada. Casos pontinuais de corrupção também.
Os tribunais estão muito distantes da realidade. Tem-se a impressão de que trabalham apenas com papéis, com números, deixando a sociedade como se esta fosse detalhe.
Balaio: Qual deveria ser, na sua opinião, o perfil do magistrado brasileiro hoje para bem cumprir suas tarefas, como o sr. vem fazendo?
Odilon: Com quase 30 anos no Judiciário, incluindo o período em que fui juiz estadual, penso que o perfil do magistrado deve ser outro. Deve haver uma mudança de mentalidade. O juiz não pode mais ficar trancado numa redoma, sem saber o que está acontecendo com o povo que ele julga.
O magistrado tem que se integrar na sociedade, conversar com o povo, fazer uso da imprensa, proferir palestras, comparecer a programas de televisão, etc. Em síntese, como tudo está globalizado, há a necessidade de o julgador se inserir nessa globalização.
O magistrado titular de uma Vara de lavagem não pode voltar seus olhos e ouvidos apenas para o que acontece no Brasil. Esse processo é transnacional. Assim sendo, o magistrado tem que possuir uma visão global sobre o assunto.
Diga-se o mesmo em relação ao juiz de família. Ele não pode conhecer apenas o que está dentro do processo, mas saber, em termos de fenômeno, o que provoca, por exemplo, tantas separações, divórcios, destruição de lares etc. Assim deve ser em todas as áreas. Em poucas linhas, esta é uma parte do perfil do novo juiz.
Abraços.
Odilon de Oliveira, juiz federal, Campo Grande-MS.
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