BRASÍLIA – Duas da tarde de quinta-feira, dia 13. A senadora Marina Silva (PT-AC), 50 anos, está terminando de almoçar com Moara, sua filha de 19 anos, estudante de Direito, que acabara de chegar da Inglaterra.
Sai da cozinha do seu amplo, mas modesto apartamento funcional da 309 Sul, e recebe-me na sala com um beijo e o mesmo sorriso sereno e amigo de sempre.
Como o tempo que temos para conversar é pouco, alertou-me a assessora de imprensa Jandira Gouveia, vou direto ao assunto que agitou a semana política e o cenário da sucessão presidencial, desde que a sua candidatura presidencial foi lançada pela direção do PV.
Balaio – Você sempre foi uma pessoa movida pelo coração, que eu sei. Neste momento, o que diz o teu coração: você fica no PT ou vai para o PV, que te ofereceu a candidatura à Presidência da República?
Marina – Olha, se eu tivesse esta certeza no coração, chamaria meus velhos companheiros Binho (o ex-colega de faculdade e atual governador do Acre, Binho Marques), Jorge (duas vezes governador do Acre, Jorge Viana) e Tião (senador Tião Viana, do PT-AC), e falaria primeiro para eles. Nesse momento, eu ainda estou vivendo a elaboração de toda a exposição a que me submeti nos últimos dias, ouvindo todas as pessoas, que não foram poucas, para que seja uma decisão consciente da minha parte.
Nos 50 minutos seguintes, Marina manteve-se impassível sentada na mesma posição no sofá, com sua fala mansa e firme sobre a importância da luta contra o aquecimento global e pela preservação da natureza para as futuras gerações, disposta a não abrir o jogo político-partidário por enquanto.
Saí de lá convencido de que ela já foi mordida pela mosca azul do PV. Posso estar enganado, mas agora é só uma questão de dias, não muitos, para que ela tome a grande decisão da sua vida. O calendário eleitoral fixa um prazo: 30 de setembro, a data limite para a mudança de partido.
Balaio – Você já tinha pensado nesta ideia? Alguma vez já tinha passado pela tua cabeça o plano de se candidatar a presidente da República, antes de receber o convite dos dirigentes do PV?
Marina – Tem uns seis meses que um grupo de jovens criou um site na internet chamado Movimento Marina Presidente. Perguntaram-me se eu autorizava, falei que não. Mas eles iam fazer de qualquer jeito. Não articulei nada para isso. Só ouvia as pessoas falarem sobre esta possibilidade da minha candidatura. Até pedi para que os assessores e as pessoas mais identificadas comigo não entrassem neste site para ninguém dizer que a Marina estava articulando alguma coisa.
A filha Moara vai até o escritório e, na volta, informa à mãe que o movimento foi criado no dia 17 de abril de 2006, mas só nos últimos meses a comunidade criada na internet começou de fato a funcionar.
As conversas com o pessoal do PV, lembra ela, começaram logo após o dia 13 de maio de 2009, quando ela entregou sua carta de demissão no Palácio do Planalto, depois de ocupar por 5 anos, 5 meses e 14 dias – ela guarda os números na cabeça – o cargo de ministra do Meio Ambiente do governo Lula.
Balaio – Como foram estas conversas com os verdes?
Marina – Eles me perguntavam por que eu não entrava no PV, mas eu levava na brincadeira. Pedia para eles pararem com isso, mas eles respondiam que estavam falando sério. Nas últimas semanas, começaram a me informar que estavam preparando a refundação programática do PV, com a participação de pessoas da academia, para colocar a questão do desenvolvimento sustentável na agenda estratégica do partido, planejando a desverticalização da direção e a conquista de novos militantes nos movimentos sociais. O quadro mundial mudou muito desde a criação do PV, há 24 anos, inspirado nos partidos verdes da Europa. Diante desta ameaça de aquecimento global, as questões ambientais não se resolvem sem uma forte integração com a dinâmica econômica. O mundo vive hoje uma forte mudança no modelo de desenvolvimento. É o grande desafio deste século. Estou fazendo uma grande reflexão sobre tudo isso.
Como se vê, o discurso de candidata pelo PV está pronto. O longo namoro dos verdes com Marina chegou ao pedido de casamento no dia 29 de julho último, quando ela foi chamada pela executiva nacional para ser oficialmente convidada a entrar no partido, acenando com o dote da candidatura.
Para convencê-la, mostraram-lhe uma pesquisa do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), coordenada por Antonio Lavareda, que costuma trabalhar para o PSDB e o DEM nas campanhas, provando a viabilidade eleitoral do seu nome.
Nas 81 páginas desta pesquisa feita por telefone, que veio a público no mesmo dia em que conversamos, conclui-se que no confronto direto entre Marina e Dilma, em quatro cenários, a senadora perde em um, empata em outro e ganha em dois.
Balaio – Além da pesquisa, o que mais vocês discutiram neste encontro do dia 29 de julho?
Marina – Foi uma conversa que durou quatro horas em que eu mais ouvi do que falei. Eles me falaram dos novos desafios, das dificuldades que vivem em vários Estados onde há problemas. Mas não quero subordinar a minha decisão sobre a candidatura aos números da pesquisa. O centro da minha reflexão é programático. Como podemos presrvar os ativos ambientais sem que isso traga efeitos indesejáveis ao desenvolvimento? Como podemos integrar preservação com desenvolvimento?
Marina explica que sua reflexão tem que levar em conta três etapas. A primeira, e mais difícil, é se deve ou não se desfiliar do PT, o partido que ajudou a criar. Depois, filiar-se ao PV. Por último, discutir uma possível candidatura.
Balaio – E em que pé está esta reflexão agora?
Marina – Ninguém sai de um partido, depois de 30 anos, e vai para outro só para se candidatar a presidente da República. Esta é uma reflexão visceral para mim e para este século, principalmente para os jovens. Agora vou me recolher em mim mesma para decidir. Precisamos atender ao mesmo tempo às legítimas necessidades das gerações presentes sem inviabilizar o futuro. Precisamos construir uma aliança intergeracional com compromisso ético.
Em nenhum momento da nossa conversa, antes que eu tocasse no assunto, Marina falou dos seus tempos de governo ou dos programas e projetos do PT nesta área, como se ambos já fizessem parte do passado.
Balaio – Neste um ano e meio que você deixou o governo, tem conversado com o presidente Lula? Como estão tuas relações com o governo e o PT?
Marina – Sempre que há necessidade de uma interação institucional da senadora com o presidente e o governo é natural que a gente converse. Foi assim na recente homenagem ao João Candido, com a anistia póstuma e a inauguração da sua estátua, e no episódio da regulamentação fundiária na Amazônia. Estou me sentindo muito serena quanto a isso, graças a Deus. Vários companheiros do PT vieram falar comigo para que ficasse no partido, para continuarmos juntos. Conversamos muito também sobre a crise do Senado nestas últimas semanas. Mas é um erro ficarmos só falando da crise do Senado. Quantas possibilidades nós não temos de melhorar a vida no nosso país? Kant dizia que o projeto de um mundo melhor sempre caminha em paralelo com o projeto de um mundo pior. As coisas são mesmo paradoxais. Existe a crise do Senado, claro, ela é grave, mas também existe muita esperança neste Brasil, neste mundo em que a gente vive. Vivemos aqueles momentos do cerceamento da liberdade na ditadura, mas nunca vivi tanta esperança como naquela época. Mais tarde, um sociólogo consolidou a democracia e elegemos um metalúrgico realizador das nossas utopias. As políticas sociais do governo Lula são a realização das nossas utopias, embora estejam ainda apenas no começo. Isso precisa ser preservado e consolidado.
Marina se anima ao falar das utopias e dos utopistas, para desespero da assessora que fica olhando o relógio (num único dia, Jandira chegou a receber 60 ligações de jornalistas). Fala de Florestan Fernandes, Celso Furtado, Paulo Freire, Chico Mendes, D. Hélder, D. Moacyr, e junta na mesma lista Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, “os mantenedores das utopias”.
“Quero ser para os jovens e as pessoas da minha geração o que estas pessoas que citei foram para mim, uma mantenedora da utopia”.
Na hora de me despedir, Marina lembra que batizou sua única filha de Moara (ela tem mais três filhos homens), que quer dizer liberdade em tupi-guarani, em homenagem à primeira campanha presidencial de Lula, em 1989, quando ela estava grávida da menina.
“Viajava pelo Acre com uma barriga de oito meses, expremida num avião monomotor, entre o Jorge e o Tião, e eles falavam que eu ia entrar em trabalho de parto”.
Em tempo: Se Marina for mesmo candidata, ela foi o quarto presidenciável que deu entrevista exclusiva a este Balaio desde a abertura do blog em setembro do ano passado (antes dela, foram Aécio, Ciro e Dilma). Agora só falta José Serra.
Se depender dos leitores do Balaio, que decisão Marina Silva deve tomar?
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