Em 1961, o personagem de capa da edição 21 da Brasileiros, estava no início de sua brilhante carreira de pianista internacional. Então com 20 anos, João Carlos Martins foi escolhido pelo compositor argentino Alberto Ginastera para interpretar o seu Concerto para Piano e Orquestra. De execução extremamente difícil, a peça de Ginastera passou para a história como um verdadeiro desafio e, para piorar um pouco mais a tarefa, João Carlos recebeu as cem páginas da partitura apenas três semanas antes da apresentação.
A partir daquele momento ele não parou de ensaiar nem na viagem de avião que o levou a Washington onde aconteceria o concerto. A bordo, ele passou o tempo todo dedilhando um teclado mudo, para exercitar os dedos e decorar a complexa obra.
No dia 21 de abril daquele ano, ele estreou com a Orquestra Sinfônica Nacional de Washington o Concerto para Piano e Orquestra, de Alberto Ginastera. Um tremendo sucesso!
Quarenta e oito anos depois a cena se repete. A bordo de um ônibus rumo à Universidade Estadual do Rio de Janeiro, enquanto aparentemente cochila depois de conversar com os repórteres da Brasileiros, o maestro executa os mesmos gestos da viagem para Washington. Em vez de no teclado mudo, ele dedilha na superfície do seu celular, mas o motivo é outro. Além de ensaiar ele precisa recuperar os movimentos. Suas mãos foram lesionadas em diferentes e incríveis situações que mergulhariam um ser humano comum em profunda depressão.
Não é o seu caso. Sua vida é um exemplo de talento, de sucesso e, principalmente, de resistência à adversidade. Depois de ter comido o pão que o diabo amassou, hoje ele faz ainda mais sucesso. O apresentador da Rede Globo, Fausto Silva, refere-se a ele como o Maestro do Povo.
Mas de todas as suas vicissitudes a pior foi a execração pública no caso Pau Brasil, quando, por amizade, se envolveu com o caixa dois da campanha de Paulo Maluf. Talvez atraído pelas facilidades e fantasias do poder e de suas vizinhanças, ele foi vítima da precariedade do caráter de alguns políticos. Caiu, por fim, na armadilha do maniqueísmo de uma ala da imprensa, virtuosa na execução de uma sinfonia, cujo andamento, presto e con molta raiva, tem em seu grand finale solos de linchamento.
O episódio Pau Brasil foi, para a carreira do maestro, pior que todos os seus percalços físicos que, como se pode ver na reportagem que começa na página 46, não foram poucos.
Ele foi linchado pela mídia. Numa generalizada demonstração de absoluta falta de equilíbrio, de uma hora para outra o maior intérprete de Bach virou vilão e cúmplice de político desonesto. Ninguém mais se lembrava dele como gênio.
Em tempos de tentações messiânicas e de uma quase talebanização da Justiça, onde a desmedida caça às bruxas, aos ricos e aos poderosos tem um efeito, que, na melhor das hipóteses, vitimiza supostos culpados, é bom conhecer sua história. Uma história que vale a pena ser contada.
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