Experiências de bibliotecas

O que é, o que é?

“O que é que tanto se tira proveito, na medida em que se abre?”

A charada aparece em um luxuoso pergaminho, do século 15, atualmente conservado no castelo de Chantilly.

A resposta: o livro.

Mas também poderia ser a biblioteca, tais são as semelhanças entre a parte e o todo.

Ambos se encerram em si mesmos, entre duas capas ou entre paredes. Pouco importa. Interessa observar que, no momento mesmo em que se abrem, um mundo totalmente novo se revela. E quando se fecham, toda a verdade ali se detém, intacta, até que outrem ouse libertá-la.

Livros e bibliotecas por muitos séculos se confundiram com um só objeto. Na Antiguidade, o modelo de biblioteca era tomado por uma coletânea de escritos, a exemplo da Biblioteca Histórica, de Diodoro, de 86 a.C., compilação exaustiva, feita com base nos manuscritos da monumental Biblioteca de Alexandria. Também esse palácio criado por Ptolomeu Sóter, no século 3 a.C., não tivera outra sorte: reunir o conhecimento até então produzido pela cópia e reunião de todos os livros que passassem pelo vigoroso porto da cidade ou pela aquisição de rolos junto aos centros de saber os mais importantes ou, ainda, pela presença de sábios que vinham enriquecer o acervo com suas palestras e suas escritas.

A literatura é particularmente rica em testemunhos de toda a sorte de experiência. Como tinta fresca, cujas cores se projetam de um livro ricamente ilustrado, Cleópatra se desenrola de um tapete e se desnuda sob o olhar de Júlio César. Fascinado – arremata Plutarco – “com a desfaçatez da mulher”. O encontro provocaria o primeiro incêndio do palácio, em 47 a.C., o qual, felizmente, não acometeu sua volumosa coleção.

A experiência da biblioteca vai muito além da descoberta da leitura, por si só importante. Devassar os espaços, até os desvãos, eis a imagem mais eloquente. Há quem diga que a internet concorre com as bibliotecas, muito mais do que com os livros. Afinal, tornou-se muito fácil encontrar volumes inteiros, dos mais raros aos mais rotineiros com apenas um clique. Assim, os espaços são devassados virtualmente, tanto quanto os livros. Experiências incompletas que roubam ao leitor a experiência única de percorrer corredores por vezes sombrios, de se deslumbrar com espaços inacreditavelmente luxuosos, de se entorpecer com o cheiro muito peculiar aos papéis envelhecidos, de se embevecer, enfim, com a presença dos livros. Quando todo o mistério do mundo se desnuda entre paredes, ganha-se muito mais do que conhecimento. “É o alumbramento”, diria Manuel Bandeira.

*Professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Autora, entre outros títulos, de O Império dos Livros. Instituições e Práticas de Leitura na São Paulo Oitocentista, Edusp/Fapesp, 2011 (vencedor do Prêmio Sérgio Buarque de Holanda – Melhor Ensaio Social 2011, da Fundação Biblioteca Nacional). Editora da Revista Livro, do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição (Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária – USP).


Comentários

2 respostas para “Experiências de bibliotecas”

  1. Avatar de cicero augusto pimentel
    cicero augusto pimentel

    quando entrei pela primeira vez em uma biblioteca fiquei encantado com tantas historias,tanto conhecimento,em um unico lugar.Na escola,ao inves de ir jogar bola e brincar no recreio,me escondia na biblioteca até o sinal tocar.Por isso decidi me tornar bibliotecario.Mas hoje me deparo com a cruel realidade,a maioria das bibliotecas,como essa que trabalho,estao vazias.Ninguem se interessa,ninguem frequenta.Os poucos que a procuram sao alunos do ensino medio a procura dos livros que sao obrigados a ler pelos professores,e sao sempre os mesmos:SAO BERNARDO graciliano ramos,DOM CASMURRO machado assis,IRACEMA jose de alencar…muitos alunos ja chegam com raiva e tedio ao ver a grossura do livro.o interesse pela leitura deve ser estimulado desde criança,e nao forçado pelas escolas como é feito hoje.

  2. Com certeza, aqui na minha casa-biblioteca é assim mesmo, a casa se confunde com a biblioteca, já não sei mais se a biblioteca está na minha casa ou se eu moro numa biblioteca!!! É ótimo acordar em meio aos livros, tê-los à mão a qualquer hora do dia ou da noite. Poder matar minha sede de conhecimento naquela hora em que ela surge, sem nem precisar sair de casa, ou poder ir dormir, sem precisar sair da biblioteca…

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