O dólar comercial no Brasil fechou a última quinta-feira cotado em R$ 3,1960, no menor patamar desde julho de 2015. Meio ano atrás, em 21 de janeiro, o dólar estava em R$ 4,166. Se um investidor estrangeiro comprou reais em janeiro e os revendeu nesta sexta, lucrou 30,3%. Levando em conta que a taxa básica de juros no Brasil está em 14,25% ao ano desde setembro de 2015, se esse investidor investiu os seus reais em títulos públicos, ele pode ter conseguido um lucro bruto de 37% em apenas seis meses.
Não precisa ser assim. Em bate papo realizado na última quarta (3) em São Paulo, no lançamento do livro Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil, do economista Pedro Rossi, ficou claro que o Banco Central dispõe dos instrumentos necessários para evitar essa gangorra cambial que prejudica o desenvolvimento do País. Em sua apresentação, Rossi ressaltou que a moeda brasileira é a que mais se valoriza nos momentos de boas expectativas e a que mais se desvaloriza nos momentos de crise internacional.
Em sua exposição, Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo, chamou a atenção os prejuízos que esses movimentos especulativos trazem para a economia brasileira. Se os investidores estrangeiros aplicassem em títulos do Japão ou da Alemanha, levariam séculos para obter os rendimentos obtidos no Brasil: “Não é um mecanismo neutro. Trazer dinheiro barato de fora e especular aqui no mercado à vista e no mercado futuro proporciona lucros altíssimos. É algo importante trazer esse debate para as decisões de política econômica e quebrar o mito de que nada pode ser feito”.
Segundo Lacerda, controlar o câmbio não constitui apenas um desafio técnico, mas uma questão política, porque depende da correlação de forças vigente na sociedade. Ele destaca a importância de traçar uma política econômica que não beneficie apenas “um grupo específico, mas favoreça o desenvolvimento do País como um todo”.
Ricardo Carneiro, professor da Unicamp e ex-diretor do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), disse que Rossi mostrou que “é possível controlar a taxa de câmbio”, ao contrário do que sustentavam muitos economistas ortodoxos. Esses controles foram postos em prática em 2012, durante a gestão de Guido Mantega, e “o câmbio foi impedido de se valorizar”: “Nós mostramos, tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista prático, que o controle do câmbio é possível”. Se ele não é controlado, tal como ocorre hoje, é porque a volatilidade atende aos interesses dominantes.
“A contribuição decisiva do Pedro é mostrar como a taxa de câmbio no Brasil se forma no mercado futuro e é transmitida para o mercado à vista. Isso tem implicações práticas, porque agora sabemos como intervir na taxa. Só não temos a força política para fazê-lo. Mas a tese criou um instrumento de ação política muito relevante”, disse Carneiro.
André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, ressaltou que muitos especialistas do mercado financeiro “não têm a mais vaga ideia de como se forma a taxa de câmbio. A verdade é essa. O mercado faz uma leitura excessivamente simplória dos acontecimentos. Em 2014, alguns colegas correlacionavam a desvalorização do real à subida da Dilma nas pesquisas, o que não fazia o menor sentido. A mesma coisa ocorreu neste ano: achavam que a valorização do real era um sinal de que Dilma ia sair. Não tinha nada a ver. Eles não entendem os móveis que determinam o câmbio”.
Na opinião de Perfeito, o tema é muito espinhoso: “O que estamos vendo agora uma regressão, uma volta para trás. Acho que o real vai se desvalorizar até o final do ano em razão de um projeto que a elite embarcou e que está fadado a dar muito errado”.
Laura Carvalho, professora de Economia da USP, também ressaltou o que o Brasil está adotando uma plataforma neoliberal que é cada vez mais questionada: “Houve um enorme avanço no mundo na aceitação sobre os controles de capitais, inclusive pelos economistas ortodoxos. Mesmo o Fundo Monetário Internacional publica relatórios que admitem que a livre circulação de capitais talvez não seja o melhor caminho. O Brasil está na contramão do mundo, adotando um discurso que o mundo está abandonando”.
Segundo Carvalho, o problema do Brasil é que “Banco Central controla a inflação no País, em boa parte, por meio da taxa de câmbio. Quando o câmbio desvaloriza, o dólar fica mais caro, os produtos importados ficam mais caros, o que tende a acelerar a inflação por alguns meses. O estudo do Pedro permite que a gente entenda o mecanismo para reduzir os juros sem gerar inflação de forma rápida. Controlar capitais é crucial para desvalorizar o câmbio de forma mais lenta, sem um grande impacto nos preços”.
O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, por sua vez, chamou a atenção para a necessidade de focar a análise na discussão de um problema estrutural: a tendência brasileira a ter uma moeda apreciada, o que tem impactos negativos sobre a indústria nacional: “Tenho ficado cada vez mais convencido que o juro alto e câmbio apreciado é a armadilha econômica fundamental que afeta a economia brasileira desde o Plano Real. Antes a gente não crescia por causa da inflação alta e da dívida. Mas depois que esses dois assuntos terminaram não tivemos grande crescimento”.
“E o crescimento não aconteceu”, explica Bresser, “porque sempre tivemos uma taxa de juros muito alta e uma taxa de câmbio ciclicamente apreciada. Ela não fica apreciada o tempo todo, mas permanece apreciada por ciclos”. Por exemplo, o dólar passou anos em torno de R$ 2,50 em termos reais, quando precisaria ficar em pelo menos R$ 3,80 para dar competitividade à indústria nacional. Segundo Bresser, “quando o câmbio fica apreciado por longo prazo, ele se torna o determinante fundamental do investimento. . Sempre se discute a taxa de câmbio no Brasil em razão de sua volatilidade. Ela é muito volátil, mas essa volatilidade tem uma lógica. Ela se deprecia violentamente nas crises, e depois fica vários anos apreciada”. E, com isso, condena o País ao baixo crescimento.
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