Tenho acompanhado as várias manifestações nas redes sociais, os memes e fotos de pessoas segurando cartazes com a frase “Feliciano não me representa”, em protesto contra o fato do deputado ter assumido a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. A revolta de termos um deputado racista e homofóbico como presidente de uma comissão que deveria tratar dos direitos humanos e das minorias é bastante compreensível, compartilho desse sentimento e também acho que a situação está nos limites do absurdo.
A crítica, os movimentos na internet, as marchas e as mobilizações populares, no entanto, deixam escapar por entre os dedos a questão-chave nessa e em outras histórias correntes na Câmara dos Deputados. Principalmente, porque Marco Feliciano foi transformado inimigo público número um, e um fenômeno midiático, com sua eleição sendo abordada como caso isolado, um ponto fora da curva no processo político representativo – o que não é necessariamente verdade. Não é por infeliz exceção que temos, além de Feliciano, um ruralista como presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA). A organização do Poder Legislativo como se dá hoje é falha, concentra poder e não dá espaço para a participação e a vontade popular. E esse processo, de fato, não nos representa. Mas Feliciano não se tornou presidente da comissão por passe de mágica ou desígnio divino. Tão pouco porque assim escolheram os brasileiros. Ele foi eleito por seus pares que compõem a CDHM.
Infelizmente, não podemos saber quem votou e elegeu o deputado, pois o Regimento Interno (que regulamenta o funcionamento da Câmara Federal) diz que a votação é secreta. A falta de transparência desse tipo de manobra política é uma das falhas do processo. A vaga que Feliciano ocupa na CDHM foi cedida ao PSC pelo PMDB. Essa distribuição de vagas também é regulamentada pelo Regimento Interno e o documento diz que é atribuição do líder da bancada fazer esses escambos. Mas, o que é pior, apesar de oficialmente ser um processo de eleição – ainda que com voto secreto – a prática corrente na Câmara dos Deputados é que todos esses cargos e vagas são decididos previamente nos bastidores, em acordos entre as lideranças – que não geram e não permitem nenhum escrutínio público. Foi em um acordo desses que o PSC negociou que Feliciano seria o novo presidente da Comissão. E para isso trocou favores, votos e apoio político em outras questões.
Faz sentido que nenhum de nós se sinta representado por Feliciano. O nosso sistema político pouco nos representa e abre pouco espaço para que o cidadão possa interferir e participar, além de um voto (obrigatório) a cada quatro anos. Além disso, o sistema eleitoral proporcional quase sempre garante que você vai acabar elegendo gato por lebre. Se quisermos transformar a política e os políticos, e nos sentirmos representados, precisamos entender o processo, suas restrições e suas possibilidades. Feliciano eventualmente sairá da Presidência da comissão, uma grande vitória da sociedade e da pressão das redes! Mas ele poderá ser trocado por outro deputado do PSC, permanecer como membro da Comissão e até ser relator de uma série de projetos de lei. Provavelmente, todos nós passaremos para a próxima revolução nas redes, e deixaremos nossos parlamentares continuarem a decidir e comandar a política em acordos e negociações internas – ou seja, deixaremos que eles simplesmente nos representem. Para que Feliciano não nos represente, precisamos mais do que simplesmente tirá-lo de lá: precisamos entender e rever nossos processos políticos.
*Pedro Markun é diretor do Jornal de Debates e um dos idealizadores do Transparência Hacker, entidade de cyberativismo que agrega mais de 800 voluntários e propõe a utilização de plataformas virtuais para promover uma maior interação da sociedade nos processos democráticos
Deixe um comentário