Andréa Beltrão povoa o imaginário do brasileiro há mais de duas décadas. Representando mulheres fortes, ternas e sedutoras – como a jornalista Zelda Scott, de Armação Ilimitada, a musa dos quadrinhos Radical Chic ou a solteira e independente cabeleireira Marilda de A Grande Família -, ela tornou-se um emblema dessa nova mulher que começou a ganhar traço no Brasil a partir dos anos 1980.
Depois de quase oito anos dedicados ao A Grande Família, a atriz começou o ano de 2010 anunciando que abandonará o seriado. Admite ter entrado em um período sabático e quer mais é saber de curtir a vida ao lado do marido Maurício Farias – cineasta e diretor do programa – e dos três filhos, Chico, de 14 anos, Rosa, de 13 anos, e o caçula José, de 10 anos.
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Aos 46 anos, Andréa não é estrela de brilho efêmero. Tampouco pode ser lembrada apenas por êxitos recentes e restritos à televisão, declarada paixão. Ela construiu uma invejável carreira no teatro e foi por meio dos palcos que se aproximou da inseparável amiga – e, hoje, sócia, à frente do Teatro Poeira – Marieta Severo.
No cinema, a carreira de Andréa repetiu muitos dos passos recentes de nossa cinematografia. Nos anos 1980, esteve em filmes de apelo jovem, como Garota Dourada, de Lael Rodrigues, e Rock Estrela, de Antônio Calmon, além de pérolas da despretensão como As Sete Vampiras e O Escorpião Escarlate, de Ivan Cardoso. Na década seguinte, trabalhou em produções que ajudaram a apaziguar o cinema brasileiro e público, como Pequeno Dicionário Amoroso, de Sandra Werneck. Em 2008, viu sair do papel o longa-metragem Verônica, protagonizado por ela e dirigido pelo marido. Horas antes desta entrevista, havia recebido um telefonema do amigo Fernando Meirelles, dando as boas novas de que vencera o prêmio de melhor atriz da edição 2010 do Los Angeles Brazilian Film Festival, por sua atuação em Salve Geral, de Sérgio Rezende.
Flagramos Andréa nesse hiato em que se dedica a ser apenas Andréa, e convidamos para conduzir a entrevista a atriz, cantora e também jornalista Stella Miranda. Stella formou-se atriz na conceituada École Internationale de Mime, Mouvement et Théâtre, em Paris, e tornou-se célebre no papel de Carmem Miranda. Descobriu a paixão de encarnar a pequena notável, em 2001, quando aceitou o convite do amigo Miguel Falabella para protagonizar o musical South American Way. A performance resultou em um prêmio Shell e uma segunda incursão à personagem, o espetáculo Miranda por Miranda, que percorrerá o circuito SESC São Paulo no segundo semestre de 2010. De 2007 a 2009, ela deu vida à impagável síndica Dona Álvara Miranda, no humorístico Toma Lá Dá Cá.
Nosso encontro acontece no Teatro Poeira, e Andréa é a primeira a aparecer. Despojada, ela veste jeans, camiseta e calça um par de tênis. A imagem que projeta condiz com a postura de pessoa acessível e simples. Seguimos para o camarim, ela verifica se há café nas garrafas térmicas e, diante de uma conclusão negativa, segue até a copa vazia e toma a dianteira. Minutos depois, sob a aragem de um café fresco e delicioso, é Stella quem chega e nos conduz por um bate-papo prazeroso, em que várias facetas dessa grande mulher e atriz, que é Andréa Beltrão, são reveladas.
Brasileiros – Como é que você começou no Teatro Tablado?
Andréa Beltrão – Procurei o Tablado, pois estava muito desiludida com o esporte. Era nadadora, jogava vôlei e tive de parar com tudo, pois tive um problema no joelho. Minha vida era o esporte. Chorava de madrugada, pois treinava horas e só pensava nisso. Largada em casa, aquela típica adolescente deprê, jogada o dia todo no sofá. Um belo dia, meu padrinho, Luiz Jorge Werneck Vianna (o importante sociólogo e cientista político), que é irmão da minha mãe, e meu herói, chegou e me convenceu: “Vai pro Tablado, vai fazer teatro”. Me obrigou a ir. Me botou pelas mãos no ônibus 558-Horto, me deixou na porta e recomendou: “Na hora de ir embora, só não pegue o 138”. Claro, foi justamente o ônibus que eu peguei e parei lá na puta que pariu! No ponto final, sem dinheiro, voltei pedindo moedas, ganhei o suficiente para as passagens – que ainda eram em fichinhas, verdes, rosa, dependia do percurso. A minha era uma verde. Paguei, entrei e consegui voltar. Chegando em casa, chorei muito. Fiquei muito assustada com o horto e aquela floresta no ponto final.
Brasileiros – Tempos depois, você encara o desafio de viver o João Grilo, no O Auto da Compadecida, do Ariano Suassuna.
A.B. – Sim. Foi ali que percebi que queria ser atriz. Queria muito fazer o João Grilo, pois em tudo o que eu fazia, queria estar à frente, ter notas boas. Eu era nadadora e sonhava em ir para as Olimpíadas de Moscou. Sonho grande. Quando li o texto, logo pensei: “Qual é o máximo que eu posso extrair disso aqui? Óbvio: fazer o João Grilo!”. Não tinha ambição de dizer: “Quero ser atriz e esse é o melhor papel”. Se eu estivesse fazendo uma mesa, eu iria querer fazer a mesa mais bonita. Sou perfeccionista, sou obsessiva, sou muito disciplinada com as coisas, organizada e muito exigente comigo. Quando fizemos a apresentação de fim de ano, o Bernardo Jablosnki e a Renata Sorrah estavam na plateia, e me lembro dessas figuras ilustres que chegaram para mim e disseram: “Olha você é uma atriz. Você tem de levar essa carreira adiante”. Tive essa mesma certeza quando estava em cena e pra mim foi um susto, pois achava que eu estava só cobrindo obrigações que o texto me ordenava e, quando comecei a atuar, fiquei fascinada com as pessoas rindo muito. Eu falava algo e eles achavam engraçado. Falava mais uma vez e achavam mais engraçado ainda. Foi ali que me perguntei e percebi o que é que estava realmente acontecendo comigo. Muito emocionante.
Brasileiros – E a televisão, como foi a sua entrada para a TV Globo?
A.B. – Eu era avessa à televisão até não mais poder. Ir para a tevê era uma coisa horrorosa. Todos iriam dizer: “Ora, você se vendeu!”. Até que a Débora Bloch, que estava comigo na companhia Manhas e Manias, foi fazer uma novela na Globo, e demos uma perseguida radical nela: “Pô, Debbie, você não pode mais ensaiar à tarde, como é que vai ficar?”. E ela: “Ah, mas o que posso fazer? Estou ensaiando pra tevê”. E nós a acusávamos: “Pô, mas você se vendeu para a tevê?!”. Ao que ela respondia, firme em seus argumentos: “Ora, poupem-me, tenho de trabalhar, tenho de me sustentar, moro sozinha. Cago e ando para vocês. Preciso trabalhar”. Daí que fui sacando que aquilo era uma tremenda idiotice e comecei a ver que ela não tinha mudado. Passei a concluir: “Gente, ela continua a mesma coisa, só que agora ela tem um Fusca azul turquesa e leva a gente para tudo que é lugar bacana. Ela é a mesma pessoa. Não contaminou nada. A tevê não pode ser um lugar tão mal assim”. É por isso que defendo: para mim, a porta do desejo da televisão se abriu pela Debbie.
Brasileiros – E como foi a chegada nessa indústria dos sonhos?
A.B. – O começo na Globo foi muito difícil, pois eu não tinha espaço para nada, contracenando com Antônio Fagundes, Débora Duarte, Zezé Motta, Marcos Paulo, Glória Menezes, Lauro Corona. A primeira vez que encontrei a Glória Menezes no corredor, não acreditei. Passei, repassei, fiquei disfarçando e passando por ela, várias vezes, para ver se era ela mesma. Quando ela me deu um bom dia, estremeci. Era algo muito distante para mim. Eu era muito tímida e meu maior exercício era não incomodar ninguém, não falar alto, não fazer sombra em ninguém. Tinha total noção de meu tamanho. Acho que é uma qualidade que eu tenho. Sei direitinho a hora de expandir, como também sei a hora de fechar.
Brasileiros – Como passou a ganhar espaço nas telenovelas?
A.B. – Tive várias reprovações, até que um dia me chamaram para fazer mais um teste. Havia três papéis: a linda da novela, a problemática, e uma outra que era a feia, o patinho feio da trama. Claro, a linda ficou com a Malu Mader – com todo o merecimento, ela é uma mulher deslumbrante – a problemática foi a Luiza Thomé, e eu fiquei com o patinho feio. Minha sorte é que o Lauro Corona era meu parceiro na novela. Uma figura encantadora. Eu supernervosa e ele falava, gentil: “Sei que você está nervosa, tremendo, mas fique bem, isso aqui é só um trabalho. Todos se conhecem, estou do seu lado. O que você não souber, me fale. Se você estiver mal posicionada eu te ajeito em cena. Te coloco na melhor luz. Fique tranquila, tenho certeza de que você vai ser muito feliz como atriz”. Só que daí, logo, logo me separei dele na novela, pois ele tinha de ficar com a bonitona, a Malu Mader. Era uma novela do Gilberto Braga e ele tinha milhões de personagens para desenvolver. Eu era apenas uma iniciante. Tinha de saber esperar minha vez. Um belo dia, ele me deu uma cena bacana para fazer. A personagem jurava que ia se casar, levava um fora e rasgava o vestido de noiva. A cena ficou perfeita.
Brasileiros – E como surgiu o Armação Ilimitada?
A.B. – Em uma das novelas que fiz, me arranjaram um romance com o Marcos Paulo e, a princípio, era ele quem iria dirigir o Armação Ilimitada. Fazíamos sempre muitas cenas dentro de carro como namorados e, enquanto esperávamos para gravar, ele vinha: “Aí, Andréa, tá foda! Estou com um projeto e não consigo atriz para fazer. Já chamei fulana, sicrana, beltrana, e ninguém quer fazer. Não aceitam fazer”. E eu não tinha cara de falar: “Poxa, Marcos, me chama!”. Achei que a resposta seria um gigantesco não, e até dava ideias para ele: “Poxa, já pensou na fulana?”. Ele chamou treze atrizes, muitas delas tops no elenco da Globo e todas negaram o convite. Um dia, eu estava em casa, largada, e toca o telefone, era ele: “Oi, Andréa, olha só: não tenho atriz para fazer esse papel. Faz você. Olha o texto com carinho, vê se você gosta”. Respondi de imediato: “Marcos Paulo, onde está o texto? Quero pegar agora”. Ele encaminhou uma cópia do texto para minha casa e fiquei apaixonada.
Brasileiros – Identificou-se de imediato com a personagem?
A.B. – Sim, pois a Zelda Scott era uma personagem incrível. Uma jornalista que vinha da Sorbonne e ainda por cima era filha do Paulo José, que fazia um comunista. Uma garota com dois namorados. Foi nessas circunstâncias que ganhei o papel e hoje acho que foi algo que era pra ser meu mesmo. O Marcos teve de abandonar o projeto, pois havia sido convocado para uma novela. Com sua saída, o Guel Arraes veio dirigir o programa e foi uma comunhão total. Ali encontrei um território livre. Tive muitas certezas. Meu espaço. Poder ser do jeito que eu era. As coisas em que acreditava faziam efeito ali.
Brasileiros – Vocês desconfiavam que realizavam algo de revolucionário para os padrões da televisão da época?
A.B. – Ao menos eu, não tinha noção alguma. Era muito jovem. A única coisa que tinha certeza é de que tinha encontrado a liberdade. Estava livre e aceita. O meu jeito era aceito. Porra, que glória! Não precisava fingir uma coisa que não era. Meu nariz é grande, meus dentes eram trepados – eu consertei depois. As pessoas me reconheciam na rua e diziam: “Isso não vai dar certo, uma mocinha nariguda!”. Me entrevistavam na época e perguntavam: “Você pensa em fazer alguma correção?”.
Brasileiros – Assim como o programa marcou a televisão brasileira, é indiscutível que Zelda tornou-se um divisor em sua carreira.
A.B. – Sim, a Zelda foi fundamental para esse êxito, pois ela sempre trazia elementos legais à trama. Os episódios tinham aventura, mas, pela Zelda, tinha sempre um viés mais intelectual. Tive de declamar Castro Alves, Casemiro de Abreu. Coisas de um pedaço da cultura da gente que o Guel pegava no meio da aventura e falava: “Toma aqui: poesia, um pouco de arte francesa”. Isso era algo muito interessante. Abria uma janela bem abusada dentro do programa, que permitia muito e não tinha limites.
Brasileiros – Outro marco em sua vida é essa parceria duradoura com a Marieta. Qual o segredo da união de vocês?
A.B. – Já conhecia a Marieta, mas ficamos mais próximas durante A Dona da História, espetáculo de João Falcão onde contracenávamos. Um belo dia, tivemos de dividir o camarim. Marieta era protagonista e produtora da peça. Levava o piano nas costas. Eu lá, muda, quieta, e ela me veio: “Odeio ficar sozinha em camarim, fica aqui comigo?”. Um sonho para mim. Imagine eu e ela, lado a lado, naquela bancada de camarim. Foi aí que tudo começou. Logo nos primeiros dias, nos reuníamos para a maquiagem e vinham dar o toque na porta: “segundo sinal”. A gente se atrasava, pois não parávamos de falar. Outro exemplo cênico que acho que diz bastante sobre a gente, na peça As Centenárias tem uma hora em que jogamos um boneco uma para outra. Às vezes, acontece de eu jogar mal o boneco, ele não chegar até ela e ela ter de pegá-lo no chão. Quando ela joga para mim de volta, eu não pego o boneco, deixo o boneco cair no chão também. Fica 0 x 0, não pode ficar 1 x 0. Acho isso algo como a essência da nossa relação profissional e pessoal: se o boneco de uma cair no chão, dá-se um jeito do boneco da outra cair também, para ficar tudo 0 x 0.
Brasileiros – Como você, ela também é uma pessoa extremamente acessível e simples, não é?
A.B. – Sim. Acho que a Marieta é aberta a todos. Ela tem essa qualidade incrível. Não tem preconceito com nada, com ninguém. Sempre aberta. Vai com qualquer um, com qualquer coisa. Sabe criança que você diz: “Ah, ela é muito dada?”. A Marieta é muito dada. Vou dar outro exemplo emblemático para vocês entenderem do que se trata. Quando íamos começar a turnê de A Dona da História, um belo dia eu cheguei ao camarim e tinha de dar a notícia de que estava grávida de meu terceiro filho, o José. Turnê fechada, contrato assinado, patrocinadores apostando tudo, cheguei para a Marieta e falei: “Marieta, olha, fodeu! To grávida!”. Chorava, aos prantos e ela: “Mas você está chorando por que, criatura? Se for por causa dos compromissos, pode parar. A gente para tudo. A coisa mais importante é o teu filho, Andréa. A peça, a gente faz uma outra hora. Para de chorar, mulher. Vamos comemorar, você está grávida!”. Foi maravilhoso, só uma pessoa que te ama muito para tomar uma postura dessas. Para ela, assim como eu, a família é a primeira coisa. Trabalho é fundamental, mas vem depois. Uma parceria assim é difícil. Há sempre muitas sutilezas e muitos desejos que às vezes não são correspondidos.
Brasileiros – Sua saída temporária do A Grande Família vai afastá-las por um período. Está preparada para isso?
A.B. – Não, não pretendo voltar. Eu agora não estou mais lá forever. O programa está no ar, há dez anos. A princípio, fui fazer uma simples participação, pois eles precisavam que o núcleo feminino do programa tivesse um botequim. Assim como tinha a pastelaria do Beiçola, onde os homens se reuniam, precisava também de um lugar para as mulheres se reunirem. Daí, surge o salão e a cabeleireira. Entrei e foi muito legal porque a Marieta e eu já jogávamos uma bola muito redonda. O público gostou e aí vieram outras participações, até que me propuseram ficar fixa e fiquei por sete anos.
Brasileiros – Você tem algum novo projeto em vista?
A.B – Até tenho algumas possibilidades, mas nada para agora. Quero fazer uma turnê pelo Brasil da As Centenárias com a Marieta. Vamos viajar pelo país, pois a estrutura é pequena. Sete ou oito pessoas. Com esse tipo de produção enxuta, tudo dá certo e é mais prazeroso quando se está na estrada. Vamos aos mesmos lugares, vamos às mesmas feirinhas. Até pra tomar banho é mais fácil. Além disso, tenho dois convites de cinema para fazer esse ano e, acima de tudo, tenho a Globo. Estou neste momento aguardando para ver qual será a proposta dela.
Brasileiros – E sua experiência com o cinema, você tem algum trabalho predileto?
A.B. – O filme que mais adorei fazer foi Minas, Texas. Filme que ninguém viu, pois coincidiu de ser lançado justamente quando a Embrafilme foi fechada pelo Collor. Não houve distribuição. Filmamos em Minas Gerais, e o diretor Carlos Alberto Prates não tinha um orçamento grande. Então, se não tinha carrinho, colocávamos a câmera em um skate, se não tinha grua, fixávamos a câmera em uma gangorra de criança. Parecia que eu estava em um set do John Cassavetes, que é um dos meus ídolos. Foi demais fazer Minas, Texas.
Brasileiros – Como você, que é mãe de dois adolescentes e de um pré-adolescente, lida com essa nova realidade dos filhos que já nascem prontos para a internet e as novas tecnologias?
A.B. – Adoro a internet, adoro o YouTube, mas você paga um preço por ter de escolher o que muitas vezes é o aceito por todos. A grande globalização tornou-se a grande pasteurização. Você acaba indo sempre atrás daquela mesma informação que todo mundo vai ter. O acesso à informação, hoje, é mais democrático, mas o que eu gosto mesmo é de ter a curiosidade de descobrir as coisas, sozinha, ter o prazer de descobrir algo primeiro. Essa é uma questão de personalidade e envolve até se vestir diferente dos outros.
Brasileiros – E o assédio da imprensa que vive à custa de celebridades, te incomoda?
A.B. – Cago e ando para os paparazzi. Não vou deixar de ter meu maior prazer que é ir à praia com meus filhos. Vejo alguém com câmera e nem ligo. Quando percebo, simplesmente, viro de costas. Não vou privar meus filhos de uma vida normal. Acho que, justamente por ter essa postura, não sou uma pessoa que eles queiram muito. Minha foto deve ser baratíssima, por volta de uns quinze reais.
Brasileiros – Como é que consegue ser assim tão reservada?
A.B. – Faço análise há mais de vinte anos, e tenho esse meu instinto de preservação natural, que me recomenda não estar lá, em meio a holofotes e tapetes vermelhos. Não é da minha natureza. Não me sinto à vontade. Meus prazeres e meu bem-estar são muito prosaicos e banais. Para vocês terem uma ideia, respondi pelo meu trabalho, desde sempre. Só há dois anos sucumbi à necessidade de ter uma secretária, pois minha rotina não é fácil: filhos, marido, casa, teatro, televisão. Tudo isso fui eu quem cuidou a vida toda. O que é meu é meu. Não gosto de delegar nada.
Brasileiros – Voltando às origens e ainda a questões familiares, você tinha o apoio dos seus pais? Qual foi sua formação?
A.B. – Estudei sete anos da minha vida em escola pública (no George Pfister). Um colégio enorme, no aterro do Flamengo, com árvores e frutas. Quando entrei lá, morava em Copacabana. Nasci em Ipanema. Garota de praia. Meus pais me deram força, mas minha mãe o tempo todo falava: “Estuda, não deixe de estudar, filha”. Fiz dois anos de UNIRIO, estudei teatro, mas comecei a trabalhar tão intensamente que tive de abandonar o curso. Fiquei muito triste de não ter concluído e de não ter o diploma.
Brasileiros – Li em algumas entrevistas suas que você é ateia. É isso mesmo?
A.B. – Sim, sou ateia. Fui batizada, mas não fiz primeira comunhão. Meus filhos não foram batizados. Às vezes penso: “Ai, ai, ai, será que Deus existe mesmo e vamos todos pro inferno?”, mas passa rápido. Não acredito mesmo. Acredito mais quando um físico começa a explicar a origem do mundo. Tenho muita esperança nas pessoas. Sou muito positiva e acho sempre que o melhor pode acontecer. Uma pessoa que tem uma vida terrível e, de repente, aquela vida floresce. Isso talvez seja algo espiritual. Um caminho interno. E talvez você só consiga passar por certas coisas se trabalhar isso. Se isso for espiritualidade, acho que posso dizer que tenho alguma espiritualidade, mas isso não tem nada a ver com religiosidade. Às vezes, quando está tudo muito ruim ou triste, me concentro em minha família, nas pessoas que eu gosto, na força, na coragem. Me apego mais a esses sentimentos humanos. Não consigo me conectar com alguma coisa que não seja concreta para mim.
Brasileiros – E seus filhos, como lidam com isso?
A.B. – A Rosa sabe rezar, e se interessa um pouco. Tinha até um santinho que ela botava em baixo do travesseiro para dormir e ela gosta de rezar com minha sogra, que é portuguesa e sabe uma série de orações bonitas. Agora, eles não discutem muito, mas já ouvi discussões assim: “Rosa, Deus não existe, você é louca? Deus, que Deus? Você acha que se Deus existisse alguma criança pobre ia morrer de fome? Você acha que se Deus existisse iriam fazer violências contra as crianças?”. E ela respondia aos prantos: “Não. Tudo isso é mentira sua. Coitado dele, ele não pode tomar conta de tudo”. E o Chico insistia: “Ele não tá nem aí, sua boba. Ele se esquece dos pobres”. E ela: “Não, você está errado. Ele vai resolver essa situação”. José, o menorzinho, não entendia nada, coitado. Penso que a melhor postura é deixar cada um na sua. Acho que se ela realmente acreditar, ela vai ter de descobrir a certeza dela. É muito bom assistir aos filhos, crescendo, pensando, se formando. É muito lindo.
Brasileiros – Como você se sente hoje, aos 46 anos?
A.B. – É muito bom ter 46 anos, pois ainda tenho muita força, vitalidade e o rostinho ainda está ok. Você se olha no espelho e sabe que tem muita experiência. Grandes realizações. Estou muito feliz nessa idade e pretendo continuar assim. Idade não quer dizer mais nada. O que importa é você saber como é que está sua cabeça, como é que você está se relacionando com as pessoas no mundo, como é que você está sendo produtivo, se está trabalhando. Se está feliz e bem de saúde. Minha mãe é uma gatona e me espelho nela. Ela usa roupas como as minhas e fica o máximo. Veste calça jeans, tênis. Vai à praia de biquíni.
Brasileiros – Como tem encarado esse seu momento de dedicação total à própria vida e ruptura com algo que estava tão inserido em seu cotidiano?
A.B. – Durante os quase oito anos que fiquei na A Grande Famíla, tive muitas inquietações. Fiz, recentemente, Os Aspones, As 50 Leis do Amor e O Som e Fúria, e já estava com uma coceira de fazer outra coisa de novo. Concluí que estava na hora de eu sair. Não seria justo com o programa ficar entrando e saindo. De certa maneira, acho que também é bom para o programa ter outra atriz. Não sei o que é que eles vão fazer, se haverá uma substituta, mas sei que não podia mais. Fui eu que pedi para sair.
Brasileiros – A imprensa tem noticiado que você irá estrear um novo projeto de Cláudio Paiva, chamado Programa Piloto no segundo semestre deste ano. Os órfãos da Marilda e fãs da Andréa podem contar com isso?
A.B. – Infelizmente o programa foi suspenso e estou sem projeto algum na televisão agora. A Globo achou por bem não colocar no ar. Uma questão de grade e é algo normal. Às vezes, a gente joga uma carta e ela não cola. Até que alguma hora cola. É um vazio que é bom. To andando em baixo da marquise para ninguém nem ver. Vamos ver se consigo, pois sou contratada e não tenho esse controle todo dos meus passos lá dentro.
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