No dia 19 de março, Fernando Morais entregou à Editora Planeta os originais de seu novo livro, O Mago, a biografia do escritor Paulo Coelho. Era o dia de São José, padroeiro do biografado, que deve ter respirado com alívio, depois de quatro anos e vigilância redobrada. À mesma hora, quem devia estar igualmente feliz era o santo do biógrafo, caso ele tivesse um. Chegava ao fim um período tormentoso na vida de Fernando, que o deixou 10 quilos mais gordo, com a barba embranquecida e a pressão arterial atingindo picos de 18 por 15. O autor de grandes biografias, como Olga e Chatô, e de vertiginosas reportagens, como A Ilha, Transamazônica e Na Toca dos Leões; escritor traduzido em 21 países, com 3 milhões de livros vendidos, Fernando Morais pronunciou várias vezes, durante os últimos dois anos, o mantra da insegurança: “Não vou dar conta”. Embora ateu, considerou seriamente pedir proteção ao Menino Jesus Barbudo, a imagem de uma igrejinha dos Pireneus que Paulo lhe apresentou. A tarefa parecia difícil demais.
Perfeccionismo, medo do fracasso e dificuldade de retratar um personagem tão amado e odiado poderiam explicar uma parte das suas agruras. Mas a razão principal da angústia foi o permanente conflito entre o desejo de contar a melhor história e a lealdade ao biografado. Desta vez, ao contrário das experiências anteriores, estava retratando um homem vivo. E além do que ele lhe contara em entrevistas e de tudo que havia apurado na reportagem exaustiva sobre sua vida, teve acesso a informações que Paulo Coelho só tivera coragem de contar a si mesmo. Até confiá-las a seu biógrafo.
Já estava trabalhando havia dois anos e meio e o livro começava a tomar forma, quando, relendo mais uma vez o testamento do escritor, chamou-lhe a atenção uma referência intrigante perdida na letra miúda do documento. Existia um baú, guardado no quarto de empregada do apartamento do escritor, no Rio, e seu conteúdo deveria ser imediatamente incinerado, quando ele morresse. As chaves estavam sob os cuidados de Belina Antunes, administradora do Instituto Paulo Coelho, que gerencia suas atividades de cunho social, e mãe da agente internacional do escritor, Mônica Antunes. Baú secreto era tentação demais para um repórter como Fernando, e ele tratou de correr atrás.
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No começo, Coelho negaceou, falou em revistinhas e trens elétricos, em tralhas de garoto. Sob pressão, ganhou tempo – ou, para usar uma expressão de seu repertório, impôs a Fernando uma ordália, como são chamadas as provas iniciáticas da seita Ram, a que pertence. Disse que trocaria a chave do tesouro pelo nome do militar que o prendera em 1969, em Ponta Grossa (PR), ao confundi-lo com um assaltante de banco, e ameaçara “arrancar-lhe um olho da órbita e mastigar”. Acreditava, provavelmente, que a tarefa seria mais difícil. “Foi bico”, descreve Fernando. “Conheço bem a história daquela época e muitos amigos meus estão no governo.” Em poucas semanas, Paulo Coelho ficou sabendo a identidade de seu algoz: major Índio do Brasil Lemes, citado, pelos maus serviços prestados, no inventário Tortura Nunca Mais. Paulo perdeu a aposta, e cumpriu a promessa.
O baú era na verdade uma mala enorme, daquelas que acomodavam roupas penduradas em cabides, em viagens de navio. Estava fechada havia tanto tempo que servia de suporte a uma televisão preto-e-branco. Abrigava diários que Paulo escreveu dos 12 aos 48 anos, registrados em 170 cadernos e centenas de fitas cassete. Acumulavam-se ali desde ingênuas observações infantis e desabafos de um adolescente maltratado pela família – “mamãe é uma grandissíssima besta, papai é a mesma coisa” – até relatos de sentimentos íntimos e de experiências pouco edificantes, constrangedoras e, por vezes, chocantes. De posse delas, Fernando foi obrigado a recomeçar o livro.
Saiu dos diários, por exemplo, a história do “Anjo da Morte”. Aos 19 anos, arrasado de solidão e sentimento de fracasso, Paulo tentou se matar respirando gás, mas caiu em si e interrompeu a operação de vedar as janelas. Lera em algum lugar que, uma vez chamado à terra, o Anjo da Morte exigia algum tributo para partir de volta. Paulo pulou o muro de um terreno baldio onde os moradores de uma favela próxima criavam cabras e, com uma faca de cozinha, degolou um cabrito.
Constavam das anotações, também, crueldades cometidas contra algumas namoradas. De uma delas, Fabíola, ele exigiu como prova de amor que o deixasse apagar um cigarro em sua coxa. E ela deixou. A mineira Adalgisa, com quem viveu alguns anos, suportou cargas piores. Deprimida, depois de fazer um aborto, confessou que tinha pensado em suicídio. Paulo a encorajou. Freqüentava na época um psiquiatra apelidado de doutor Sombra, que atribuía às situações extremas poder curativo. Diante do namorado impassível, Gisa engoliu um vidro de calmantes e mergulhou no mar, mas voltou à praia, para alívio de uma pequena multidão que se aglomerava, inquieta.
Paulo vivia com Gisa, e produziam juntos uma história em quadrinhos para o jornal Diário de Notícias, quando ele foi chamado a depor no Dops, no Rio de Janeiro. Queriam tirar a limpo alguns enigmas: o que era a tal Sociedade Alternativa, que ele cantara num show em Brasília, e o que significava Krig-Ha Bandolo, nome de seu LP com Raul Seixas. A explicação de que a frase significava “cuidado com o inimigo” reforçou as suspeitas, e de nada valeu insistir no parentesco com a historinha de Tarzan. Paulo e Gisa foram presos e interrogados, e o terror piorou quando, minutos depois de solto, ele foi seqüestrado, dessa vez sem registro, como acontecia na época. A experiência o deixou frágil, paranóico e envergonhado do ato de covardia que cometeu contra a namorada. Ao distinguir sua voz, quando ele estava sendo levado ao banheiro, Gisa, provavelmente encapuzada, implorou que ele desse um sinal de sua presença, mas, com medo, ele se calou. O pedido dela ressoou por muito tempo em seus tímpanos.
Os diários de Paulo colocavam sob lente de aumento suas experiências com drogas – metodicamente anotadas, como tudo na vida do futuro escritor -, com homossexualismo e com demonologia. Sobre a investigação da sexualidade, ele contaria ao biógrafo a surpresa que experimentou ao abordar pela primeira vez, numa boate, um jovem gay. “Quer ir para a cama comigo?”, perguntou, sem rodeios. A resposta também foi direta: “Não, não quero”. Paulo ficou desconcertado. Estava acostumado a fazer sucesso com as mulheres, mas, ao ver tantos amigos felizes com a homossexualidade, queria saber “se não eram eles que estavam certos”. A terceira e esforçada tentativa o demoveu de vez. O tema só reaparece nos diários como parte dos sonhos de um personagem, supostamente fictício, chamado D, que sente prazer na humilhação de ser penetrado. Outro sonho de D: vê a mãe ser violentada por vários homens, e se excita com a visão.
O satanismo, também registrado nos diários, foi mais duradouro na vida de Paulo. O diabo e o inferno entraram em seu repertório pelos ensinamentos religiosos que recebeu dos jesuítas no Colégio Santo Inácio, e exerceram um certo fascínio sobre ele, ao contrários de todos os outros assuntos que a escola tentou lhe ensinar. Os primeiros flertes com o demônio, mostram suas anotações, foram ingênuas revoltas contra Deus, por não lhe impedir o impulso irresistível de se masturbar. “Fostes vós que criastes o pecado, a culpa é vossa!”, vociferou o garoto. Mais tarde, quando fazia reportagens para A Pomba, publicação marginal com a qual colaborava e que depois passou a editar, conheceu um guru desaforado que o apresentou às teorias do bruxo inglês Aleister Crowley, conhecido no mundo artístico, na Europa e nos Estados Unidos. Sempre por escrito, Paulo Coelho fez contratos com o diabo, às vezes para cancelar, assustado, horas depois. Na ocasião em que foi preso pelo Dops, tinha acabado de viver em casa sensações estranhas, que interpretou como uma visita do “príncipe das trevas” e que o fizeram procurar, correndo, uma igreja.
Não faltam em sua vida episódios comprometedores, como a história do jovem Nelson Liano Jr., que escreveu sozinho o livro Manual Prático do Vampirismo, assinado por Paulo, e não ganhou nem dinheiro nem crédito. Ou a do rapaz contratado como escravo para servir ao escritor na Espanha, por um remuneração menor que a que seria necessária para sobreviver, e a do jabá pago a radialistas dispostos a falar bem de seus primeiros livros. Como lidar com tudo isso?
“Se ele tivesse me apresentado alguma restrição, se pedisse para deixar algum assunto de fora ou, pelo contrário, recomendasse algum aspecto, minha situação seria mais fácil”, calcula Fernando. Com toda a decisão por sua conta, o peso foi esmagador. “Eu não estava escrevendo sobre uma estátua de bronze, mas sobre uma pessoa de carne e osso, que confiou em mim”, queixa-se. Dezenas de jornalistas americanos e europeus já haviam batido à sua porta com projetos de biografia, e ele recusara. “Aceito porque é o Fernando Morais”, respondeu aos editores da Planeta, com quem Fernando estava em negociação, depois de descobrir que o personagem que propusera, Hugo Chávez, já estava nas mãos de outro brasileiro (o jornalista Bob Fernandes). A mesma disposição prevaleceu quando Fernando expôs, logo na primeira conversa, que não permitiria a leitura dos originais: “Ele aceitou na hora”. Paulo Coelho só pode pôr as mãos em sua biografia na primeira semana de junho, poucos dias antes do lançamento no Brasil.
Definindo-se como um jornalista que decidiu “mandar nas próprias pautas, no tamanho das matérias e no prazo de entrega”, Fernando avançou lentamente sobre as decisões espinhosas que o livro exigia. E, embora lhe doesse, priorizou o compromisso de contar a melhor história possível. “Joguei fora o equivalente a outros dois livros de 600 páginas, mas em nenhum deles se encontraria nada mais importante do que o material publicado”, afirma. Por estranho que pareça, a abundância de revelações delicadas não eliminou a grandeza do personagem. O Paulo Coelho que o leitor de O Mago fica conhecendo travou uma batalha desesperada contra inimigos cruéis, como a rigidez das convenções, a solidão e, sobretudo, a falta de amor. Sobreviveu, principalmente, porque tinha o sonho inabalável de se tornar um escritor conhecido.
Há um sabor de revanche nessa história, e o autor o destila habilmente. A celebridade que ele acompanha em recepções cintilantes, tapetes vermelhos e coletivas lotadas, e que atrai fotógrafos ávidos e multidões ensandecidas de admiração, foi um garoto magrinho, feioso, o último da classe. Durante a infância e a juventude frustrou todas as expectativas familiares: jamais cumpriu a fantasia paterna da nota boa no colégio da elite e concluiu o colegial numa escola desprezível, do tipo “pagou-passou”. Num dia inesquecível, venceu o concurso de redação do colégio e chegou a sua casa eufórico, com pressa de mostrar aos pais, finalmente, um sucesso. Eles não se impressionaram.”O Brasil tem milhões de habitantes e milhares de escritores, mas apenas um Jorge Amado”, declarou a mãe, Lygia. Era melhor acabar logo com aquela bobagem de ser escritor.
Deprimido e desajustado, por três vezes o internaram à força na Casa de Saúde Dr. Eiras, onde foi submetido a eletrochoques e a doses cavalares de calmantes. Escreveu no diário
que tinha medo de não querer mais nada, como viu acontecer com os pacientes catatônicos que cruzava nos corredores. No esforço de sobreviver, agarrou-se às pessoas que o aceitavam, inicialmente, poucas: freqüentadores do Cine Paissandu, jovens intelectuais do Rio dos anos 1960 e atores de modestas companhias de teatro, que lhe mostraram que tinha humor para encantar uma platéia. Agarrou-se, sobretudo, às namoradas. Nos dias tenebrosos de sua primeira internação, as visitas de Renata Sohachevski, futuramente Renata Sorrah, e para ele Pato, impediram-no de achar que fora inteiramente esquecido.
É num mundo opaco que se desenrolam os primeiros anos de sua história. Padres fanáticos, psiquiatras cínicos, pequenas autoridades e militares prepotentes esbarram em malucos da contracultura. Um dos momentos mais encantadores do livro descreve o primeiro encontro com um rapaz de terno brilhoso, funcionário de uma gravadora, que fora à redação de A Pomba procurar o autor de uma reportagem. O autor era o próprio Paulo, escondido num pseudônimo, e o visitante era Raul Seixas. O tema que justificou a visita, o satanismo, logo evoluiu para a profícua parceria musical que rendeu a Paulo, pela primeira vez, dinheiro e independência. Raul e o rock-‘n’-roll o levaram também ao mundo das gravadoras, onde ele chegou a ser um executivo poderoso. Mas não era aquele o seu sonho.
O Mago decifra as engrenagens que movem a milionária marca Paulo Coelho. A grande figura desse território, depois do próprio escritor, é sua agente internacional, Mônica Antunes. Ao contrário dos agentes tradicionais, como a catalã Carmen Balcells, que cuida de nomes como Gabriel García Márquez e Mário Vargas Llosa, entre dezenas de escritores, Mônica possui um único cliente. Mas, já que é um cliente traduzido em 66 idiomas e consumido em mais de 160 países, o escritório Sant Jordi Asociados, que ela criou para isso, não tem mãos a medir.
Mônica apareceu na vida de Paulo Coelho em 1988, com pouco mais de 20 anos e um exemplar desconjuntado de O Diário de um Mago na bolsa. Ficaram amigos. Mônica passou a andar com ele por todos os lugares, no Rio, e estava presente no dia em que a Editora Eco, que lançou O Diário de um Mago, deu um pontapé na sorte e comunicou ao escritor que não estava interessada em O Alquimista. Um ano depois, quando Mônica contou que ia se casar e se mudar para a Europa, Paulo lhe sugeriu tentar vender seus livros, mediante uma comissão de 15%. Durante quatro anos, as vendas pouco avançaram e o cargo de Mônica não parecia muito promissor. Por isso, quando ele recebeu, lisonjeado, uma ligação da lendária Balcells, achou que era hora de deixar sua amiga inexperiente por um grande nome do setor. E teria, de fato, deixado, se não fosse a firmeza de Mônica sobre suas possibilidades de sucesso. Além de bater pé, ela se atirou num trabalho de formiguinha, aproveitando a primeira Feira de Frankfurt aberta depois da conversa para bater à porta de centenas de editores de todo o mundo. “Entrincheirada em seu apartamento do (bairro de) Rubi, em Barcelona, a jovem transformou The Alchemist no abre-te sésamo de editoras que, em outras circunstâncias, jamais dariam atenção a uma iniciante”, relata Fernando em O Mago.
Uma parte importante do livro é dedicada à imprensa. Pesquisados ao longo dos anos, desde que o segundo livro de Paulo, O Alquimista, se confirmou como um grande sucesso no país, os impropérios desferidos contra Paulo Coelho acabam lançando mais luzes sobre o jornalismo brasileiro do que sobre as qualidades da obra criticada. Embora estourado nas vendas durante meses, ele só virou assunto aqui depois de fazer sucesso no exterior. Além disso, a ira contra sua produção aumentou na proporção de suas vendagens, alimentando a suspeita levantada por Tom Jobim de que o sucesso é mesmo imperdoável entre nós.
Até sugerir Paulo Coelho como tema à editora que publicou seu Na Toca dos Leões, sobre a agência de publicidade W/Brasil, Fernando Morais observava distraidamente o fenômeno Paulo Coelho: “Somos contemporâneos, ouvi muito Raul Seixas e sei de cor algumas letras que ele assinou”. Sabia também, vagamente, que ele vivera uma fase de drogas e flertara com o satanismo. Há cerca de dez anos, abriu pela primeira vez um livro dele, para saber do que se tratava. Achou curioso, mas compreendeu que não era o leitor típico. “Ele escreve para quem tem fé”, diz Fernando. Percebeu, contudo, que, sob aquele fenômeno planetário – mais de 100 milhões de livros vendidos em todos os continentes e a devoção de leitores que acorrem à menor possibilidade de vê-lo de perto -, havia muito que descobrir. Era, no mínimo, um assunto capaz de interessar a leitores do mundo todo. Inicialmente, 47 dos 166 países que lêem Paulo Coelho já encomendaram traduções.
O biógrafo não enfrentou nenhuma dificuldade prática. A editora pagou-lhe US$ 250 mil para começar o trabalho e bancou todas as despesas que ele julgou necessárias – entre elas, viagens com Paulo Coelho a Praga, Budapeste, Hamburgo, Paris e Cairo, e à casa do escritor no vilarejo de Saint Martin, no País Basco francês. ma operação tecnológica comandada por seu amigo Wagner Homem, o “Cachorrão”, e pelo irmão Reinaldo resultou num banco de dados em que cada informação podia ser acessada em frações de segundo, por nome, data e assunto. E o biografado se encarregou de abrir-lhe as portas.
Fernando propôs conviver com ele durante três semanas. “Num encontro breve, o sujeito pode fingir. No dia-a-dia não há pose que resista”, ensina. “Queria saber como ele come, como trata os empregados, com que cara acorda de manhã, o que guarda na carteira”. Instalou-se para isso no hotelzinho Henri IV, um velho casarão cuja pompa se esgota no nome, em Tarbes, nas proximidades de Saint Martin, o mesmo onde Paulo e a mulher, a pintora Christina Oiticica, encontraram hospedagem durante uma peregrinação a Lurdes. Viveram meses no hotel, antes de comprar o velho moinho, agora reformado, onde passam quatro meses por ano. Era para lá que Fernando rumava todos os dias, por volta das 8 da manhã, antes mesmo que o dono da casa acordasse. À noite colocava no laptop o chip da gravação, que era transcrita em São Paulo pela secretária, Marília, e voltava para ele no dia seguinte em arquivos de Word, para releitura.
Fernando foi ver seu personagem em ação nos grandes acontecimentos do mundo editorial por onde ele circula. Encontraram-se no Aeroporto St-Éxupery, em Lyon, em maio de 2005, e embarcaram juntos para Budapeste, onde ele iria comparecer a uma série de eventos do Festival do Livro e à costumeira rodada de entrevistas. Espantou-se ao vê-lo chegar sozinho ao aeroporto, vestido de preto da cabeça aos pés, carregando uma mochila e uma mala de rodinhas. “Achei que ele tivesse um séquito ou, no mínimo, alguém para fazer o check-in e despachar a mala.” Só havia dois indícios de singularidade naquele passageiro franzino, observa Fernando, na abertura de seu livro. Um era o pequeno rabo de cavalo, de quatro dedos de comprimento, chamado sikha, “penacho usado por brâmanes, hindus ortodoxos e monges hare krishna”, como explica a seus leitores. A outra distinção era um minúsculo broche de ouro esmaltado de vermelho, que trazia na lapela – a Ordem Nacional da Legião de Honra, ou Légion d’Honneur, criada por Napoleão Bonaparte e oferecida a ele por Jacques Chirac. Nada mais apropriado para alguém que circula do Caminho de Santiago ao Palácio de Buckingham.
Nos últimos anos, a estatura de personalidade internacional permitiu a Paulo Coelho pronunciar-se sobre diversos assuntos. E ele se exprimiu sempre com serenidade e descortínio. Partiu dele a melhor condenação da atitude autoritária de Roberto Carlos de tirar de circulação uma biografia não-autorizada. Partiu dele, também, numa sala cheia de empresários e figurões brasileiros, no Fórum Econômico de Davos, o protesto contra um palestrante que debochou grosseiramente do comportamento das brasileiras. Partiu dele, finalmente, no dia em que completou 60 anos, em 24 de agosto de 2007, uma carta ao autor de sua biografia. Queria confidenciar que, apesar da aflição de saber que todos aqueles segredos incômodos agora iriam se tornar públicos, achava melhor conviver com a verdade, pois a verdade liberta. Talvez digam que é marketing. Mas é preciso muita coragem. Primeiro para falar a verdade, depois para escrever.
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