Depois de seis dias, o festival de cinema da Paraíba, o Fest-Aruanda, foi encerrado com uma bonita homenagem ao cineasta Cacá Diegues, um dos seis rapazes do que se cunhou chamar de Cinema Novo, movimento dos anos 1960 no Brasil. O cineasta de Xica da Silva estava muito contente com a homenagem e recebeu o Troféu Aruanda pelo Conjunto da Obra das mãos de outro homenageado do festival deste ano, Linduarte Noronha. Cacá Diegues se lembrou da importância de Linduarte para o início do Cinema Novo. “Sem Linduarte Noronha e seu Aruanda, os caminhos do Cinema Novo certamente seriam outros”, disse, olhando para o mestre.
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O festival premiou os filmes de curta-metragem ficção, animação e documentário. Pela primeira vez, os frequentadores do Fest-Aruanda puderam votar para escolher os melhores filmes de longa e curta-metragem. Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Cail, que abriu o festival na sexta-feira (10) e foi bastante aplaudido durante e no final da exibição, venceu na categoria longa-metragem. Já Eu Não Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro, que havia ganhado como melhor filme no Festival de Paulínia, foi o vencedor de curta-metragem do júri popular. O filme retrata, de forma delicada, a descoberta do amor entre pessoas do mesmo sexo, no caso dois garotos de um colégio. As pessoas que assistiram ao filme vibraram com o desenrolar amoroso dos garotos e aceitaram um tema bastante delicado, que é o homossexualismo.
O Fest-Aruanda teve bom público, que lotou algumas sessões noturnas, além de belíssimas homenagens, comentadas durante a nossa cobertura. A seguir, leia entrevista com Cacá Diegues, que apresentou o filme 5 X Favela, Agora Por Nós Mesmos, realizado por sete jovens das favelas cariocas (Wagner Novais, Rodrigo Felha, Cacau Amaral, Luciano Vidigal, Cadu Barcellos, Manaíra Carneiro e Luciana Bezerra), para o público na noite de quarta-feira.
Brasileiros – Como você vê hoje o filme Cinco Vezes Favela, os cinco episódios produzidos pela União Nacional de Estudantes (UNE), em 1962?
Cacá Diegues – É um filme muito generoso politicamente e que acabou tendo uma importância muito grande, porque foi um dos pilares da construção do chamado Cinema Novo, o desenvolvimento cinematográfico da minha geração. E também porque foi um dos primeiros filmes brasileiros a tematizar a favela, que era uma coisa sobre a qual não se falava. Não era um assunto nobre para o cinema, com exceção de Nelson Pereira dos Santos e alguns outros cineastas. Ninguém tematizou a favela como o nosso filme.
Brasileiros – E qual era a visão de vocês, realizadores do filme Cinco Vezes Favela, naquela época?
C.D. – Evidentemente que havia toda uma ingenuidade. Nós éramos muito jovens, com um olhar de fora. Esse filme agora, 5 X Favela, Agora Por Nós Mesmo, é um filme feito de dentro da favela por jovens cineastas moradores das favelas cariocas. Eles conceberam, escreveram e realizaram o filme. Meu papel foi de produtor. Ou seja, de coordenador, criando condições para que eles fizessem o que eles queriam fazer.
(N.R.: Um favelado, de Marcos Farias; Zé da Cachorra, de Miguel Borges; Escola de samba alegria de viver, de Cacá Diegues; Couro de gato, de Joaquim Pedro de Andrade; Pedreira de São Diogo, de Leon Hirszman são os filmes e respectivos realizadores do projeto, em 1962).
Brasileiros – Como você enxerga a diferença entre os dois filmes, da década de 1960 e o de agora?
C.D. – Claro que a diferença é muito grande. O Brasil é outro, a favela é outra, o cinema é outro. Então, existe uma diferença muito grande.
Brasileiros – O Fest-Aruanda deste ano comemora e homenageia os 50 anos de realização de Aruanda, de Linduarte Noronha. Qual a importância desse filme para o movimento dos cinemanovistas?
C.D. – Linduarte Noronha foi um dos nossos inspiradores. Ele e Nelson Pereira dos Santos. Linduarte é bem mais velho do que nós (diretores do Cinema Novo). Hoje, não é mais (risos). Mas quando você tem 20 anos, uma diferença de dez anos é significativa. Linduarte foi assim, um ícone para todos nós, como eu falei anteriormente. Linduarte Noronha e Nelson Pereira dos Santos foram os precursores de tudo isso que se fez no cinema a partir da década de 1960. Aruanda foi um filme que nós vimos com uma emoção muito grande. Tudo que a gente queria fazer era aquilo ali. Não se pode pensar no primeiro longa de Glauber Rocha, Barravento, sem pensar em Aruanda. Esse filme teve uma importância enorme no filme do Glauber. Eu não conhecia Linduarte pessoalmente. A distância entre o Rio de Janeiro, onde eu morava, e a Paraíba era muito grande. A gente não se via com uma constância que eu gostaria. Ele, sem sombra de dúvida, foi um dos nossos grandes mestres. Seria Nelson Pereira dos Santos na ficção e Linduarte Noronha no documentário.
Brasileiros – Como você vê o panorama da produção do cinema nacional hoje?
C.D. – Nesse momento, nós estamos assistindo, de alguns anos pra cá, diria até muitos anos pra cá, uma grande diversificação regional, estética, política e cinematográfica dos filmes brasileiros. O cinema brasileiro, hoje, não existe só no eixo Rio-São Paulo, como era a tradição. Hoje, existe no Brasil todo. Aqui no Nordeste, o pessoal está fazendo um cinema moderno, importantíssimo, atualíssimo, inserido no que está acontecendo no País. No Rio Grande do Sul é a mesma coisa, com os diretores Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo. No Ceará e Pernambuco idem. Em Brasília. Existem vários momentos para se fazer cinema. E o Brasil tem uma vocação cinematográfica muito grande, por sua diversificação regional, cultural, étnica. Enfim, por tudo isso.
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