Acontece na Holanda um dos maiores festivais de documentários internacionais do mundo, o International Documentary Film Festival Amsterdam (IDFA), que começou dia 19 e vai até o dia 30 deste mês. O que é bacana é o número de documentários sobre o Brasil. Alguns títulos são dirigidos por brasileiros, mas outros derivam de produções europeias.
Uma das principais produções relacionadas ao Brasil é o documentário sobre o sanfoneiro Dominguinhos, que morreu em julho do ano passado, depois de uma longa luta contra o câncer de pulmão.
Depois de quatro meses de exibição no Brasil, o filme que retrata a trajetória de vida do cantor desde o início de sua infância e imigração para o sudeste até sua consagração com recentes apresentações suas, estreia para o público de Amsterdam.
Em uma entrevista após a sessão do último domingo (23), um dos diretores, Eduardo Nazarian, e Deborah Osborn, da produtora bigBonsai, que estavam presentes, falaram sobre a produção do filme da audiência da obra fora do Brasil. Em uma sensível homenagem, o trabalho, que resultou em um produto profundo sobre a vida do amado músico cantor e compositor do nordeste brasileiro, causa emoção de forma poética apresentando o som e a arte de época e lugar.
“Por ele ser um músico, nós tentamos captar os sons do nordeste, naquele tempo que o inspirou, quando nem rádio lá chegava. Também achamos importante o som da natureza de onde ele veio, pois conta muito do jeito que ele era, de sua identidade”, conta o diretor Eduardo Nazarian, que é graduado em Música pela City University of New York e obteve créditos em Orquestração pela The Juilliard School of Music.
O documentário segue Dominguinhos por um bom tempo, desde representações artísticas de sua infância até retratos de apresentações musicais suas mais próximas de sua morte.
Principalmente por essa primeira parte de retratação da vida dele, 80% do filme é baseado em arquivos. A narração, inclusive, é realizada com a voz do próprio músico.
“Nós filmamos os últimos três anos da vida dele, incluindo vários concertos e shows em filmagens. Depois, virou um filme completamente diferente do que esperávamos. Quando fomos fazer a primeira edição, percebemos que tínhamos muito material para retratar a vida do músico depois dos 70 anos [de idade dele], que foi muito rica, mas achamos que esse material não devia entrar para o documentário, que deveria contar mais da sua história desde que ele imigrou para o sudeste”, explica Nazarian sobre o conteúdo que se transformou na websérie Dominguinhos.
Assim, o projeto se tornou multiplataforma. “Devido a esse trabalho, hoje todos podem assistir pelo canal do Youtube as lembranças que famosos artistas brasileiros como Gilberto Gil, Djavan, Elba Ramalho, Hermeto Pascoal, João Donato, Lenine, Yamandu Costa e Hamilton de Holanda contam várias passagens em oito episódios, além de ouvir a uma playlist inédita”, conta Aydar.
O documentário final é poético e artístico. “Quando decidimos fazer o filme, Dominguinhos já tinha a fama de um artista popular, era um grande ícone da música do nordeste brasileiro. Essa versão dele já era bastante conhecida, nós queríamos mostrar a outra”, afirma Nazarian.
O filme Dominguinhos começa com uma cena muito bonita e artística que nos leva a nos sentir na pele de uma criança nordestina brasileira. No meio da seca, pobreza, e ao mesmo tempo uma liberdade e vida conectada com o simples e com a natureza. Só depois, entra a narração na voz do próprio protagonista homenageado contando a sua história.
Mais do que falar da música de Dominguinhos, o documentário é uma homenagem sensível ao nordestino brasileiro. As características de um homem humilde, bondoso, corajoso e talentoso sobressaem. De forma discreta, a qualidade do trabalho do músico transparece na película.
Da mesma forma, personalidades famosas que participaram da carreia do cantor são incorporadas, como Luiz Gonzaga, que o ajudou muito no início, principalmente, oferecendo-lhe dinheiro e a oportunidade de se juntar a ele nos palcos. Além dele, também aparecem Nara Leão, Gilberto Gil e Gal Costa como grandes parceiros de palco do músico.
Tendo estudado em uma das melhores escolas de música do mundo, Nazarian não teve dúvida ao escolher o personagem de seu documentário. “Nossa cultura brasileira é muito rica e ao mesmo tempo é subvalorizada. Dominguinhos, na verdade, é muito sofisticado, muito mais do que é reconhecido. Ele é visto como alguém que fez música agradável e simples, mas a habilidade dele era imensa, principalmente quando se fala de tocar sem ensaio”, diz.
Além de Dominguinhos, Eduardo Nazarian, Joaquim Castro e Mariana Aydar, o IDFA ainda traz sete outros documentários com a temática do Brasil de alguma forma:
O Sal da Terra, de Juliano Ribeiro Salgado e Wim Wenders, sobre o trabalho do internacionalmente renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado;
Pixadores, de Amir Escandari, sobre quatro jovens de favelas de São Paulo, cuja missão na vida é pulverizar críticas sociais pelos altos prédios da capital;
Rio 50°, de Julien Temple, que retrata a metrópole capaz de acomodar tanto a Copa do Mundo de 2014 como as Olimpíadas de 2016, apesar dos problemas estruturais, mostrando o Rio sob os olhos de seus habitantes;
Também ao redor dos locais da Copa do Mundo, Gabriel Reports the World Cup, da holandesa Els van Driel, é um curta que, pela visão de um garoto brasileiro de 14 anos, morador de um dos bairros mais pobres de Fortaleza, denuncia as demolições de casas para receber o evento;
Solo – Out of a Dream, do holandês Jos de Putter, que conta a história do garoto Leonardo, que foi retirado de uma favela do Rio de Janeiro para ser jogador de futebol na Holanda, onde se consagrou, até que decidiu abandonar tudo para voltar às suas origens, onde hoje mora novamente;
Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho, um documentário de 2007, que retrata a vida de uma série de mulheres brasileiras diferentes pela interpretação de famosas atrizes do nosso País.
O festival conta ainda com a presença de mais diretores brasileiros, além de premiações e debates.
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