A coreógrafa Gal Martins acredita que a dança contemporânea é revolucionária. Por isso, ela organiza, pelo terceiro ano consecutivo, o Circuito Vozes do Corpo, que leva espetáculos dessa forma de expressão para o Capão Redondo e outros bairros periféricos da zonal sul paulistana. “A dança contemporânea tem por característica quebrar rótulos. Ela veio para quebrar o balé clássico e formas concretas. Quando a gente vem para a periferia, vem com um olhar político, social, crítico, voltado para a realidade das relações humanas”, explica a diretora da Companhia Sansacroma.
Na edição deste ano, 27 companhias de dança, incluindo grupos do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, se apresentam na mostra de quatro semanas, que termina no dia 1º de julho. “O circuito surgiu com a necessidade que a Companhia Sansacroma teve de fomentar a dança contemporânea na periferia, principalmente no Capão Redondo”, explica Gal. O projeto também tem o apoio da Secretaria da Cultura de São Paulo e do Sesc Santo Amaro.
A carência de programação cultural nas partes mais pobres e afastadas da capital paulista é confirmada pelo dançarino e educador Rafael Souza. “Tem muita gente, principalmente o pessoal jovem, que tem vontade de aprender, vontade de ter contato com algum tipo de expressão artística, e falta local. Tanto que quando aparece uma oportunidade, lota”, ressalta. Realmente, na primeira noite do Vozes do Corpo alguns espectadores tiveram que se sentar no chão.
Parte da plateia compareceu devido às ações de formação de público da companhia, que também tem um espaço na região, o Ninho Sansacroma. O trabalho de disseminação dos conceitos de arte e da dança contemporânea é realizado com os professores e alunos de dez escolas da região.
As ações incluem ainda visitas a famílias da comunidade. “Para falar de arte e cultura. [Perguntar] se eles conhecem as programações culturais da região e por que não frequentam – se não conhecem ou não querem. Então, começamos a realizar esse diagnóstico e a divulgar tudo que acontece na região, principalmente no nosso espaço”, explica a diretora do projeto.
O pedreiro Francisco Araújo, de 39 anos, foi um dos que conheceram o projeto pelas atividades desenvolvidas nas escolas. Quando jovem, abandonou os estudos para trabalhar na roça. “ Preferia mais trabalhar no roçado do que estudar e hoje estou aqui, depois de velho, quebrando a cabeça e tentando aprender um pouco”. O espetáculo Dimensão Oculta, que abriu o circuito, foi a primeira apresentação de dança que Araújo viu.
Após a performance, o público pode conversar e fazer perguntas aos artistas da companhia, como Cláudia de Souza, responsável pela apresentação da noite. “Nos espetáculos que a gente realiza aqui, sempre fazemos um bate-papo depois para saber quais foram as impressões que o público teve do trabalho e para que eles possam trocar com os artistas todo o processo de construção”, conta Gal. Após a primeira apresentação do circuito, a plateia perguntou sobre os conceitos envolvendo o espetáculo, quis saber se é possível viver de dança e como os artistas faziam para manter o corpo em forma.
A diretora do Sansacroma explica que as conversas e as ações na comunidade ajudam a aproximar as pessoas da linguagem da dança contemporânea.”Quando eles vêm assistir da primeira vez há um estranhamento, uma coisa do tipo: isso não pertence a mim, prefiro ouvir meu rap, meu samba’”, destaca. “Depois que se desenvolve, existe esse processo de fruição, aí muda um pouco o olhar”, completa.
Agência Brasil
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