Filhos das excelências nas escolas públicas

Atualizado às 13h40 do dia 1º/5

Só agora, começo da tarde de sábado, encontrei uma lan house no Café Maringá, em Bocaina de Minas, para liberar os comentários. Onde estou hospedado, em Visconde de Mauá, no meio do mato, não pega nem celular. Por isso, a demora.

Mas valeu a pena ler os mais de 100 comentários que chegaram para o post com o artigo do senador Cristovam Buarque publicado aí abaixo – no mais rico e qualificado debate desde que o Balaio entrou no ar em setembro do ano passado.

Depoimentos de professores, de pais de alunos e ex-estudantes de escola pública fornecem material para uma alentada discussão sobre os rumos do ensino no país. A maioria apóia a idéia de Cristovam, mas é cética quanto à sua aprovação pelos atuais parlamentares.

Pela primeira vez, não tive que excluir nenhum comentário, o que me deixa muito feliz e prova que a internet pode ser um belo fórum para o debate de idéias que não têm espaço na grande mídia.

Um dos leitores do Rio de Janeiro, Renan Doyle (aqui quase todos mandam seus comentários com seus nomes verdadeiros e completos), das 11H50 de hoje, resumiu no final do seu comentário o sentimento geral:

“Povo culto é povo questionador, e isto nenhum político quer, pois não se elegeriam e a mamata acabaria”.

Aos leitores:

viajo hoje para ir a um casamento em Visconde de Mauá, no Rio, e só volto no domingo. Não sei se lá será possível conectar a internet.

Por isso, não sei quando conseguirei fazer a moderação de comentários. Pretendo descansar um pouco, depois de passar várias semanas, incluindo fins de semana, direto no computador, que fica ligado das 9 da manhã às 11 da noite, e também precisa de uma folga.

Bom feriadão a todos. Deixo com vocês um instigante artigo do Cristovam Buarque que vale a pena ler.

Todo ano, tão certo como acontece no Carnaval, na Páscoa e no Natal, as manchetes sobre os resultados do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) se repetem:

Folha: “Enem expõe desigualdade entre públicas e privadas – Entre as 20 instituições mais bem colocadas no exame, 15 são particulares”.

O Globo: “Enem mostra a falência das escolas públicas nos Estados”.

Como mudar este quadro?

O senador-professor Cristovam Buarque, aquele eterno sonhador que sonha de olhos abertos, tem uma proposta: obrigar suas excelências, os políticos eleitos pelo povo, a matricular seus filhos em colégios públicos.

Ah, mas eles não vão querer, dirá o leitor mais cético ou realista, como queiram, com toda razão. Mas, que a idéia é muito boa, não tem dúvida. Se este projeto por milagre fosse aprovado, eles certamente se preocupariam mais em oferecer nas escolas públicas um ensino de qualidade para seus filhos.

Educação pública passaria a ser, de uma hora para outra, prioridade nacional.

Como não custa nada sonhar com um futuro melhor para o país, o Balaio publica abaixo com exclusividade este artigo escrito pelo meu amigo Cristovam Buarque.

O leitor vai encontrar nele bons argumentos para defender sua proposta de colocar os filhos dos eleitos nas escolas públicas onde estudam os filhos dos seus eleitores. Quem sabe, desta forma, um dia possam mudar as manchetes de todo ano sobre o Enem.

O que os amigos do Balaio pensam deste projeto? Tem alguma chance de ser aprovado? Se os leitores/eleitores se manifestarem, talvez suas excelências possam se tocar para, pelo menos, colocar em discussão a escola pública. Nunca é demais sonhar – e fazer alguma coisa para mudar a realidade.

Artigo para Blog do Kotscho

Cristovam Buarque

Meu pai e minha mãe não eram católicos praticantes, mas meu irmão e eu estudamos em colégios religiosos: maristas.

Além da proximidade da escola em relação a nossa casa, a principal justificativa é de que as vagas nas poucas escolas públicas já estavam preenchidas com os filhos das pessoas influentes, especialmente os deputados, senadores, vereadores, seus apadrinhados, ricos e bem conectados.

Ainda mais: as escolas religiosas eram baratas, os professores, missionários sem família nem salário. Não pagavam aluguel, nem impostos; os equipamentos eram apenas quadro negro e um simples laboratório de química e física.

Hoje, quando se propõe que os eleitos deveriam colocar seus filhos na escola pública, onde estudam os eleitores, a idéia é considerada demagógica.

Em 40 ou 50 anos, desde que a população pobre migrou à cidade e colocou seus filhos na escola pública, a parcela rica, inclusive os parlamentares, migraram para a escola privada.

A partir daí, a escola pública foi abandonada, entregue aos municípios.

Em pouco tempo, consolidou-se a ideia de que a apartação era legítima: ricos que podem pagar têm o direito de estudar em escolas particulares de qualidade; pobres, que não podem pagar, ficam em escolas ruins, precárias, sem equipamento, com professores mal pagos e desestimulados.

Quando se considera demagógica a ideia de fazer com que filhos de pobres e ricos, de eleitores e de eleitos, estudem na mesma escola, é porque se considera essa apartação legítima. Isso lembra o discurso de quem era contra a Abolição da escravatura, há 300 anos.

Quando, depois de 300 anos, surgiu a idéia da Abolição, ela foi vista como demagógica, impossível, injustificável.

Os argumentos então eram muitos. Primeiro, como considerar negros com direitos iguais aos brancos? Como fazer funcionar a economia sem escravos? Como tirar dos senhores o direito à propriedade que eles tinham comprado?

Pouco a pouco, a idéia virou realidade, ficou aceita e possível. Terminou acontecendo. Os proprietários foram desapropriados; os negros tiveram, é certo que apenas na lei, os mesmos direitos; e a economia não parou, ao contrário, adquiriu uma nova dinâmica.

O mesmo vai acontecer com a idéia da escola igual para filhos de eleitores e de eleitos. Terminará aceita, e trará um inegável impacto positivo na educação pública e, a partir daí, na democracia social ainda incompleta no Brasil.

Além disto, é uma maneira de comemorar os 120 anos da República: não é uma República plena aquela que tem uma escola para os eleitos diferente da escola dos seus eleitores.

Brasília-DF, 29 de abril de 2009


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